Yuri Quixina: “O fmI nunca interveio num país em que o governo traça as suas medidas”

Yuri Quixina: “O fmI nunca interveio num país em que o governo traça as suas medidas”

POR: Mariano Quissola / rádio Mais

Cresce a onda de greves nalgumas empresas públicas perante um cenário macroeconómico insustentável. É possível atender às reivindicações de aumento?

É normal a existência de greves numa economia onde as empresas são do Estado. A economia está em desequilíbrio, o Estado é que faz economia e não tem dinheiro, logo, é difícil ao Estado responder às preocupações dos trabalhadores das empresas públicas, face a um cenário em que o poder de compra é baixo. E mais: as constantes mudanças de conselhos de administração nalgumas empresas também cria essa instabilidade. Porque muitas não tem só a ver com aumento salarial, é o ambiente de trabalho, parecem ser os casos da Rádio Nacional e da TPA.

Mas se a economia crescer será possível atender a exigências de aumento salarial?

O crescimento dos salários na economia tem muito a ver com a produtividade. Se efectivamente houver lucratividade fruto dessa produtividade, poderá haver aumento salarial. Mas existe aqui um elemento. Estamos a falar de empresas cujo foco está virado para prestação de serviços sociais. O Estado tem essa perspectiva. O Estado pensa que foi inventado para dar os bens às pessoas e essas pensam que o Estado está na obrigação de dar-lhes esses bens e isso tem implicação na produtividade.

Certamente acompanhou a visita do Presidente João Lourenço a Rússia. Que resultados esse reforço da cooperação pode acrescentar à economia nacional?

Primeiro, acho que Putin conseguiu os seus objectivos, de saber se Angola ainda estava com ele ou com os Estados Unidos. Porque economicamente a Rússia também está num buraco. A economia russa é opaca, está muito ligada ao triângulo petróleo, indústria armamental e diamantes. A Rússia importa muito, as importações para o funcionamento da máquina da economia russa são enormes.

Que números explicam o índice importação da Rússia?

Repara, uma economia que cresce desde 2015 e com previsão até 2021 muito abaixo de 2%, não tem capacidade suficiente de ajudar a outra crescer. Entrou em recessão em 2015 e em 2016, melhorou em 2017, com um 1,5%, em 2018 ficou em 1,7%. A previsão para este ano aponta para 1,6% e 1,7% em 2020. Está a crescer anemicamente. A economia russa é dos doentes do BRIC (Brasil, Rússia e África do Sul). Não consigo ver a economia russa a ajudar a economia angolana a diversificar-se. Mas do ponto de vista da gestão da dívida, a Rússia dá-nos aulas. A dívida russa está abaixo de 20% do PIB.

As conversações entre Angola e o FMI no âmbito da avaliação do primeiro trimestre do acordo prosseguem em Washington. Pressupõe que as contas não batem certo?

A nota do Ministério das Finanças informa que haverá revisão do acordo, que pressupõe ter havido alguma coisa. Só há dois elementos fundamentais: primeiro, ou o FMI está a sentir-se enganado e não está a ser levado a sério, porque foram traçadas novas medidas que não constam no plano de estabilidade macroeconómica que o governo apresentou ao FMI, como a subvenção aos combustíveis para a agricultura e pescas e o aumento salarial e a política de crédito, e; segundo, ou Angola acha que o petróleo está a subir e não precisa mais das restantes tranches, do total de 3,7 mil milhões de dólares.

Qual será a mais provável?

A primeira. Porque o FMI nunca interveio num país com o Acordo de Financiamento Ampliado em que o Governo traça as suas medidas, e em todos os países onde isso ocorreu fez-se a revisão do acordo.

O que se pode esperar dessa revisão?

Depende da capacidade de argumentação da parte angolana. Se a revisão for da iniciativa do FMI, em função dos buracos que encontraram na primeira avaliação, pode-se interromper a implementação e se continuar será com novas exigências. E uma dessas poderá ser que todas as medidas só serão feitas mediante prévia autorização do Fundo. Também poderá alterar as taxas de juros, se efectivamente o FMI sentir que foi desautorizado na implementação da primeira fase do acordo.

Quais são as consequências de uma eventual interrupção do acordo?

Enormes, particularmente no mercado financeiro internacional. As taxas de juros no mercado internacional para Angola poderão subir, a dívida aumenta consideravelmente, porque o FMI e o mercado financeiro são quase dois irmãos.