“Daqui a cinco anos Angola estará nas missões de paz da União Africana e das Nações Unidas’

“Daqui a cinco anos Angola estará nas missões de paz da União Africana e das Nações Unidas’

POR: Dani Costa
fotos de Pedro Nicodemos

Lançou recentemente o livro ‘Angola in the African Peace and Security Architecture: The Strategic role of the Angolan Armed Forces’. Qual tem sido na realidade o papel das Forças Armadas Angolanas (FAA)?

Antes de mais vou fazer um enquadramento para perceber o contexto. O que viemos lançar é um livro sobre as Forças Armadas de Angola em inglês para a comunidade internacional. É um primeiro livro com impacto, porque é todo ele escrito na língua inglesa, para mostrar ao mundo como foi o processo de formação das Forças Armadas de Angola e o que é que elas valem e contribuem para a segurança no continente. É a primeira fase, haverá uma segunda e, se Deus quiser, estarei aqui em Julho para apresentar o livro em português para a comunidade angolana e lusófona, para que tenham acesso a este livro que tem documentos, imagens, entrevistas e textos que falam sobre o processo de formação das Forças Armadas de Angola, nomeadamente a partir do processo de Bicesse, em 1991, e depois numa fase mais a frente o que é a política de Defesa Nacional, o que são as Forças Armadas e como contribuem na arquitectura de paz africana.

O que é que Angola pode ou está a fazer no contexto regional? É uma pergunta muito interessante, é o que as pessoas têm estado a questionar: O que é que Angola está ou pode fazer no contexto regional da SADC?

Temos que ver que Angola representa uma potência regional em ascensão, ou seja, é um país que tem feito um caminho da guerra para a paz, desenvolveu-se no contexto nacional e tem neste momento intervindo crescentemente naquilo que é a paz e segurança regional. Ontem foi visto as Forças Armadas de Angola a ajudarem em Moçambique naquilo que se chama operação de ajuda humanitária, houve no Lesotho e na República Democrática do Congo. Há já um conjunto de intervenções, acções das Forças Armadas de Angola que tem um contributo visível para aquilo que é a segurança, o desenvolvimento e apoio às operações de paz. A pergunta é: pode fazer mais? Obviamente que pode fazer mais. Isso passa precisamente pela ocupação regional, ou seja, nas organizações regionais onde Angola está a participar pode intervir regionalmente desenvolvendo mais acções com observadores militares, participar nos processos de negociação, nos treinos e na formação daquilo que são as forças armadas regionais.

Qual foi a doutrina seguida pelas Forças Armadas Angolanas, tendo em conta que são produto de uma junção entre as FAPLA, com tendência mais socialista, apoiada sobretudo pela União Soviética e Cuba, e o extinto braço armado da UNITA, as FALA, ligadas a países ocidentais?

Esta é uma das razões pela qual este processo de formação das Forças Arma das é único no mundo. Não há um outro processo onde três forças de guerrilha de três formações distintas se juntaram para criar umas forças armadas. Obviamente que o processo inicialmente estava centrado na organização, regulamentação, no treino e naquilo que era a formação estrutural das Forças Armadas de Angola. Ainda hoje está em debate a questão da doutrina, porque tem a ver com as capacidades, os meios, a estrutura organizacional e a operacional. Portanto, não é fazer doutrina e depois não ter os meios. Tem que haver aqui um equilíbrio, ou seja, este equilíbrio consegue-se através de um processo evolutivo. As Forças Armadas de Angola estão neste processo evolutivo: evoluiu do ponto de vista tecnológico, formação humana e doutrina. Portanto, estiveram a fazer este caminho que é difícil. A base de formação ou de origem era difícil, porque eram forças de guerrilha algumas e outras convencionais. Alguns com apoio de Cuba e da União Soviética. A doutrina portuguesa esteve e ainda está presente. O que as Forças Armadas hoje são é um produto destas forças todas, das FAPLA, das FALA, que deram ao longo da sua formação determinados contributos organizacionais, técnicos, doutrinários para que sejam as Forças Armadas de Angola. É um processo único no mundo. É um processo onde teve que se segurar ideias, doutrinas, processos de formação, liderança, vertentes mais de guerrilhas ou mais convencionais, para se chegar a umas forças armadas actuais.

Quer com isso dizer que não houve uma única doutrina como tal, mas sim a junção de várias doutrinas para se alcançar as Forças Armadas Angolanas que temos hoje?

Exactamente. O que se assistiu foi uma assimilação de várias doutrinas, fruto de várias experiências da guerrilha, do período da guerra, das cooperações que deram origem a um conjunto de directivos estruturais, institucionais que formaram a origem das Forças Armadas de Angola. Estamos a falar de 1991 e o livro centra-se um bocado nesta perspectiva. Portanto, o processo de Bicesse levou à origem da Comissão Conjunta. Esta Comissão Conjunta é onde estava a chamada Troika, integrada por França, Reino Unido e Portugal. Faziam parte de um conjunto de países que se prepararam para, no âmbito dos Acordos de Bicesse, criarem esta transformação. Houve uma comissão para o desarmamento e outra para a formação das Forças Armadas de Angola. Este livro centra-se nisso, onde os vários países, com liderança de Portugal que foi importante, por causa da questão da língua, da semelhança em termos de procedimentos, facilitou com que muita da doutrina ou do treino fossem na língua inglesa. No entanto, a língua de trabalho foi o português.

É sabido que no período inicial de formação das FAA o processo ficou ferido com a saída de alguns responsáveis provenientes das FALA, entre os quais o general Abílio Camalata Numa. Até que ponto estas deserções afectaram o processo?

As FAA são origem de muita gente e de muitas ideias. Obviamente que não há forças armadas nem países que não tenham atravessado problemas. Portugal também teve uma revolução em 1975 e problemas. Hoje em dia a transformação é uma constante das sociedades. As Forças Armadas de Angola participam e estão neste processo de transformação. Muita gente, de muitas maneiras e formas participou neste processo de transformação. Se olharmos para o processo político e ao militar, o que é que avançou melhor? Foi o processo militar. O que é que falhou nos Acordos de Bicesse? Foi o processo político. A questão do planeamento que estava programado para as Forças Armadas de Angola, o treino conjunto, as forças integradas, as estruturas e as directivas foram todas feitas. Portanto, as Forças Armadas de Angola, em 1991, estavam prontas para arrancar como forças armadas nacionais. O que falhou foi o processo político, houve novamente um retrocesso na paz, no processo e a formação das forças armadas parou neste interregno. Regressou em 2002 com o processo de paz e voltou- se a colocar as forças armadas num processo de formação das forças armadas nacionais.

Há uma forte influência russa nas Forças Armadas Angolas?

Obviamente. Há uma forte influência russa em termos de equipamentos, doutrinas e tácticas. Há também uma forte influência russa naquilo que é a organização, armamento e equipamento.

Fala-se muito do poderio das Forças Armadas Angolanas. É possível isso, quando não se tem sequer uma indústria militar, até mesmo de fardamentos ou outros meios que deveriam acompanhar esta evolução?

Certo. Mas, obviamente, a sua referência são forças armadas de países evoluídos com estruturas de defesa, armas, indústrias, onde há uma simbiose em termos económicos e de defesa. Não é bem esta Angola ainda, porque está num processo de transformação da sociedade que é também visível no processo de transformação das Forças Armadas Angolanas. Temos em Angola umas forças armadas na ordem dos 100 mil efectivos, que é precisamente o número de efectivos acordados nos Acordos de Bicesse. Esses 100 mil agora são necessários?

O que pensa? São ou não necessários?

Eu penso que não. Neste momento deve-se privilegiar a qualidade e não a quantidade. Portanto, as forças armadas normalmente tendem a ser mais operacionais, com maiores capacidades, tecnologias e com menos efectivos. Portanto, este conceito de enviar forças muito robustas para determinados contextos cada vez é menos visível. As forças armadas hoje são de pequena dimensão, altamente treinadas e tecnológicas, que fazem tarefas integradas naquilo que é a política externa do Estado. As forças armadas contribuem para a segurança e a defesa do Estado, mas têm um papel cada vez mais tecnológico, de desenvolvimento, integrado nas missões regionais em parceria com outros países. Por exemplo, as Forças Armadas Portuguesas são 30 mil efectivos. E as forças armadas aqui da região, todas elas estão num processo de transformação que leva a que haja melhor forças armadas e com menos quantidade.

Retomando a questão: há ou não necessidade de se ter uma indústria militar em Angola?

Nem todos os países têm uma indústria militar. O ideal seria as forças armadas contribuírem para a economia do Estado, ou seja, que tenham uma indústria de Defesa associada e que possa produzir resultados naquilo que é o Produto Interno Bruto. Mas isso está dependente do nível tecnológico que existe para fazer evoluir as forças armadas e aquilo que são as tecnologias de defesa. Actualmente, a tecnologia de defesa é muito evoluída, se falarmos de comunicações, cibersegurança, equipamentos técnicos de radares, misseis e outras armas. Mesmo em Portugal, a indústria deste tipo de equipamentos não existe, porque são tecnologias extremamente caras. São necessários investimentos muito grandes, haver um conjunto de parcerias com universidades que possam contribuir para este desenvolvimento. Quero com isso dizer que a perspectiva de indústria de defesa é ideal para que as forças armadas possam participar no desenvolvimento do país. Nem todos os países têm esta capacidade, mas, na minha perspectiva, Angola, no contexto regional, tem potencialidades de que isso venha a acontecer no futuro.

O Presidente João Lourenço esteve na Rússia e circularam informações de que, no futuro, será montada uma indústria militar em Angola. O que pensa disso?

Vejo isso como uma situação normal. Actualmente vivemos num mundo global, onde os Estados cooperam de várias formas. Portanto, não sou daqueles indivíduos que diz ‘não queremos nada com os chineses ou com os russos, portugueses ou brasileiros’. Não é bem assim: todos fazemos falta. É preciso o Estado ter uma determinada visão de num determinado momento decidir com quem é que está e porquê está a cooperar? A cooperação com a Rússia, obviamente, vai continuar a acontecer por muitos mais anos com Angola.

O que acha da montagem da fábrica de armamento ou outros equipamentos militares?

Isto é um assunto muito mais específico, não tenho informações para que possa avaliar. Em termos gerais, o que posso dizer é que, se isso contribuir para a economia de defesa do país, será uma boa decisão.

Até aonde é que podem ser feitos os gastos a nível das Forças Armadas?

É uma questão muito importante: o papel do Estado é equilibrar aquilo que são as suas prioridades estratégicas para o desenvolvimento e para a segurança. O Estado é responsável por estas duas vertentes: a segurança e o desenvolvimento. E uma não pode viver sem a outra. Portanto, o Estado tem que em determinado momento definir com prioridades onde é que está a investir na segurança e no desenvolvimento. Haverá momentos em que é mais fácil e mais viável apostar na segurança, porque sem segurança não há desenvolvimento, e outras situações em que terá que apostar no desenvolvimento, porque sem ele também não há segurança. E neste equilíbrio é que está em cada momento o papel do Chefe de Estado, dos assessores e das pessoas que pensam nisso. Face aos recursos que os países têm, que são sempre finitos, vê-se quais são para determinadas ideias, projectos ou situação. Por exemplo, uma das prioridades nacionais será a Marinha de Guerra de Angola. Se não se investir na Marinha de Guerra de Angola, nos próximos cinco anos, não vai ter proveito daquilo que pode ser o desenvolvimento na área do mar. Não vai ter capacidade de garantir a segurança marítima.

‘Se Angola não investir na marinha de guerra, o vazio será ocupado por outro país’

O que vai acontecer se não se fizer estes investimentos na Marinha de Guerra de Angola?

Estaremos a criar um vazio estratégico e pode ser ocupado por outros países.

Quais são os países que se podem aproveitar-se de uma falta de investimentos na Marinha de Guerra de Angola?

Os países que têm interesses na região. A Rússia, por exemplo, tem interesse nas pescas aqui na sua área territorial. Portanto, se Angola não tiver a capacidade de monitorizar estas regiões, de acompanhar e garantir a segurança, a presença nestes espaços, haverá outros países que vão tirar proveito disso.

Já se consegue sentir estas ameaças?

Já se sente na região do Golfo da Guiné. Veja a questão de todo o Golfo da Guiné, da costa de Angola, a imensidão que existe e é preciso garantir esta segurança. É preciso garantir que os recursos que existem nestes espaços, que são de Angola, sejam capitalizados em prol do proveito do país. Se não tiver capacidade, naturalmente que os outros países irão buscar estes recursos de forma clandestina. Isso já está a acontecer.

Diz-se sempre que entre os Estados não existem amizades e apenas interesses…

É uma verdade que a relação entre os Estados regem-se por interesses. Estes interesses podem ser convergentes ou divergentes. Quando os interesses são convergentes temos cooperação, quando são divergentes temos guerra.

Na área em que Angola está inserida, quais são as potenciais ameaças para as nossas forças armadas?

Não vejo nem estou a prever que haja uma guerra entre Angola e a África do Sul ou entre Angola e um outro país. O que há aqui é competição regional pela perspectiva de que cada país pretende ter maior protagonismo naquilo que é a área da segurança. Por exemplo, quem é a Nação líder em termo do Golfo da Guiné? Uma delas é Angola, até porque a Comissão do Golfo da Guiné está aqui em Luanda, mas existem outros países que pretendem também ter protagonismo.

Quais são os países que pretendem um maior protagonismo no Golfo da Guiné?

A Nigéria, a África do Sul e a Namíbia, por exemplo. O que está a acontecer aqui em termos regionais é uma competição saudável pela primazia em termos de segurança e defesa entre os vários países. Não estamos aqui a fazer uma competição em que Angola vai entrar em guerra com a África do Sul. Não! O enquadramento geopolítico é a competição pela visibilidade que as forças armadas que os países têm na capacidade de prestar segurança regional. Falamos muitas vezes no conceito de poder, qual é as Forças Armadas mais poderosas da região? O conceito de poder está associado a uma coisa que é a percepção que os outros estados têm de nós. Você só é poderoso se eu olhar para si e achar que és poderoso. Portanto, este conceito de potência regional está associado àquilo que os Estados fazem em termos regionais para terem maior visibilidade, empenho e preponderância estratégica. É isso que neste momento está a acontecer. É uma luta pela preponderância estratégica.

Como estudioso em questões de estratégia e segurança, até porque deve ter feito um estudo comparativo entre as Forças Armadas Angolanas e as congéneres da região, pode-se dizer que as FAA são poderosas?

É preciso termos bem o que é o conceito de poder. Mas, se falarmos em termos de capacidade, as Forças Armadas de Angola estão dentro do contexto regional numa fase crescente e têm realmente um protagonismo. Obviamente que se olharmos para as Forças Armadas da África do Sul, elas têm um grau de desenvolvimento maior. Mas há aqui em termos das Forças Armadas de Angola aquilo que nós chamamos ‘um potencial enorme’ para crescer, ou seja, têm capacidade para se tornarem numas Forças Armadas com influência na região, ao nível da África do Sul, da Nigéria e dos outros Estados.

O que falta para que isso aconteça?

Falta treino, tempo, condições de investimentos em termos de tecnologia e uma coisa importantíssima que talvez seja o fundamental: uma política de defesa.

Está a dizer que não há uma política de defesa?

Eu não estou a dizer que não há. O que estou a dizer é que é preciso uma boa política de defesa.

O que acha da política de defesa existente?

Eu acho que é uma boa política de defesa. E é preciso que esta política de defesa tenha consequências para as forças armadas. Que as forças armadas sejam um pilar do Estado e um contributo para a sua política externa.

Angola, através das Forças Armadas, teve uma recente incursão no Lesotho e anteriormente na Guiné-Bissau, através da Missang. Estes dois exemplos foram bons para a política externa de Angola?

Os exemplos são distintos. Eu até os separava. Normalmente, os Estados trabalham dentro da cooperação e da arquitectura regional. Portanto, não estou a dizer que tenha falhado, mas sim que pode fazer mais. O desafio é precisamente isso: fazer mais. Toda a gente está à espera que Angola faça mais. Por que é que Angola não tem nenhumas forças militares nas Nações Unidas ou nas missões de paz no mundo?

O que se estará a passar?

Eu acho que falta só aquela decisão política para isto acontecer, porque as forças armadas em termos de preparação operacional estão preparadas para isso, como nós conseguimos ver.

Baseia-se no exemplo da missão do Lesotho ou tem outras informações?

Baseio-me no exemplo do Lesotho e agora em Moçambique. Também na cooperação com a República do Congo e na Guiné Bissau. Há a participação nos treinos e nos exercícios regionais. A comunidade internacional está à espera que Angola possa ter um maior papel naquilo que é global. Como é que pode fazer? Intervindo nas operações de paz das Nações Unidas. Se calhar não é colocando forças muito grandes, mas enviando oficiais de Estado-Maior, observadores militares e participando com pequenos contingentes. A África está à espera que Angola dê este passo.

Já que voltou a tocar em África, gostaria de insistir na questão anterior: quais são os exemplos que se podem tirar dessa experiências no Lesotho e na Guiné- Bissau?

A primeira lição que temos é que na Guiné-Bissau, desejavelmente, as intervenções de Estado devem ser feitas no contexto da segurança regional e não intervenções bilaterais.

Angola falhou com a Missang ao intervir na Guiné-Bissau?

Eu não estou a dizer que falhou, mas que Angola pertence a uma arquitectura regional – SADC e a CEEAC- e as intervenções devem ser feitas dentro deste quadro regional. Porque o quadro regional tem legitimidade. Quando participas numa actividade no âmbito da SADC, ela é uma organização que representa um conjunto de países e confere legitimidade à operação.

Quer com isso dizer que não houve legitimidade na intervenção de Angola na Guiné-Bissau que é membro da CEDEAO?

Foi um dos aspectos que tem que ser melhor analisado, porque as intervenções de forças armadas em outros Estados são complicadas. Têm que estar ao abrigo daquilo que é o direito internacional e daquilo que é a cooperação entre os Estados.

Houve um erro político por parte de Angola com a missão na Guiné- Bissau?

Não estou a dizer que houve um erro político. Eventualmente, terá havido uma má avaliação e Angola fez bem. Aprendeu com essa situação e o que estamos a ver é que cada vez mais a cooperação regional é mais forte, assim como há o interesse de Angola em participar no quadro da cooperação regional.

‘Os militares devem participar em palestras e conferências nas escolas e universidades’

É comum em Angola, até mesmo em conversas de bar, as pessoas dizerem: existem muitos generais nas Forças Armadas Angolanas. O que pensa?

As FAA estão num processo de transformação. Portanto, este processo existe em vários domínios. Mas as pessoas que são hoje generais são aqueles que deram a vida para você estar aqui sentado nesta mesa. O país tem que estar agradecido a estas pessoas, porque muitas delas não tiveram as mesmas possibilidades que algumas têm hoje em dia de estudar. Não tiveram as mesmas possibilidades que algumas têm de hoje viajar para o exterior. Essas pessoas são o país, são as forças armadas. Tem muita gente de valor. Há-de haver uma altura em que estas pessoas vão sair das forças armadas e o Estado terá que lhes prestar uma homenagem. O próprio Estado terá de reconhecer o papel destas pessoas para aquilo que é hoje Angola.

O processo de reforma não tem sido nada fácil…

Os processos de reforma são difíceis.

Refiro-me à reforma dos generais das Forças Armadas Angolanas, sabe disso?

Não estou a falar da reforma dos generais. Mas todos os processos de reforma são difíceis, porque levam tempo. Tem que ser explicado às pessoas, à sociedade e ser integrado naquilo que é a reforma do país. Não está a haver reformas nos sectores da educação, da defesa e da saúde? Há reformas em todo o lado.

É menos pacífica uma reforma a nível dos generais ou no sector castrense?

Não há aqui questões pacíficas. Quando as reformas são em prol do Estado, são sempre boas reformas. E as reformas são sempre difíceis de fazer, porque implicam que as pessoas aceitem as reformas. As pessoas militares por norma são disciplinadas e aceitam as reformas.

Qual foi a mensagem que se passou ao mundo com a nomeação do general Geraldo Sachipengo Nunda ao posto de Chefe de Estado- Maior General das Forças Armadas Angolanas, um antigo quadro das FALA?

É dos melhores exemplos que se pode dar. O general Nunda foi três vezes vice-chefe de Estado- Maior General de três generais diferentes. Numa determinada altura foi indigitado chefe de Estado-Maior General. Portanto, um oficial da UNITA, das FALA, chega ao posto mais alto das Forças Armadas de Angola. Isso é a prova de que o processo de transformação correu bem e que a formação das forças armadas, integrando estas várias facções, foi consistente. E, nos últimos anos, o general Nunda deu um contributo muito grande para aquilo que as forças armadas são hoje. Temos muitos generais nas forças armadas que contribuíram para este efeito, mas se quisermos colocar alguns nomes, o general Nunda está certamente neste top. É das pessoas que fez a guerra, esteve no processo de Bicesse, fez a paz e formou as forças armadas naquilo que são hoje. O país se não reconheceu ainda, vai ter que reconhecer isso.

Pouco tempo depois de ter chegado ao poder, o Presidente João Lourenço esteve na base do processo de sepultamento do antigo chefe adjunto do Estado-Maior das FAA, general Arlindo Chenda Pena ‘Ben –Ben’. Uma decisão acertada?

Eu sou a favor de que as pessoas que contribuíram para a história dos países fiquem na história destes países. As pessoas que deram a vida pelo país, pelas suas ideias em prol de Angola, o próprio Estado tem a obrigação de os reconhecer. O que se assistiu e o que se vai assistir tendencialmente no futuro, como são os casos dos generais João de Matos e Ita, Angola terá que reconhecer estas pessoas. Elas foram importantes.

Falta este reconhecimento?

Estas pessoas já estão na história de Angola. Elas vão estar mais na história quando o próprio país reconhecer que elas são as que fizeram a própria história. Já estão no meu livro porque são importantes naquilo que são hoje as Forças Armadas de Angola.

Já visitou a Escola Superior de Guerra?

Estive lá hoje de manhã. Eu acho que tem um papel importante naquilo que é a segurança do país e a defesa nacional. Uma das coisas que se pode fazer mais é os militares irem às escolas e às universidades fazerem palestras e conferências sobre a segurança, defesa nacional, papel das forças armadas no Estado e no desenvolvimento. Aí começam a perceber qual é o papel das forças armadas num Estado de direito, que é garantir a segurança contribuindo para o desenvolvimento.

O que falta às Forças Armadas Angolanas?

O que falta é participar em processos em que Angola nunca esteve. Participar nas Nações Unidas, nas missões da União Africana, na cooperação e no desenvolvimento em termos daquilo que é a segurança global. É um desafio para Angola. Compreendo que não se pode fazer tudo. Neste momento há uma reorganização interna. Há questões que têm que se colocar, como, por exemplo, as fronteiras, a segurança marítima. Portanto, há um conjunto de situações que têm que ser resolvidas inicialmente, em termos de infra-estruturas e até mesmo doutrinários, depois então cooperar de outras formas em termos regionais ou globais. Não tenho dúvidas de que daqui a cinco anos Angola estará a participar nas missões de paz da União Africana e das Nações Unidas.