Tragédias em Angola e Vidas que a água não levou

Tragédias em Angola e Vidas que a água não levou

POR: Constantino Eduardo, em Benguela

O bebé continua a crescer saudável no ventre de Amélia Cateque, de 35 anos. Estaria melhor, senão fosse a dor que corrói profundamente a sua progenitora, pela forma abrupta com que perdeu quatro filhos, com idades que iam dos 3 aos 14 anos. Amélia Cateque “luta” para aprender a lidar com a dor, de modo a não afectar o crescimento saudável da criança que carrega e que depende única e exclusiva mente de si. A missão é das mais difíceis que já enfrentou em toda a sua vida. Não é para menos. Em frações de minutos, Amélia Cateque, de 35 anos, perdeu os quatro filhos durante as enxurradas de 16 de Março último, na Catumbela.

Recorda-se que na tarde de 15 de Março, portanto, um dia antes das enxurradas, distribuiu-lhes afectos, amor incomparável e inenarrável que só o coração de mãe é capaz de proporcionar aos seus, longe de imaginar que aquele seria o último momento em que via com vida os rostos angelicais dos petizes. A alegria transformou-se em profunda tristeza. Amélia conta que, no dia da chuva, primeiro desabou a parede da cozinha, ao que se seguiram as de outros compartimentos. Nessa altura, já os filhos tinham sido arrastados pela correnteza das águas, embora o marido ainda se fizesse à água na tentativa de os salvar. Dois deles foram encontrados sem vida e os outros estavam ainda desaparecidos, tendo sido encontrados dias depois da tragédia pelos técnicos do Serviço de Protecção Civil e Bombeiros.

Um imagem que ela desejava apagar da sua mente. A perda dos filhos trespassa-lhe com dor infinita a alma. Hoje, desesperada, Amélia faz contas a uma vida que diz ser injusta, e, céptica, pergunta a Deus por que razão permitiu que desgraça daquela magnitude lhe fosse bater à porta, a ponto de perder as pessoas de que mais gostava e amava na vida: os filhos. Além dos filhos, perdeu todos os seus bens materiais. A sua casa ficou completamente destruída, pelo que pede a pessoas de boa-fé que a ajudem a reconstruir a vida. “Á água nos encontrou em casa, com as crianças, e depois a parede caiu. O meu marido nadou para ir buscar as crianças, mesmo assim não conseguiu encontrá-las. Quatro crianças morreram”, contou Amélia Cateque, que por pouco não perdia também a vida. Abatida, desabafou: “o meu marido não trabalha e eu também não. Às vezes, vendo na praça”.

O conforto institucional

Como Amélia, estão centenas de famílias que viram as suas casas desabar e, hoje, atravessam várias dificuldades. Preocupado, o Governo Provincial de Benguela, por via do seu titular, Rui Falcão, promete o apoio possível, advertindo o Governo Central para a necessidade de se construir 1700 casas para atender os desalojados. Como quem quer ver uma intervenção das estruturas centrais do Estado, o seu Executivo “arrastou” para o local do sinistro o vice-presidente da República, Bornito de Sousa. Este, sensibilizado, reiterou que o Governo liderado por João Lourenço já gizou um programa de “urbanização” para atender os sinistrados. No dia em que visitou o local, a 2ª figura na hierarquia do Estado angolano manteve encontro com os sinistrados, onde os reconfortou com as promessas de apoio. Enquanto o vice-PR visitava o bairro da Tatá, dos mais afectados, Amélia recebia assistência médica no Hospital Municipal da Catumbela, para onde tinha sido levada devido à sua condição de gestante. Entretanto, segundo apurou o jornal OPAÍS, o sinistro não afectou fisicamente o fecto. A jovem gestante está a receber acompanhamento de um sociólogo. Amélia olha para os céus à busca de respostas para a tragédia que a visitou e não encontra respostas capazes de a reconfortar.