Yuri Quixina: ““Consolidação orçamental é o exercício de viver dentro das suas posses”

Yuri Quixina: ““Consolidação orçamental é o exercício de viver dentro das suas posses”

POR: Mariano Quissola / Rádio mais

Abrimos hoje a nossa análise com um “fait divers” que recai para a Mesa Redonda promovida pelo MPLA e visa o resgate dos valores morais. Também é dos que pensa que a nossa crise é essencialmente moral e que a crise económica é consequência disso? Concorda?

No final da crise de valores vem sempre a crise económica. Angola está sempre em crises de valores, porque a bajulação, o tráfico de influência não é de agora. Desde 1975 que o MPLA vem promovendo campanhas do género. Esses males foram instrumentos de sustentação e manutenção do poder em Angola. Esse problema resolve- se através de um triângulo interessante: conhecimento, mérito e oportunidade. Sem isso, não vamos conseguir. O que me preocupa hoje na bajulação é facto de estar a ser feita por pessoas que estudaram e hoje os bajuladores só mudaram a bússola. A desestruturação das famílias é o outro problema.

A revisão do OGE vai cortar 30% dos projectos de investimento público. Que impacto isso terá sobre a vida das famílias e empresas?

Permita-me, primeiro, dizer que tudo o que está a acontecer o Economia Real previu. A primeira previsão foi o da revisão orçamental, porque o OGE nascera morto. Também dissemos que a economia cresceria abaixo de 2% ou entraríamos em recessão e está a acontecer. A terceira previsão foi que o FMI mandaria na soberania economia do país. Esses cortes que estão a ser efectuados decorrem do acordo com o FMI. Agora, se a economia crescer efectivamente 0,4%, isso altera tudo. Mas a minha preocupação consiste no facto de os cortes não incidirem sobre as despesas correntes (reduzir ministérios e salários), por serem politicamente impopulares. Então prefere-se cortar nas despesas de capital.

O que são despesas de capital?

Despesa de capital é a formação bruta de capital, que permite dar outro ar à economia, como a construção de infra-estruturas. Se os cortes não forem amigos do crescimento, poderemos ter uma recessão ainda este ano. Isso terá implicação na criação de novos postos de emprego, a economia cresce anemicamente, o défice orçamental poderá aumentar.

O cancelamento da compra de aviões da Boeing pode prejudicar o Estado em 62,9 milhões de dólares. Será também consequência do corte orçamental?

Não sei quem terá aconselhado o Presidente da República a comprar aviões em período de reforma. Quem o fez não percebe nada de consolidação fiscal nem orçamental. Consolidação orçamental é o exercício de viver dentro das suas posses. Entretanto, esse cancelamento tem dois custos: tangível e intangível. O primeiro custo é o valor inicial pago, que não será devolvido e que a companhia é capaz de pedir o valor em falta, que ascende os 59 milhões de dólares, de um total de 102 milhões de dólares. O segundo custo – intangível, é a reputação internacional. A Boeing não é uma cantina do Mamadou. É uma multinacional com reputação internacional, com peso financeiro muito grande no mercado.

Na senda da captação de investimento directo externo, a Zona Económica Especial Luanda/ Bengo ‘vendeu-se’ aos investidores estrangeiros. As condições existentes atraem investimento?

O PCA da ZEE disse aos chineses que o país dispõe de condições favoráveis para investir, citando recursos minerais na região, mão-de-obra jovem, custos baixos de transportes e logística. Isso é interessante e estratégico. Mas temos de ver internamente se os custos são mais reduzidos em relação à China, do ponto de vista de impostos e infraestruturas.

É coerente falar de ambiente de negócio favorável numa Zona Económica cujas indústrias funcionam com energia dos geradores e água das cisternas?

Temos que ser verdadeiros com os investidores, acima de tudo, de modo a que a cadeia de custos seja levada em consideração. Sobre mão-de-obra jovem é um facto, mas não qualificada. A maioria está no mercado informal. Não podemos vender gato por lebre internacionalmente.

Dados do INE indicam aumento da taxa de desemprego nos últimos dois anos de 8,8%, numa altura em os preços aumentaram, 1,9%. Como um desempregado gere isso?

É estranho que o desemprego esteja a aumentar e os preços a subirem. Primeiro é porque a nossa crise é atípica. Era suposto o desemprego reduzir o nível de consumo, mas isso não ocorre aqui, porque a economia está próximo da estagnação. É natural que isso ocorra, porque as empresas eram artificiais, prestavam serviços ao sector público, essencialmente empresas de construção.