Orlando Domingos:” O FESTECA é o festival mais internacional que o país tem”

Orlando Domingos:”  O FESTECA é o festival mais internacional que o país tem”

A associação desenvolve vários projectos culturais e sociais, como o Festival Internacional de Teatro do Cazenga (FESTECA), o Festival Internacional de Teatro para a Infantil e Juventude (FESTIJ), e a Rede de Apoio às Meninas em Angola (RAMA). Por essa razão, Orlando Domingos considera a Globo Dikulu como sendo uma associação de referência, que contribui para a formação sociocultural dos jovens.

Dirige a Associação Globo Dikulu há dez anos. Para Julho, está prevista a entrega das pastas, quais foram os primeiros passos dados para a criação da associação?

A Globo Dikulu foi fundada em Julho de 1989, há 30 anos. Faço parte da lista dos fundadores da organização, que surgiu da necessidade de ocupar utilmente os jovens. Dez anos depois, isso em 2000, tornou-se na Acção para o Desenvolvimento Juvenil. Estou a cumprir o último ano do mandato e neste momento estamos a preparar-nos para a assembleia-geral, para termos uma nova direcção.

Que balanço faz da prestação da vossa gestão nos últimos 10 anos?

Em 2008 assumimos esse mandato que vai agora terminar. Durante esse período vivi momentos intensos e calmos. Recordo-me das fases difíceis que a associação viveu e tivemos de fazer de tudo para que ela não morresse. A dinâmica social do país foi-se alterando e, para persistir enquanto projecto associativo, era preciso ter uma visão diferente da que tínhamos, de uma simples associação, para passar a um projecto organizativo e sustentável, enquanto associação que trabalhava para os jovens. Um pouco contra a minha vontade, já que quis afastar-me, mas pensei nas conquistas que tínhamos feito. Os compromissos nacionais e internacionais alinhavados fizeram com que me mantivesse na associação.

Como está constituída a Globo Dikulu?

A Globo Dikulu foi fundada por cinco jovens, entre eles eu. No princípio, estava sedeada junto a Administração do Cazenga. Posteriormente, o Ministério da Juventude e Desportos deu-nos um espaço na Cidadela Desportiva. Depois, voltamos ao Cazenga, onde continuamos até hoje. Desde a sua fundação, foram momentos de procuras e descobertas. Por hoje, todos aqueles que participaram na fundação do projecto estão satisfeitos, porque vingou. Temos a assembleia-geral, o órgão supremo, e o plenário de membros fundadores. São cerca de 60 membros que começaram com o processo.

Quais foram os momentos mais difíceis por que passou enquanto dirigente da associação?

Lembro-me que na altura fizemos um projecto de formação, para a passagem de testemunho a uma nova geração. Esta foi a parte mais complicada de todo o processo. Por hoje, está cada vez mais difícil trabalhar com os jovens, porque há um certo imediatismo. Eles estão virados para o lado económico, mas o lado altruísta e voluntário deixam de lado. Mas podemos dizer que estamos felizes, porque conseguimos um grupo de jovens, que ronda entre os 24 e 35 anos, que vão agora assumir a direcção da organização, na próxima assembleia.

Como estão a decorrer os preparativos para assembleia?

A nova direcção será eleita na segunda quinzena de Julho. Vamos apresentar os novos membros numa gala em comemoração dos 30 anos da Globo Dikulu. Nessa gala, vamos homenagear todos os membros fundadores. Como alguns são já falecidos, faremos a homenagem póstuma.

Então, a nova direcção começa a trabalhar logo depois de ser eleita?

Sim. Mas nós, de todo o modo, vamos ficar um ou dois anos a acompanhar e a orientar os jovens, porque são muitos os compromissos da associação, tanto nacionais como internacionais. Temos parceria com instituições na Europa e América. Estamos agora, também, a conhecer um novo mercado por via da filiação em instituições internacionais, o caso da Ásia. Por isso, é preciso que se passa esse dossier a mãos seguras, e vamos preparar esses jovens para poderem responder a esta demanda. A Globo Dikulu, hoje, não é apenas uma associação que tem a sede no Cazenga, mais uma referência no país, quiçá, em alguns pontos do mundo, por causa da persistência, do tempo de permanência e do trabalho que tem feito em prol da juventude.

A que trabalhos propriamente se refere?

O trabalho tem a ver com a inserção dos jovens na vida social, a sua capacitação para que respondam às demandas. Por essa razão, estamos nas províncias do Cuanza-Norte, Malanje, Cuanza- Sul, Benguela, Namibe, Cunene, Zaire, Bengo e Luanda. Os trabalhos reflectem-se nos projectos que essas filiadas têm desenvolvido.

Como pode caracterizar as actividades de maior vulto, realizadas durante os 30 anos?

Durante estes trinta anos, a Globo Dikulu realizou mais de 500 actividades nas várias províncias do país. Formamos jovens na área da animação sociocultural e gestão associativa. Na verdade, o que fizemos, e é aquilo que temos notado, é que nos tornamos uma referência no associativismo juvenil em Angola. Conseguimos ser também os pioneiros na cooperação, no intercâmbio e na mobilidade juvenil no país. A Globo Dikulu é a única que realiza projectos de intercâmbio, como formações na área cultural. Por essa razão, somos uma referência na formação de animadores socioculturais. Continuamos a trabalhar com os jovens, a potenciá-los e imponderando-os. Realizamos actividades em todo o país e somos membros fundadores do Conselho Nacional da Juventude (CNJ).

Qual é a implementação prática desses trabalhos?

Trabalhamos por via de projectos. Damos vida aos projectos que são assumidos pelos membros da associação a nível das províncias. A nossa filosofi a de trabalho é a animação sociocultural, para além da educação social. Então, trabalhamos nesse segmento e temos conseguido mobilizar os jovens e ocupá-los utilmente com actividades culturais. Em Luanda temos o Centro de Animação Artística Cazenga (ANIM’ART), um projecto artístico cultural construído de raiz. No ANIM’ART realizamos o FESTECA, um evento de carácter internacional que vai na sua XIV edição, em que têm participado grupos oriundos de várias províncias do país. Realizamos também o FESTIJ, pois, representamos o país na Associação Internacional de Teatro para a Juventude (ASSITEJ).

O FESTIJ é um evento dedicado às crianças?

O FESTIJ, que este ano vai na sua quarta edição, surge do imperativo da ASSITEJ, de ter orientado que devíamos ter um festival direccionado ao público infanto-juvenil. Precisávamos de ter mais para o final do ano. O FESTIJ tem uma componente muito forte, que é o teatro de inclusão, para pessoas com deficiência e aqueles que trabalham com o teatro para atingir determinados objectivos. Então, nós queremos juntar essas componentes todas. É um evento diferente. Um festival itinerante. Já o realizamos em Catete e no Dondo. Este ano queremos realizar em Luanda e noutro ponto do país.

E quantos grupos teatrais tem o Animar’t?

Temos três companhias de teatro. O Flores a Brincar é a companhia infantil, a primeira que tivemos, fundada em 1990. O Arco- Iris é a intermédia, fundada há sete anos. O Tic Tac é sénior, criada há 10 anos.

E sobre o FESTECA, como surgiu a iniciativa para a sua realização?

Tínhamos alguns grupos, no Cazenga, com poucas actividades para participar, para além da falta de apoios para actividades culturais. Fomos forçados a candidatarmo- nos para a realização de um projecto de formação na área do VIH/SIDA, do equilíbrio no género e saneamento do meio, a fim de formar activistas para essas áreas. A nossa proposta foi a de trabalhar com os responsáveis dos grupos teatrais, formá-los como activistas, mas no final realizar um festival de teatro, em que as peças abordassem os assuntos referidos. Fizemos a formação em 2005, que teve o apoio do grupo África, da Suécia.

E como correu a experiência saída deste festival?

Em 2006 fizemos a primeira experiência, mas como festival temático com o nome do município. O resultado ultrapassou as nossas expectativas e decidimos realizá-lo todos os anos. Houve um facto curioso: Na primeira edição participaram apenas grupos do município do Cazenga. Na segunda fomos invadidos por grupos de outros municípios de Luanda. Já na terceira tivemos grupos de algumas províncias e, por conseguinte, na quarta edição fomos desafiados pelo administrador municipal na altura, Victor Nataniel Narciso a trazer grupos estrangeiros, e assim aconteceu. E não mais paramos.

São vários os países que se fizeram representar no festival. Há ainda um que almejam ter neste evento?

Tivemos grupos provenientes de vários países, como da França, Camarões, Alemanha, Quénia, Brasil, Portugal, Nigéria, Congo Democrático, São Tomé e Príncipe, Moçambique e Argentina. O FESTECA é o festival mais internacional que o país tem. Pena que não temos conseguido responder a todas as candidaturas que nos são apresentadas. Alguns são espectáculos pesados, de grupos com carácter profissional, que exigem um caché.

Como tem sido apoio para os projectos de cariz internacional?

No campo internacional temos tido um trabalho muito grande, em termos de mobilidade juvenil. Nós recebemos jovens que vêm de outros países, da Alemanha, França, Portugal e Espanha, assim como do México, Israel, Peru e do Brasil, para fazer intercâmbio. Já recebemos jovens estagiários que se identificam com o nosso projecto e querem fazer trabalhos de pesquisa. Normalmente ficam três meses. Vamos receber, ainda este ano, um jovem voluntário, com 30 anos de idade. Vai fazer uma pausa de um ano no seu trabalho investigativo para desenvolver um trabalho voluntário em Angola, na formação de jovens na área do teatro de improviso. Temos a probabilidade de no próximo ano recebermos jovens para trabalhar em regime voluntário, concretamente da França e Alemanha.

E os artistas angolanos também têm feito trabalho de voluntariado nesses países?

Para Portugal também enviamos vários jovens para fazer voluntariado, com a vantagem da língua. Estamos agora a preparar-nos para enviar jovens artistas a Alemanha e França. Mas, antes, temos que habilitá-los. Têm que falar a língua local para poderem desenvolver uma acção positiva no estágio e acção de intercâmbio. Como grande parte dos nossos membros estão ligados a actividade docente, é bom que se faça um trabalho mais profundo para aqueles que fazem teatro, no sentido de colherem e terem habilidades para encontrarem mecanismos e metodologias de trabalho na transmissão de conhecimento e informação.

Como é que habilitam esses jovens?

Normalmente enviamos jovens que terminam a licenciatura, ou aqueles que ainda não começaram com o trabalho de fim de curso. Isso habilita-lhes, dá-lhes força para interagir e intervir um pouco mais a nível das comunidades onde estiverem inseridos. Não queremos que sejam apenas jovens de Luanda, mas também de outras províncias, onde temos representações.

E os projectos de cariz social, quais são?

Temos desenvolvidos alguns, com maior destaque para RAMA. O projecto começou a ser desenvolvido há três anos e está relacionado com a inserção e empoderamento das meninas no país. Começou com os membros da associação do sexo feminino, que se reúnem todos os anos durante dois dias, para identificar os problemas que as meninas nas comunidades vivem. Alguns dos problemas já identificados estão relacionados com sexualidade, gravidez precoce e o empoderamento feminino. Depois de serem identificados propõem-se a fazer uma acção durante o ano, envolvendo várias meninas nas províncias do país, como Cuanza- Norte, Malanje e Cunene…

E como foram esses três anos de trabalho?

Aos longos de três anos conseguimos identificar e potenciar meninas com uma parceria que temos com o Brasil, na Baía, com um projecto similar que, curiosamente, não conhecíamos, têm a mesma finalidade. Desta feita, adaptámos o nome desse projecto para nós, que é o “Hoje menina amanhã mulher”. Esse projecto visa justamente dar o empoderamento feminino. São meninas que vivem em situações difíceis, que representam uma faixa-etária. Actuamos nas escolas durante o ano, com a realização de palestras.

Quais são os problemas que mais afligem as jovens?

Questões relacionadas com a gravidez precoce. Ficamos um pouco preocupados com essa ocorrência, porque em 2014 tivemos seis meninas com grande potencial artísticos e engravidaram praticamente ao mesmo tempo. Essa situação motivou-nos a criar esse projecto. E quando fizemos  uma avaliação, do que estava na base disso, demos conta que havia uma grande falta de informação relactivamente às questões relacionadas com a sexualidade na adolescência e na juventude. A princípio, pretendíamos desenvolver apenas em Luanda, mas quando recebemos relatos de demais províncias decidimos juntar todas senhoras.