Poluição: Mais de 90% da população mundial respira ar que não é seguro

Poluição: Mais de 90% da população mundial respira ar que não é seguro

No passado dia 30 de Abril, uma mulher italiana chamada Margherita Tolotto fez a seguinte afirmação: “É chocante que mais de metade dos governos da União Europeia não tenha cumprido o prazo para algo tão importante.” Margherita não é uma professora enfurecida com o desleixo dos seus alunos, mas sim directora de Políticas para o Ar e Ruído do Gabinete Europeu do Ambiente (GEA). E está preocupada com o ar que todos nós andamos a respirar: “Todos os dias de atraso no corte da poluição do ar significam mais pessoas a sofrer as consequências na sua saúde.” A explicação é simples: 15 países da União Europeia não cumpriram o prometido e falharam a entrega dos seus programas estratégicos para reduzir a poluição do ar. Tinham até ao final de Abril para o fazer. Entre os países em falta estão a Alemanha, a França e a Espanha.

Este puxão de orelhas acontece poucos meses depois de a Organização Mundial de Saúde (OMS) ter revelado que a poluição do ar — tanto a ambiental, na rua, como a interior, em casa — causa a morte prematura de sete milhões de pessoas por ano, de várias formas: doenças cardíacas (31%), pneumonia (21%), acidentes vasculares cerebrais (20%), doença pulmonar obstrutiva crónica (19%) e cancro do pulmão (7%). Ou seja, as consequências da poluição no ar não se cingem apenas a irritações na pele e náuseas. A esmagadora maioria dessas mortes (91%) ocorre em países pobres, de baixo e médio rendimento, sobretudo na Ásia (4 milhões de mortes prematuras) e em África, em que a poluição do armata em média 1 milhão de pessoas. Já na Europa, a OMS estima que a poluição atmosférica cause 500 mil mortes evitáveis por ano, enquanto que na América o número é de 300 mil.

OMS ADIANTA QUE 91% DA POPULAÇÃO MUNDIAL VIVE EM LOCAIS ONDE O AR NÃO É SEGURO

A OMS adianta ainda que 91% da população mundial vive em locais onde o ar não é seguro, e 80% dos habitantes de cidades respiram mais poluição do que a OMS refere como o máximo aceitável. No que diz respeito à Europa, a Agência Europeia do Ambiente sublinha que as emissões de substâncias poluidoras do ar desceram consideravelmente nas últimas décadas, mas que a sua concentração ainda é significativa, sobretudo nas cidades, onde vive a maior parte da população. A agência especifica ainda os três principais poluentes mais nocivos para a saúde, e cujos níveis excedem regularmente o recomendado: o ozono, o dióxido de nitrogénio e as partículas inaláveis.

Ora, é boa ideia dizer que o ozono é um gás bom. O seu desaparecimento progressivo da estratosfera — devido à poluição causada pelo homem — é um problema sério. Mas quando entra em contacto direto com o “nosso” oxigénio, é extremamente prejudicial aos pulmões, podendo causar sérias doenças respiratórias. E este “mau” ozono é gerado muito por culpa do Dióxido de Nitrogénio (NOx), um gás igualmente tóxico libertado pela queima de combustíveis fósseis e, claro, pelos motores de carros e outros veículos.

PERIGO INVISÍVEL

Para abordar a ameaça das partículas inaláveis, pense primeiro no seu cabelo. Mais precisamente, num único fio do seu cabelo. Esse fio terá, aproximadamente, 50 a 70 milionésimos de diâmetro. As partículas inaláveis são ainda mais minúsculas, totalmente microscópicas: têm entre 2,5 e 10 milionésimos de diâmetro (ou 2,5 µg). Por serem tão pequenas, conseguem penetrar com facilidade nas vias respiratórias. As mais pequenas (com 2,5) chegam mesmo a entrar nos alvéolos pulmonares, e os seus efeitos nocivos podem ser sentidos tanto a curto como a longo prazo. Ora, é praticamente impossível eliminá-las por completo da atmosfera, mas há limites de exposição que, ultrapassados, significam um perigo para a saúde. Isto verifica-se com todos os gases poluentes, mas as PM2,5 são tidas como o poluente mais perigoso e o que afecta mais pessoas à escala mundial. Surgem na atmosfera através da combustão (motores de veículos, indústria, queima de madeira e carvão), mas também através da reacção de outros poluentes. No fundo, representam um perigo invisível mas bem real. O objectivo da Organização Mundial de Saúde é que a exposição anual à poluição atmosférica de partículas finas (PM2,5) não seja superior a 10 microgramas por metro cúbico, ou 10 μg/m3.

Para facilitar a organização da informação referente à poluição do ar, esta fórmula de “partícula inalável por metro quadrado” é traduzida num sistema denominado “Air Quality Index” No ranking das cidades com o ar mais poluído do mundo da AirVisual — referente a 2018 e organizado desta forma — percebemos que é mesmo na Ásia que a poluição do ar atinge níveis particularmente graves. A primeira cidade europeia é Lukavac, na Bósnia-Herzegovina, e surge apenas na posição 92º. Até aí, o ranking é quase totalmente dominado por cidades indianas e chinesas, sendo que as três cidades com o ar mais poluído do mundo são Gurugram e Ghaziabad, na Índia, seguidas de Faisalabad, no Paquistão. Construindo o ranking por país, a Índia e o Paquistão são respectivamente o terceiro e o segundo países com pior qualidade de ar. Em primeiro lugar está o Bangladesh, e a China surge no 12º lugar, fruto dos recentes esforços governamentais para diminuir a poluição atmosférica. O primeiro país da União Europeia a aparecer é a Bulgária, na 24º posição. Portugal surge apenas no 64º lugar, com um ar considerado “bom.” Mas, apesar de bom, estima-se que em 2017 tenham morrido 4300 pessoas em Portugal por razões diretamente ligadas ao problema.

Portugal está, no entanto, em 7º lugar no ranking dos países com o ar mais limpo da Europa, próximo do objetivo da OMS (é na verdade, o melhor país não cumpridor). Os únicos países europeus que já o cumprem são a Islândia, Finlândia, Estónia, Suécia, Noruega e Irlanda. Já a Bósnia-Herzegovina é, a par da Macedónia, o país com o ar mais poluído do Velho Continente. A nível mundial, Portugal fica no 11º lugar, num ranking com a presença não-europeia da Austrália, Nova Zelândia, Canadá e Estados Unidos da América.

Os dados indicam portanto que a Europa tem um ar bastante mais limpo em comparação com outros continentes, sobretudo a Ásia e a África, onde os níveis de poluição do ar são bastante preocupantes. Das mais de 3000 cidades incluídas no relatório da AirVisual, 64% excedem a diretriz da OMS no que diz respeito às PM2,5. Em África e no Médio Oriente essa percentagem é mesmo de 100%, e na Ásia está também bastante próxima desse valor. Outra conclusão preocupante do relatório é a falta de consciencialização da população para este problema, bem como a falta de acesso a algumas regiões do globo para a realização de testes atmosféricos.

As crianças são particularmente vulneráveis à poluição atmosférica. Um relatório da OMS indica que 93% das crianças de todo o mundo são expostas a níveis de partículas poluentes superiores ao limite desejável, incluindo 630 milhões de crianças com menos de cinco anos. O resultado dessa exposição é trágico: em 2016, 543 mil crianças com idades inferiores a cinco anos morreram com doenças relacionadas com a poluição do ar, mais 52 mil com idades entre os cinco e os 15 anos, sobretudo no continente africano.

MEDIDAS E INFORMAÇÃO DISPONÍVEL

As principais fontes de poluição atmosférica são as actividades da indústria e de produção de energia, a gestão do lixo, as práticas da agricultura, e claro, os transportes. Mais de 40% das emissões primárias de PM2,5 são atribuídas a veículos. E o ar poluído não está apenas nas grandes cidades, mas também em zonas rurais e até nas nossas casas: algumas práticas dentro de portas também podem ser prejudiciais ao ambiente e à saúde, como fogos em lareiras abertas e sem processos de filtragem, apesar de, mais uma vez, este problema ter na Europa uma dimensão residual.

Há vários exemplos de políticas nas áreas dos transportes, indústrias e planeamento urbano que foram bem sucedidas e contribuíram para reduzir a poluição no ar. No caso português, celebrou-se pela primeira vez no passado dia 12 de Abril o Dia Nacional do Ar — uma data que Portugal foi pioneiro a instituir — e o presidente da Agência Portuguesa do Ambiente Nuno Lacasta reforçou que “a qualidade do ar em Portugal hoje é muito melhor do que aquela que tínhamos, em geral, há dez ou 15 anos, e na Europa também, porque fomos despoluindo as fontes de poluição”. Isso significou introduzir fontes renováveis a nível da produção de energia, e o aparecimento dos veículos elétricos e híbridos, menos poluentes.

A cidade de Londres introduziu recentemente o ULEZ, um programa que taxa veículos poluentes que circulem em algumas zonas específicas do centro da cidade, e a intenção é alargar a sua abrangência a mais zonas da cidade no futuro. Também nas eleições legislativas ainda a decorrer da Índia — um dos países com pior qualidade de ar — a poluição atmosférica foi (finalmente) um dos temas da campanha. A tecnologia veio melhorar o acesso à informação sobre o problema, e existem actualmente vários sites com informação pormenorizada sobre a poluição atmosférica em tempo real. O World’s Air Pollution: Real Time Air Quality Index é um deles.

Infelizmente, um relatório do Tribunal de Contas Europeu de 2018 foi perentório ao concluir que “o mau ar ainda é comum na maioria dos Estados membros da União Europeia. (…) Cidadãos europeus ainda respiram ar prejudicial, sobretudo devido à fraca legislação e à pobre implementação das medidas.” Recomendam ainda que o Ambient Air Quality Directive — o principal pacote legislativo da União Europeia para atacar este problema — seja fortalecido, e que sejam tomadas acções mais firmes não só pelos comissários europeus mas pelos Estados membros, acções essas que devem incluir melhores estratégias e mais informação disponível ao público. No fundo, Margherita Tolotto, a directora de Políticas para o Ar e Ruído do Gabinete Europeu do Ambiente, tem todas as razões para estar chateada.