Angolanos na diáspora atentos à discussão sobre as autarquias

Angolanos na diáspora atentos à discussão sobre as autarquias

POR: Israel Campos, Reino Unido

De “mochila às costas” e com o auxílio da tecnologia, fizemos uma viagem pelo mundo, algo impensável há apenas alguns anos. Partindo do nosso continente berço, fomos até ao conhecido Novo Mundo, ou seja, o continente americano, escalamos as montanhas da Europa para chegar até à gigantesca Rússia. Dali seguimos para a Ásia onde, com grande surpresa, ouvimos angolanos “mastigarem” o mandarim. Dentro da “mochila” um único objecto, ou seja, uma única pergunta: “O que é que os angolanos na diáspora têm a dizer sobre o processo de institucionalização das autarquias em Angola?”

ÁFRICA

Carla Martins é uma jovem que, com o auxílio da sua família, optou por ir para a África do Sul para dar sequência à sua formação acadêmica. Carla defende que, mesmo fora do país, é muito importante que as comunidades angolanas estejam informadas sobre o que se passa no país, porque viver na diáspora não deve significar “esquecer o país”. Sobre as autarquias, acredita que terão um impacto positivo na vida dos angolanos, mas defende a necessidade de se fazer um maior trabalho de divulgação do assunto.

“Estou convencida de que muitos angolanos ainda desconhecem o conceito de autarquias. Daí a necessidade de se falar mais amplamente do assunto”, sustenta a jovem. Melhor informada sobre o que se tem passado no país está Euluíris Gonçalves, que frequenta o terceiro ano de Economia e Finanças da Universidade de Varsity. Residente na África do Sul há quatro anos, a jovem diz que tem acompanhado com entusiasmo as discussões sobre as autarquias no país, e defende que a incapacidade de auto- sustentação de alguns municípios e a concentração de desenvolvimento em outros são razões consistentes para a implementação gradual das autarquias. Já Jéssica Cunjuca, estudante de Design e Moda, também residente na África do Sul há dois anos, olha para a despartidarização do Estado como sendo um dos principais benefícios que as autarquias poderão trazer para o país.

Acredita que com elas já não será relevante saber se o nosso representante municipal é de um ou de outro partido político. “O que contará mesmo é a competência dos autarcas”. A futura designer teme, contudo, que o gradualismo geográfico possa atrair para os primeiros municípios escolhidos enorme êxodo populacional. “Os cidadãos vão procurar estabelecer-se nas localidades mais desenvolvidas e esse êxodo vai arrastar, inevitavelmente, a criminalidade e o desemprego. As localidades que não forem abrangidas na primeira fase das autarquias tenderão a ficar despovoadas, a menos que o Estado invista fortemente para diminuir as assimetrias”. Jessica Cunjuca aponta o caso de Luanda como um bom exemplo de êxodo rural. “Ainda hoje, muitas pessoas continuam a abandonar as suas províncias para procurarem melhores condições de vida em Luanda”.

AMÉRICA

Em solo americano, o nosso primeiro interlocutor foi o estudante de Administração Pública Pedro Paposseco, que reside no Estado de Oklahoma (EUA) há quatro anos, e que está actualmente a escrever a sua monografia em Descentralização Administrativa na Universidade de Oklahoma. Pedro disse ser muito importante e necessário que os jovens estudantes na diáspora estejam familiarizados com as verdadeiras necessidades do país para que possam saber de que maneira é que podem contribuir para o desenvolvimento quando regressarem ao solo pátrio. “É importante estarmos a par do que se passa para, quando regressarmos, não corrermos o risco de nos sentirmos estrangeiros no nosso próprio país”. Quanto à institucionalização das autarquias, Paposseco tem uma certeza: “vão mudar completamente a forma como se faz política em Angola”.

Quando confrontado com a percepção de que o Governo angolano é dos mais centralizados de África, o jovem acredita que a institucionalização das autarquias alterará esse quadro. “As autarquias vão aliviar o peso do Governo. Elas vão trazer transparência e maior celeridade na tomada de decisões, o que terá impacto na vida dos cidadãos”. Sobre a questão do gradualismo geográfico, Pedro Paposseco diz que “a Constituição fala em gradualismo funcional e não geográfico”. Para Wilson Alves, estudante de Finanças na Universidade de Saint Joseph’s, no Estado de Pennsylvania, EUA, o gradualismo geográfico, que tem dividido vozes e partidos, justifica-se plenamente não apenas porque o país caminha a velocidades diferentes, isto é, com municípios mais desenvolvidos do que outros, como também pelo enorme custo financeiro que decorreria de autarquias simultâneas em todo o país.

“Sinceramente, não acredito que o país tenha disponibilidade financeira para realizar autarquias em todo o país ao mesmo tempo”. Dos Estados Unidos de América “migramos” para Cuba, onde falamos com o estudante de Medicina Israel Clinton. Há quatro anos sem regressar ao país, Israel diz-se, no entanto, razoavelmente informado sobre o que se vai passando aqui. “Nunca vivi essa experiência, mas do que vou lendo e ouvindo, creio que as autarquias vão inserir mais o cidadão comum na política e isso será muito positivo”. Defendendo que as autarquias “não podem dividir ou fragmentar o país, mas, sim, dar poder aos municípios”, Israel sustenta que este processo não pode ser tomado como o princípio da exclusão de determinados municípios, “sobretudo porque não existe nenhuma justificação económica que possa impedir a aplicação das autarquias em todo o território nacional”. Ele diz que o desequilíbrio que existe entre os municípios, arma a que o MPLA se agarra para justificar o gradualismo geográfico, resultou da nossa dependência do petróleo.

“A dependência do petróleo e a gestão corrupta do país levaram a esse desequilíbrio. Quase todas as províncias do país têm riquezas no subsolo e aquelas que não têm desfrutam de imensas terras aráveis e bastantes recursos hídricos, portanto, o desequilíbrio económico de que se fala é o resultado da má gestão do país. Os nossos governantes sempre só tiveram olhos para o petróleo e diamantes”. Para Israel Clinton, a realização das autarquias em todo o país daria ao MPLA a oportunidade de se redimir dos seus erros de gestão. “Seria uma boa oportunidade para o partido governante “fazer a correcção de muitos erros que foi cometendo durante os anos. As autarquias em todo o país levariam a que o MPLA e o seu Governo prestassem mais atenção às comunidades mais pobres.”

EUROPA

À chegada ao continente velho, fomos ao encontro de Afonso Mkaka, engenheiro mecatrónico angolano formado e residente na Polónia há sete anos. Mkaka disse-nos que acredita que os jovens angolanos na diáspora estão cientes das suas responsabilidades morais e sociais para com o país, bem como têm compromissos com a pátria, e que só precisam de ter maiores oportunidades. Em relação às autarquias, pensa que se não estamos em condições de aplicar as autarquias em todo o país, de uma vez só, deveríamos aguardar até que todas as condições sejam criadas para o efeito. Da Polónia à Portugal, onde o jovem estudante de Relações Internacionais e escritor Emerson Sousa, residente na capital Lisboa desde 2013, elegeu a possibilidade dos cidadãos escolherem os seus representantes como sendo um dos maiores impactos que as autarquias terão na vida nacional.

Tem esperança que as autarquias possam levar desenvolvimento às zonas subdesenvolvidas do país, ao mesmo passo que acredita que se é possível fazermos eleições gerais em todo o país, então é, de igual modo, pensa, possível serem feitas as eleições autárquicas. Acrescenta dizendo que “todos os angolanos merecem escolher os seus líderes locais” e sugere ao Governo que se experimente a implementação das autarquias mesmo nos municípios menos desenvolvidos, pois que, como nos disse, “é errando que se aprende”. De Portugal, o voo levou-nos às terras reais, Inglaterra, onde o estudante de Economia, Banca & Finanças na Universidade Brunel de Londres Nagib Luzayadio manifestou a sua esperança em ver maior celeridade na resolução dos problemas locais com a limitação de poderes dos governos provinciais, como consequência da implementação das autarquias.

Nagib, disse-nos ainda que tem acompanhado o debate nacional em torno do “gradualismo” e que considera que a implementação faseada das autarquias é o melhor mecanismo, sendo que existem municípios que não são financeiramente auto-suficientes e que estes, portanto, carecem de um apoio do Governo central. A Rússia foi a nossa paragem seguinte, onde, em Moscovo, a sua capital, encontramos Edivaldo João, angolano residente há 6 anos naquele país, estudante de mestrado em Engenharia Informática. Edivaldo acredita que a chegada das autarquias poderá efectivar a descentralização do Estado. Sobre o modo utilizado na execução das autarquias, pensa que é importante que os critérios de selecção dos municípios sejam pensados cuidadosamente, “sob pena de não se criarem autarquias que não sejam capazes de resistir aos inúmeros desafios que se colocam em termos das suas atribuições consagradas constitucionalmente”.

ÁSIA

No continente das velhas tradições fomos à China ao encontro de Wilson Zage, angolano estudante de Engenharia Mecânica, que defendeu que as autarquias poderão ter impactos directos na vida da população caso exista autonomia administrativa e financeira “no verdadeiro sentido”. Para tal, nos disse, é necessário que a legislação sobre as autarquias tenha reflexo na realidade sócio-económica dos angolanos, para que se registre eficiência na sua aplicação. Sobre o gradualismo ou não gradualismo, Wilson Zage recorreu ao artigo número 242º da Constituição da República de Angola (CRA) para sustentar a sua opinião que é que “a institucionalização das autarquias em Angola deve ser em todo o território nacional, não obstante alguns municípios não terem condições para tal”. Acrescentou que é papel do estado encontrar um denominador comum para ultrapassar a situação, fazendo atribuições administrativas e financeiras para todos os municípios, transferindo as competências para todos os municípios “e, no caso daqueles municípios com menor probabilidade de arrecadação de receitas, o Estado deve reservar uma verba no Orçamento Geral do Estado (OGE) destinada a eles”.

Votar para as autárquicas fora do país? O que diz a lei?

Ante a preocupação de alguns segmentos das comunidades angolanas na diáspora sobre a possibilidade de poderem, mesmo fora do país, participar nas eleições autárquicas, através do voto, este jornal contactou o jurista angolano Esteves Hilário para o devido esclarecimento sobre o que a lei diz. O jurista disse-nos que “para as eleições autárquicas só votam os residentes no município” e que, portanto, “ficam de fora, desde já, todos os cidadãos não residentes, em que se incluem os da diáspora”.