” Pedro Pires:O grande desafio para todos é ter uma visão para a África”

” Pedro Pires:O grande desafio para todos é ter uma visão para a África”

O Instituto Pedro Pires (IPP) realizou pela primeira vez em Angola a conferência “Diálogo Estratégico” – sexta edição na sua história – em parceria com a Academia BAI a 17 de Maio, com um tema que é actual para Angola, designadamente a questão do “Poder local e ordenamento territorial: pensar, planear e potencializar”. Que experiências Cabo Verde pode transmitir a Angola, sobretudo no que se refere às autarquias?

A nossa vinda a Luanda situa-se no âmbito de uma parceria com a Academia BAI, que se mostrou interessada em trabalhar connosco na realização dessa conferência. O que fazemos – o Diálogo Estratégico – em Cabo-Verde, é levar ao país pessoas de diferentes horizontes que possam trazer visões diferentes do tema principal em debate. Por exemplo, no ano passado, o tema em debate foi “A Mulher na política” e convidamos a Primeira- dama de Angola, Ana Dias Lourenço, para participar nesse debate. Levamos gente do Brasil, de outros países africanos e também europeus para transmitir a sua experiência e a sua visão das coisas. Quer dizer, a ideia é quebrar a insularidade e abrir-se ao mundo. Ora, o Instituto pensou em sair um pouco de Cabo-Verde, ir para outros horizontes e assim se deu vir cá a Angola, depois de as duas administradoras terem estado cá e discutirem essa cooperação. A problemática do poder local não é mundial, é universal. Como melhor utilizar os recursos territoriais e como melhor organizar a participação dos recursos humanos, que são as populações. Temos de trabalhar estas duas vertentes: o território, como melhor organizá-lo, e as pessoas, como melhor preparar a sua participação na administração das entidades territoriais. Mas, aí se coloca uma questão: como responsabilizar mais as pessoas. Isso ultrapassa a ideia da Administração e administrar, para entrar numa outra ideia que é participar.. quer dizer, os próprios interessados participarem na busca de soluções para os desafios que têm pela frente. De modo como combinar a administração com a participação da sociedade civil e a participação das populações. Essa é a ideia.

Quanto à experiência de Cabo- Verde no processo autárquico?

Quanto ao que se fez em Cabo- Verde, nesta matéria deve-se evitar a ideia das transferências. Pensar que o que é feito aqui é bom para toda gente, ou o que é feito aqui deve-se repetir. Eu penso que há dimensões territoriais diferentes, há dimensões humanas diferentes. Vamos ver qual é o aspecto que é utilizável ou que é válido para a situação angolana. Eu acho que Angola é um país enorme, que deve pensar de forma diferente a sua organização territorial. Mais do que isso, em Angola há uma grande diversidade étnico-cultural que não existe em Cabo-Verde, de modo que as questões são diferentes. Devemos ter em conta as diferenças e não trazer os exemplos que devem ser repetidos como se tem feito, ou se tem proposto para África.

Um dos principais “desacordos” entre os políticos angolanos, relativamente às eleições autárquicas, assenta no gradualismo. A Oposição está contra a realização das eleições de forma gradual, o Executivo entende ser a melhor opção e justifica que a Constituição assim o permite. Enquanto político e daquilo que conhece de Angola, qual é a sua posição a esse respeito?

(Risos) Não gosto de interferir. Ou como se diz: “meter a foice em ceara alheia”. Mas eu acho que há um exemplo próximo que se deve levar em conta, que é o de Moçambique. Devese estudar o exemplo moçambicano que adoptou o princípio do gradualismo e perguntar-lhes porquê. Eu entendo que todas as mudanças exigem preparação. E tendo em conta a diversidade cultural e territorial devemos adaptar-nos à diversidade e encontrar soluções que sejam sólidas, que dêem resultados e que tenham uma certa garantia. É a busca da garantia das melhores soluções. Neste aspecto – eu acho que os angolanos devem discutir isso – mas, na minha opinião, um país enorme, com grande diversidade, seja territorial, seja étnico-cultural, deve ter em conta essa diversidade e trabalhar para que, no fim, haja um resultado sólido e eficaz que traga uma maior participação e intervenção das pessoas. Do meu ponto de vista, o que se deve procurar são experiências, realizações, que tenham futuro, não uma solução imediata, mas perspectivar no espaço e no tempo as soluções para que garantam, de facto, sucesso e eficácia.

O senhor falou há pouco da importância de buscar experiências e encontrar soluções, não imediatas, mas a longo prazo, esta recomendação pode ultrapassar fronteiras e estender-se aos dirigentes africanos! Pergunto- lhe: o que pensa da criação do Parlamento Africano?

Acha que seria um valor acrescido à União Africana? Eu estou um bocadinho fora da política activa. O meu receio é a multiplicação de instituições. Depois as instituições terão dificuldades de funcionar porque terão dificuldades financeiras. Vamos buscar a solução que pode funcionar. Qual é a eficácia do Parlamento Africano? Porque não basta ter um parlamento africano, é preciso que seja eficaz, que intervenha de facto e que tenha um papel. Quando vemos o Parlamento Africano, temos de ver a articulação do parlamento com a União Africana a questão é essa: encontrar a melhor solução que sirva para este momento. Mas, o que serve para este momento não quer dizer que vai servir durante toda a vida. De modo que, não sei o que o Parlamento Africano poderá trazer nessa matéria.

O senhor foi primeiro-ministro entre 1975 e 1991 e duas vezes Presidente da República (2001- 2011). Foi galardoado com o Prémio Mo Ibrahim de boa governação em 2011. Quais acha que são, hoje, os principais desafios dos dirigentes africanos?

Voltamos ao tempo. Os desafios do tempo em que era dirigente político e governante não são iguais aos que são hoje, porque o mundo mudou. África mudou. Os nossos países também mudaram. De modo que o grande desafio para todos é ter uma visão para África. A União Africana trabalhou a visão desde 1963, é preciso trabalhar essa visão ou ver em que é que ela nos pode servir. Portanto, todos termos uma visão daquilo que queremos para o continente e trabalhar nisso.

E em relação aos países e às comunidades económicas-regionais…

Também temos de ter uma visão. Ter uma proposta, trabalhar nesta base e criar as melhores políticas públicas que podem apoiar nesse sentido. Para os dirigentes, os desafios poderiam resumir-se numa única coisa muito simples: governar bem os seus países. Buscar os melhores resultados.

Preocupa-o o fenómeno da emigração, sobretudo de jovens africanos. Qual seria a melhor solução para este fenómeno?

Há as migrações que têm lugar. E há as migrações que aparecem na comunicação social. Nós não podemos reduzir o fenómeno migratório em África àquilo que aparece na comunicação social, na crise de jovens que saem à procura de melhores dias, melhores empregos na Europa ou no Médio Oriente, porque as pessoas não vão só em direcção ao mediterrâneo mas em direcção ao mar vermelho também. O outro aspecto é a migração interna, dentro de África. Porque, 70 ou 80% do fluxo migratório de África é entre os países africanos. Aí é que entendo que deve haver entre os países africanos negociações discussões à volta disso, para ver como gerir as migrações intra-africanas. A migração como tal é fenómeno intemporal. As nações formaram-se e são todas misturas. Falou-se muito de raça pura isso é uma grande fantasia.

As nações resultam de miscigenação entre várias entidades étnicas. Por todo lado, em África e na Europa sempre foi assim, para não falar das Américas. De modo que devemos encarar isso como um fenómeno natural, acontece sempre. A outra preocupação que pode estar no pensamento das pessoas é o porquê dos jovens que emigram, ou por quê se aventuram. É preciso dar resposta a isso e ver se há causas! Obviamente que sim. Porque as pessoas emigram à procura de emprego, de melhores condições de vida, de maior segurança. O que é que podemos criar em África para garantir que os jovens tenham vontade e confiança para ficar e lutar por uma solução dentro do seu país? Isso é o que nos devemos perguntar, tal como o que devemos fazer para melhorar ou desenvolver a nossa agricultura, sobretudo, o esforço que devemos fazer na indústria de transformação e da criação de emprego. Mas devemos encarar as migrações como um fenómeno que ultrapassa o tempo. Se pensar um pouco como se fez o povoamento do Canadá, dos EUA, foram migrantes que foram para lá porque não tinham condições nos seus países. Um dos muitos países no início do século XX de onde saiu muita gente foi a Suécia, que hoje é um dos mais desenvolvidos do mundo