Daniela Ribeiro: “Se todos os africanos decidissem regressar, poderiam salvar o continente”

Daniela Ribeiro: “Se todos os africanos decidissem regressar, poderiam salvar o continente”

Com esse trabalho a artista pretende convidar os africanos a regressarem aos seus países, de modo a contribuírem para o seu desenvolvimento.

Está a preparar uma exposição que será inaugurada a 14 do corrente, onde será exactamente?

A exposição está composta por 40 obras e será inaugura às 18 horas na galeria do Shopping Avenida, em Talatona. O tema essencial desse trabalho que estou a desenvolver com as máscaras é “Mano volta só”. As outras obras são de exposições antigas que conservei.

O que tem de novo nesta exposição?

São os trabalhos que estou a fazer com as máscaras, que estão relacionados com o período que estamos a passar no país. Trata-se de dez máscaras. O referido tema está relacionado com várias conversas que mantenho com amigos que vivem no exterior. Através dessas cheguei à conclusão que África só tem uma solução: todos os africanos devem voltar para o seu continente. Devem regressar e trazer as suas “fortunas” e conhecimentos.

Como pretende convidá-los a regressar, através destas máscaras?

As várias máscaras africanas mostram que eles são filhos de África, que foram para o exterior. E quando acresço nelas as peças de materiais electrónicos reciclados é para ilustrar o conhecimento que esses cidadãos vão trazer ao seu continente. Os materiais electrónicos representam a tecnologia, inovação e o progresso. Tudo o que aprenderam e podem contribuir para o crescimento do continente africano. Se nesse momento todos eles decidissem regressar em massa, poderiam salvar o continente.

Salvar de que maneira?

Economicamente! Eles têm “fortunas”, conhecimentos, valores, ética e noções de desenvolvimento económico, que aprenderam nesses países. Eles têm uma experiência que podem aplicar aqui. A minha ideia neste trabalho é mostrar que eles foram a esses países como africanos, no tempo da escravatura (estou a falar de um processo histórico de 20 anos), e quando voltarem trarão os conhecimentos. Essa exposição é mais ou menos uma reflexão de como devemos salvar África. Com certeza que os presentes continuam a tentar salvar o continente, mas temos uma crise muito grande e acredito que com o regresso dos grandes “líderes” africanos ao seu continente pode ajudar.

Foi necessário realizar pesquisas para fazer essas máscaras que, com certeza, são usadas no interior do país?

Trabalho com uma historiadora. Ela é que faz a parte documental e histórica, facto essencial para aqueles que pretendem saber a origem delas. Na verdade, essas máscaras máscaras são para chamar a atenção à solução de África. Percebo que algumas pessoas não voltam, porque terão de começar do zero. Mas trata- se de um mundo novo. Ao invés de estarem numa terra estrangeira, convido-os a virem para o seu continente e trazerem tudo aquilo que aprenderam. É esse o apelo que faço na exposição.

Como é, para a artista, fazer um casamento entre as máscaras feitas de madeira e as peças electrónicas que representam a globalização?

Isso tem a ver com o que acontece aqui. Somos todos muito aculturados. Angola absorveu todas às raças e culturas. Um problema que não temos no nosso país é o facto de sermos diferentes. A sociedade angolana é composta por muitas pessoas diferentes, e faço parte dessa dualidade. Sou angolana, cresci cá e sou aculturada. Sou um bocadinho resultado da mistura dessas culturas, da ocidental e africana. O mesmo acontece com muitos portugueses que já são africanizados. Noto que em Portugal há muitas coisas que foram levadas daqui para lá, pelos retornados e pela comunidade que lá vive.

Vimos nas máscaras fios de carregadores, auriculares, placas de telemóveis que utiliza para fazer o enfeite. Onde consegue esses materiais que recicla?

Esses materiais são-me cedidos pela Unitel, com base no seu projecto de reciclagem. No fundo, são centenas de peças de telemóveis que desmonto em série. Imagine que pego em 2 mil telemóveis iguais, desmonto e fico com as pecinhas todas em quantidade.

É formada em Relações Internacionais para Diplomacia, como entra no mundo das artes?

Trabalhei muitos anos na União Europeia. Aos 30 anos dei conta que não gostava do que fazia e decidi ser artista. Foi algo espontâneo e pontualmente fui fazendo alguns cursos de especialidade. É um trabalho praticamente espontâneo, não tive nenhuma formação académica essencial ligadas às artes. Facto que me dá uma satisfação, porque a minha mente não está condicionada para a parte toda académica. Tenho a mente livre e gosto, porque posso ir onde quiser e não estou determinada para fazer somente um trabalho.

E há quanto tempo está envolvida no mundo das artes?

Tenho 25 anos de carreira. Já percorri o mundo, ganhei prémios, mas só sou feliz ao viver em Angola e vou continuar a apoiar o meu país. Acho que nessa altura de crise as pessoas vão embora, abandonam o barco, mas eu não quero fazer parte desse grupo. Quero fazer parte do grupo de pessoas que estiveram cá, a ajudar e a lutar. Faço isso através da minha arte, da mensagem e do pensamento. Sei que esse acto não tem grande impacto ao nível político, mas fica registado na história do país.

Já realizou exposições em vários países, como na Alemanha, Brasil, Inglaterra e Portugal, tendo conquistado alguns prémios, como foi essa fase?

Tenho pequenos prémios, que não são importantes do ponto de vista de divulgação. Tenho um único prémio importante. Fui considerada uma das 100 melhores artistas do mundo em 2016. Tenho um percurso fantástico, porque o meu trabalho tem sido muito valorizado lá fora e mesmo aqui. Já expus com as esculturas do Rodin, e em Londres apresentei o meu trabalho numa das melhores galerias do mundo. Há aqui uma reviravolta no meu pensamento estrutural. É que perdi o gosto pela carreira das artes. Estar nas feiras todas, em quase todo o lado, ser famoso, isso para mim não tem muito interesse. Agora estou numa fase mais profunda e prefi ro ter mais tempo para mim e ter uma vida social mais calma. Estou num período de reflexão e também mais focada naquilo que quero deixar como obra.

As suas obras estão espalhadas pelo mundo. Isso é resultado de um trabalho árduo…

Faço muitos trabalhos sem ser arte pura. Agora mesmo fiz no Unitel Estrelas ao Palco. A parte da cenografia foi toda feita por mim. Faço trabalhos de decoração artística de vários espaços como restaurantes, hotéis e lojas. Isso é um lado vivo da minha obra, porque há trabalhos que morrem nas paredes dos museus ou galerias.

Viveu algum tempo no exterior. Na verdade, o que a motivou a voltar para o seu país?

Na verdade, estamos aqui há cinco gerações. A minha família toda está aqui. Passei todas as fases de guerras no país. Teve um período que fui estudar para o ocidente, em Portugal. Depois andei a viajar para o mundo. A minha felicidade está aqui. Sou uma pessoa das pessoas e não do mundo. Interessa- me muito as pessoas, porque temos uma relação que me parece natural e bonita, que não consigo ter em nenhuma parte do mundo. Então, prefiro esse contacto com elas, com relações verdadeiras e genuínas, embora se perceba que algumas delas estão a passar mal e precisam de ajuda efectiva. Estou a pensar começar com um projecto, já que agora fala-se muito em apoiar o país.

Como será esse projecto?

É exactamente para fazer designer e pintura em cestos. O trabalho encontra-se em fase embrionária, mas vai avançar. É um projecto promissor, porque temos muita gente a produzir cestos de bordão e outros. O que acontece é que esses cestos não têm saída, por falta de designer. Eles possuem uma estética artesanal, mas não um designer, coisa que as pessoas hoje querem. É simplesmente adaptá-los a uma coisa contemporânea, porque o mundo mudou. Esse projecto é mais para apoiar e ensinar as mulheres, principalmente as mães solteiras, abandonadas pelos pais das crianças, de modo a conseguirem sobreviver. Hoje em dia, o trabalho de rua, à venda desses produtos, não sustenta uma família. É preciso criar emprego e direccionar as pessoas, para que possam saber onde ir. A intenção é exportar, com materiais nossos, com coisas naturais da nossa terra, que sejam valorizadas por outras culturas.

Numa primeira fase, quantas pessoas pretende envolver nesse projecto?

Farão parte todas as pessoas que fazem cestos. Vamos começar a encomendar grandes quantidades e depois preparar as mulheres, para ensinar a pintar os cestos. Essa será outra fase do projecto.

Já agora, como é o mundo do artista?

O mundo do artista é imaterial. Fazemos viagens internas, fantasias de coisas que imaginamos que possam existir. São críticas à sociedade, elogios e respostas de determinadas coisas. E é tudo muito imaterial. Às vezes, para fazer uma exposição fico seis meses a viajar pelo mundo, a observar, para depois perceber o que quero, me concentrar sobre aquilo que vi nos últimos seis meses, sobre o mundo.