Abram Hanibal:O bisavô do fundador da literatura russa moderna: Pushkin

POR:Ricardo Vita

Apesar dos testemunhos de doutos, da antigüidade e da modernidade, os Europeus permaneceram durante muitos séculos na ignorância quanto à igualdade entre os seres humanos. Por exemplo, até hoje, esse preconceito leva-os a ignorar, voluntária ou involuntariamente, o carácter negro da civilização egípcia. Mas basta consultar, metódica e objectivamente, os escritores antigos, gregos principalmente – porque muitos estudiosos da Grécia Antiga foram formados no Egipto e consequentemente foram preciosas testemunhas oculares – para sabermos que os Egípcios tinham « pele negra e cabelos crespos », segundo Heródoto, o historiador considerado, no Ocidente, o « pai da História », que visitou o Egipto. A sua observação foi confirmada quase 100 anos depois por Aristóteles, no livro De Coloribus (ou Das cores), que dedicou à ciência das cores. Este informou que tanto Egípcios como Etíopes eram « agan melanes », isto é, « extremamente pretos ». E, mais próximo de nós, o Conde de Volney, filósofo francês do século XIX, reforçou a observação escrevendo o seguinte, no livro Voyage en Syrie et en Egypte, pendantles années 1783, 1784 & 1785, « […] quando visitei a Esfi nge, a sua aparência permitiu-me perceber o enigma. Vendo a sua cabeça com características do negro em todas as suas feições, lembrei-me da notável passagem em que Heródoto diz: ‘Para mim, considero que os habitantes da Cólquida (Geórgia hoje) são uma colónia dos Egípcios, porque, como eles, têm pele negra e rICArdO VITA* cabelos crespos’. Isto significa que os antigos Egípcios eram verdadeiros negros das espécies de todos os povos naturais da África. […] essa raça de negros, hoje nossos escravos e objecto do nosso desprezo, é a mesma a quem devemos as nossas artes, as nossas ciências e até o uso da palavra ». A intenção desta introdução não é provar a superioridade dos Egípcios (negros) em relação aos brancos, outros seres humanos, mas sim a igualdade entre eles, que somente a educação diferencia. Foi exactamente o que o Czar Pedro I da Rússia quis demonstrar, quando comprou um menino escravo de 8 anos: provar aos seus contemporâneos racistas que a educação é o único elemento diferenciador entre os humanos. Mesmo assim, nesse menino, que se tornou homem, os brancos continuaram a ver uma excepção, tal como fazem com o Alexandre Dumas, o Aimé Césaire ou hoje com o Obama. Abram Hanibal foi raptado com 8 anos em África, na região do rio Logone, na fronteira entre Camarões e Tchade, por traficantes de escravos e foi comprado secretamente em Istambul por um diplomata russo para o Czar Pedro I da Rússia que queria, através de uma experiência, provar que a superioridade racial nunca existiu. Isso mostra, acima de tudo, que o maior desafio de todos os líderes do mundo é de estar à altura de adestrar os seus povos, porque é isso que os tornará úteis. Esse menino chegou em São Petersburgo – que se tinha tornado a capital da Rússia e o emblema do reinado desse Czar apelidado de Pedro, o Grande – em 1704. Em verdade, chamava-se « Ibrahim » porque tinha sido capturado por esclavagistas otomanos (muçulmanos) para a corte do sultão e teve que se converter ao islão. Dos três meninos que o Czar recebeu para a sua experiência, escolheu ele. « Vou fazer de ti o meu secretária privado », anunciou-lhe depois de ter tomado a sua decisão. E a partir daí, o menino começou a preparar-se para escrever os pensamentos da noite do Czar, « aqueles que me vêm quando eu acordo ou quando não durmo! », informou também o monarca. Logo depois desse primeiro encontro, Pedro I decidiu baptizar o menino sob o nome de Piotr Petrov Petrovich, sendo ele próprio o padrinho e, acolhendo-o como se fosse um dos seus filhos, começou imediatamente a sua experiência, contra a opinião de alguns conselheiros e aristocratas da sua corte. O protegido trabalhou como seu secretário noturno até 1717. Estando mais do que satisfeito com os resultados da sua experiência, Pedro I decidiu enviar o seu protegido para a França para estudar a arte da guerra. Lá, já com 21 anos de idade, ele estudará durante três anos na escola de artilharia de La Fère, na região de Altos de França onde também aprendeu várias línguas e mostrou grandes habilidades em matemática. Combateu do lado da França, contra a Espanha, nos exércitos do rei Luís XV e foi promovido a Capitão sob a regência de Filipe II, Duque d’Orleães. Foi durante essa estadia que mudou o seu nome para Hanibal, em homenagem ao general cartaginês, Aníbal. E chegou a Paris em plena efervescência do século das luzes e tonou-se, portanto, o amigo dos maiores do movimento nessa época, incluindo Voltaire que, maravilhado com o seu conhecimento e a sua inteligência, o chamava de « A Estrela Negra do Iluminismo ». De regresso à Russia e com a morte do seu protector em 1725, Abram Hanibal foi exilado para a Sibéria em 1727. Mas foi agraciado em 1730 por ser um excelente engenheiro militar e, daí, tornar-se-ia uma fi gura ainda mais influente quando Isabel Petrovna acedeu ao trono como Isabel I, Imperatriz da Rússia, em 1741. Sendo poliglota, tradutor, matemático, Abram Hanibal teve então uma ascensão meteórica sob a protecção dessa imperatriz. Foi promovido a Major-general em 1742, foi enobrecido e terminou, em 1759, General em Chefe do exército, o terceiro grau da hierarquia militar e civil russa. No entretanto, casou- se duas vezes, com mulheres da nobreza. Morreu aos 85 anos de idade, na propriedade que a imperatriz lhe tinha oferecido e deixou descendentes. A sua neta foi a mãe de Alexandre Pushkin e este escreveu o seguinte sobre o bisavô, no seu livro intitulado « », que foi traduzido para o francês sob o título de Le Nègre de Pierre le Grand, (O Negro de Pedro, o Grande): « A presença de Ibrahim, a sua aparência, educação e inteligência natural despertaram em Paris uma atenção geral. Todas as damas queriam convidar o Negro do Czar em suas casas e lutavam por ele. O regente convidou-o mais de uma vez para as suas festas felizes ».