Centro de crianças autistas pode ser “despejado”

Centro de crianças autistas pode ser “despejado”

O centro, que funciona num espaço arrendando, encontra-se em dívida com o proprietário do imóvel há mais de um ano, situação que poderá levar ao seu despejo nos próximos dias

A falta de pagamento das renda poderá levar ao despejo do centro de assistência a crianças autistas, localizado no barro Kifica, em Luanda. O centro, que funciona num espaço alugado, encontra-se em dívida com o proprietário do imóvel há mais de um ano, situação que poderá levar ao seu despejo nos próximos dias, conforme deu a conhecer ao OPAÍS o responsável da instituição, António Teixeira.

O centro, que para além de autistas atende também crianças com outros tipos de deficiência mental, controla cerca de 60 menores de famílias desfavorecidas e desenvolve, gratuitamente, uma série de terapias ocupacionais, académicas, desportivas e recreativas de forma a estimular e a desenvolver a capacidade motora e psicológica de crianças com autismo, paralisia cerebral, síndrome de Dawn e tetraplégicas.

Esta unidade hospitalar, de iniciativa privada, a primeira do género no país, poderá ver as suas actividades canceladas por falta de espaço, situação que vai levar à dispersão das crianças que todos os dias tentam, por via de processos terapêuticos, ganhar a independência e socialização.

São crianças dos 12 aos 17 anos que, naquele espaço, tentam buscar a melhoria para a sua qualidade de vida, mas que, nos próximos dias, caso não se regularize a situação da dívida, vão ter de voltar para a casa onde, em função da sua condição mental, costumam a ser tratadas da pior maneira.

Para António Teixeira, o encerramento do centro vai contribuir para regressão psicológica de muitas crianças que carecem de espaços próprios para actividade ocupacional. Tal como explicou, devido à situação que apresentam, muitas crianças com deficiência mental são desprezadas e rejeitadas nas suas famílias e na sociedade.

Por essa razão, muitos pais preferem “acantonar” os filhos em casa, onde passam a maior parte do dia acorrentados, com medo de serem estigmatizados ou maltratados, já que não têm noção de perigo. Porém, desde a abertura do centro, o este tem funcionado como um espaço de interajuda, onde as crianças aprendem a ser independentes e ocupadas. “Com o encerramento do centro poderemos ver a situação de muitos menores a regredir. Vão acabar por perder a independência que conquistaram com muito sacrifício. Por isso, pedimos à sociedade que olhe para essas crianças e estenda as mãos, sob pena de elas correrem sérios riscos”, apelou.

Uma caminhada isolada

De acordo ainda com António Teixeira, ao longo do tempo, o centro vem solicitando apoio a várias instituições públicas e privadas no sentido de ter um espaço próprio, mas, infelizmente não tem encontrado solução. Segundo frisou, várias individualidades, inclusive deputados e ministros, já visitaram o centro e deixaram a promessa de se conseguir algum lugar, nem que seja o mínimo, de forma a albergar as crianças, mas as promessas não passaram disso mesmo.

O centro conta com mais de dez funcionários e todos trabalham a custo zero, porque não há recursos para pagar salários. A cozinha que alimenta todo o pessoal, incluindo as 60 crianças, é suportada por voluntários que se solidarizam com a situação e tentam, dentro das possibilidades, ajudar com cestas básicas e outros produtos de primeira necessidade.

“Prestamos um serviço de importância social, mas não temos um fundo. Tudo o que temos vem de pequenos doadores. E, muitas vezes, já pensámos em desistir, mas pensamos na situação dessas crianças. Elas precisam da terapia que é dada aqui para conseguirem ter o mínimo de qualidade de vida.

E custa muito ter que deixá-las no sofrimento”, notou. Apesar de o espaço ser pequeno, foi adaptado às necessidades das crianças autistas e com outros tipos de deficiência. O centro dispõe de salas académicas, de orientação psicológica, carrossel, espaços gráficos, refeitório, salas de terapia e outros compartimentos.

O arrendamento do espaço tem um preço mensal de cerca de 30 mil kwanzas, que é suportado pela instituição mediante a ajuda que recebe de pessoas singulares e colectivas. Porém, nos últimos tempos, muitas destas pessoas que apoiam o centro deixaram de o fazer, situação que está a criar enorme embaraço, quer para a direcção, quer para as crianças que acabaram por perder muitas das benesses a que antes tinham direito.

“Grande parte dos pais que têm filhos no centro não trabalham. E é aqui onde os menores desfrutam de refeições e têm direito a roupa, calçados e outras coisas. Mas, nos últimos tempos, devido à falta de apoio, estamos a passar por muitas dificuldades, inclusive de alimentar as crianças. É muito doloroso”, lamentou.

O clamor dos pais

A informação do despejo, que circula a larga velocidade entre os utentes do centro, está a desolar os pais que, em uníssimo, clamam por apoio de pessoas de boa vontade no sentido de não ver morrer aquele importante projecto que, como reconheceram, está a mudar o rumo de muitas crianças. São pais provenientes de várias partes de Luanda e até mesmo do interior do país que, diariamente, se deslocam àquele local, com os filhos, de forma a melhorar a qualidade de vida destes.

Os progenitores, grande parte deles desempregados, pedem a intervenção do Estado, por via dos órgãos ministeriais ligados a assistência social, para que o centro não seja despejado. “Os nossos filhos já estão habituados aqui.

Até quando não vêm ao centro ficam tristes. Agora imagine se, de facto, se venha a encerrar, como será a nossa vida? Não é fácil ter um filho autista. Por isso precisamos do apoio do Governo para continuarmos a ver os nossos filhos a desenvolver- se”, frisou Ana Maria, mãe de uma criança autista.

Maria Ngola, também mãe de um filho autista, disse que está desempregada há mais de um ano. Porém, é no centro onde consegue ver o filho a ganhar o mínimo de qualidade de vida. Para ela, caso a instituição venha a ser despejada isso vai constituir um sofrimento muito grande para família e para a criança, que precisa de cuidados especiais para se manter vivo “No bairro, e até mesmo na família, sou discriminada por ter um filho nessa condição.

As crianças evitam brincar com ele. E é no centro onde o menino consegue interagir com outros na sua condição. Encerrar seria um desastre para mim e para ele. É muito difícil. Até dói só de pensar que a qualquer momento já não estaremos aqui”, notou. No mesmo diapasão está António Marques. Ele também pai de um filho artista.

Exorta as pessoas de boa vontade no sentido de prestarem uma atenção ao centro para que este possa continuar a desenvolver o seu trabalho em prol da comunidade. “Se já não temos nenhum centro do Estado onde podemos levar os nossos filhos, então é preciso que se ajude este. Queremos que oiçam o nosso clamar. Os nossos filhos não podem deixar de fazer terapias”.