Adventistas esclarecem rapto do pastor Daniel Cem

Adventistas esclarecem rapto do pastor Daniel Cem

O presidente da União Nordeste de Angola dos Adventistas, Justino Júnior Paulo, convocou os jornalistas cerca de dois meses depois de os sete condenados, dos quais um já falecido, terem sido absolvidos pelo Tribunal Supremo (TS), de acordo com um documento enviado a OPAÍS. Os juízes da 1ª Secção da Câmara Criminal do TS, Aurélio Simba, Joel Leonardo e João Pedro Kinkani Fuantoni, decretaram a absolvição de Garcia José Dala, Adão António Dala Hebo, Teixeira Mateus Vinte, Passmore Hachalinga e Burns Mussa Sibanda dos crimes pelos quais foram condenados pelo Tribunal Provincial de Luanda. Por outro lado, extinguiram a responsabilidade criminal de João Alfredo Dala por morte, ocorrida o ano passado.

Os seis líderes religiosos haviam sido condenados a penas entre quatro e cinco anos de prisão efectiva e a pagar 45 milhões de kwanzas ao alegado ofendido, sendo 15 milhões de kwanzas de indemnização e 30 milhões de kwanzas em restituição do resgate pago pelo empresário Henrique Carlos Kissole, vulgo Carlos Cem, irmão da suposta vítima. A sentença teve efeito suspensivo e os condenados permaneceram em liberdade provisória, em função do recurso interposto pelos seus defensores. No acórdão a que OPAÍS teve acesso, justificam a decisão, alegando não existirem provas e em homenagem ao princípio in dúbio pro reo (na dúvida o beneficio é para o réu). Chegaram a essa conclusão ao apreciarem rigorosamente os depoimentos prestados em audiência de julgamento, conectados aos demais meios probatórios.

Descrevem esse processo como tendo sido uma tarefa espinhosa, cuja complexidade se radicou essencialmente na dificuldade em captar, com sentido crítico e analítico, os factos convertidos a partir da narração trazida pela prova testemunhal produzida em julgamento. Portanto, para os juízes conselheiros, a decisão do tribunal de primeira instância peca por ter valorado apenas, como prova, essencialmente as declarações do ofendido, Daniel Cem, e dos seus parentes próximos, nomeadamente, Henriques Carlos Quissola, Domingos Terça Massaqui, Roberto Cem Pinto Leite, Domingos Diando, Isolina Cem, entre outros. Sendo estes irmãos, sobrinhos, amigo e esposa da alegada vítima. “As declarações dos mesmos não intuem credibilidade por se afigurarem logicamente desarticulados, contraditórios e, obviamente, bastante ténues para, no mínimo, assegurar um juízo de suspeita necessário à fase inicial do processo (fase de formação de corpo de delito)”, lê-se no acórdão.

Rapto terá sido forjado

Para exemplificar esse facto, diz que a participação do crime de rapto foi feita por Domingos Massaqui, sobrinho de Daniel Cem, cerca de 12 horas antes da sua suposta ocorrência, isto é, por volta das 7 horas do dia 29 de Outubro de 2015. O alegado rapto viria a ocorrer por volta das 19 horas do mesmo dia, no portão da casa da vítima, no bairro do Golfe II, o que deixou os juízes incrédulos sobre a sua autenticidade. “Como foi possível antecipar a participação do suposto rapto por cerca de 12 horas da sua ocorrência?” Questionam. Os magistrados não compreenderam como é possível que um processo que “nasceu de um vício de tamanha incoerência” foi capaz de criar convicção necessária às fases sucessivas de formação do corpo de delito pelos magistrados do Ministério Público e Judicial. “Será que esta grosseira contradição não é um indício que levaria a suspeitar de que o referido rapto é obra de invenção, na senda da denúncia feita na carta anónima (atente-se que um dos objectivos do processo é antes de mais certificar se a infracção ocorreu)?”

Para os juízes do TS, todos os magistrados que intervieram nesse processo, quer na fase de instrução, quer na fase de julgamento, pecaram ao não efectuarem diligências junto da operadora de telefonia móvel usada pelo pastor Teixeira Mateus Vinte para verificar se entre as chamadas telefónicas que ele recebeu na noite da ocorrência constava uma dos supostos raptores. Isso porque Daniel Cem diz que na noite em que supostamente foi raptado, um dos seus algozes telefonou para este seu “irmão” do ministério pastoral para lhe anunciar que o plano fracassou. “Estavam obrigados a oficiar a operadora para confirmar todas as conversas que supostamente foram estabelecidas via telefónica entre os intervenientes dos factos, mormente o réu Teixeira Mateus Vinte, o ofendido (Daniel Cem) e os declarantes Henrique Quissola, Domingos Diando e Isolina Cem”, dizem os juízes do Supremo.

TS repreende juízes do TPL

Os juízes do Tribunal Supremo descrevem a equipa da 13ª Secção dos Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, liderada por António Francisco, que julgou o caso, como tendo sido arrogante e arbitrária, ao não se preocupar em proceder à mínima investigação para confirmar as declarações do ofendido e das pessoas que lhe são próximas. Tendo, com isso, ignorado a prova carreada para o processo pelos arguidos e outros declarantes. “Por isso, mal andou ao dar como provado estes factos, que se afiguram controvertidos”, diz o acórdão. Por outro lado, dizem não perceber como é que o Tribunal de Luanda não foi capaz de perceber que não é possível os raptores terem informado ao pastor Teixeira Vinte, por telefone, sobre o rapto e, dias depois, o terem feito em um encontro no restaurante Churrasco na Brasa.

Isso porque no aludido telefonema os meliantes romperam o contrato que mantinham com os alegados mandantes do rapto ou assassinato do pastor Daniel Cem. Não se entende como é que o tribunal não foi capaz de perceber que estava a contradizer- se ao dar como provado o facto de que os supostos meliantes teriam estado reunidos com os raptores (…) para abordarem questões relacionadas com o cativeiro”. Concluíram que “por todas estas incongruências e incoerências, era espectável que o tribunal, no mínimo, criasse dúvida sobre a ocorrência do crime que, no caso em apreço, é inevitável”.