Pastor Daniel Cem forjou o seu rapto e teve a bênção da justiça

Pastor Daniel Cem forjou o seu rapto e teve a bênção da justiça

A direcção da União Nordeste de Angola da referida denominação religiosa convocou ontem à imprensa para esclarecer os desfechos do caso, na presença de algumas das vítimas, nomeadamente os pastores Burns Mussa Sibanda e Teixeira Mateus Vinte, e dos familiares do malogrado João Alfredo Dala, morto supostamente em consequência de torturas que sofreu durante a sua detenção. Além dos indivíduos acima mencionados, Daniel Cem apontou como autores do seu rapto os pastores Adão António Dala Hebo e Passmore Hachalinga, e o fiel Garcia Dala. A máxima de que não existe crime perfeito enquadra-se perfeitamente neste caso, que ficou registado no sistema de justiça angolana como processo número 108/17-C. A “bênção” dos juízes da 13ª Secção de Crimes Comuns do TPL esteve demasiado evidente, no entender do Tribunal Supremo.

  “Depreende-se que o mesmo [juiz de causa], por razões não esclarecidas, ateve-se exageradamente às declarações do ofendido [Daniel Cem] e dos demais parentes deste, ignorando todo o contraditório que se produziu”, garante os juízes do Tribunal Supremo. Registou-se também o desaparecimento de peças processuais durante o tempo em que o processo se encontrava no TPL. Trata-se da fotocópia do despacho de indiciação e aplicação de medida de coacção proferida pela magistrada do Ministério Público, aquando do primeiro interrogatório de João Dala. O mesmo foi “estranhamente sonegado dos autos” facto que, no intender dos juízes do Tribunal Supremo, pode facilmente ser comprovado pela ausência do despacho de indiciação e aplicação de medida de coacção, em função da falta de sequência dos números de folhas dos autos, concretamente no lugar em que devia estar o despacho respectivo.O Tribunal Supremo classificou de insólito o facto de Daniel Cem, nas suas declarações durante a fase de instrução processual, ter afirmado que durante o seu cativeiro chegou a negociar com o chefe dos meliantes o preço do seu resgate e o convenceu a lhe emprestar dinheiro.

O alegado líder do grupo de meliante terá exigido 40 milhões de Kwanzas de resgate, todavia, como a sua família só tinha 30 milhões de Kwanzas para pagar, ele próprio (o líder dos marginais) emprestou-lhe 10 milhões de Kwanzas, de acordo com as declarações prestadas por ele. Outro elemento que não havia sido valorado pelo tribunal de primeira instância é o facto de Daniel Cem ter alegado que, antes de ter sido solto, os marginais o transportaram debaixo do banco da viatura em que seguiam, e que foi justamente aí que recebeu das mãos do referido chefe um saco contendo o dinheiro dado por empréstimo. Contou e notou que se tratava de quatrocentos mil Kwanzas, em notas de 5 mil Kwanzas. Durante a audiência de julgamento, ele deu o dito por não dito negando ter tido contacto com dinheiro durante o tempo que permaneceu sob alçada dos marginais e que já não se lembrava de ter prestado tal depoimento. Para os juízes do Tribunal Supremo, “por todas estas incongruências e incoerências, era espectável que o tribunal, no mínimo, criasse dúvida sobre a ocorrência do crime, que no caso em apreço é inevitável”.

Família de João Dala clama por justiça

Mãe, irmãs e mulher de João Dala continuam inconsoláveis com a sua morte. Culpabilizam o pastor Daniel Cem pela alegada tortura a que terá sido submetido e, consequentemente, pela sua morte. “Ele está morto e ninguém conseguirá trazê-lo de volta. Eu confio na justiça angolana e tenho a certeza de que se fará sentir”, frisou …. Apesar de ter tal esperança de que Daniel Cem venha a ser punido pela justiça, afirmou que a resolução desse problema não se cingirá apenas a ele. Será geracional, pela gravidade do facto e por serem da “graça Kaginga” (descendentes de Rainha Ginga). “A partir do filho de João Dala, do meu filho e até do bebé que vai nascer agora vai-se aperceber de que mataram um membro da família inocente. O pastor Cem é que matou o meu irmão. Foi ele quem o apresentou inocentemente à Polícia como sendo seu raptor”, frisou. Já Luzia Dala, viúva de João Dala, contou que está com dificuldades para sustentar os seus sete filhos.

Alguns tiveram de abandonar a escola por não terem como custear, uma vez que o seu esposo é quem pagava tais contas. Os juízes do Tribunal Supremo, que subescreveram o acórdão, classificaram de gravíssima a alegada tortura a que o malogrado terá sido supostamente submetido na fase de instrução do presente processo para supostamente assacar a sua confissão. OPAÍS teve acesso às referidas imagens, que não conseguiu apurar se são autênticas, que retratam o alegado arrepiante tratamento cruel e degradante a que João Dala terá sido submetido. Sublinharam que a defesa da vítima, a propósito desta denúncia, em todas as fases do processo foi alertando no sentido de se levar a cabo diligências tendentes aos esclarecimentos deste quesito. “Inclusive juntou aos autos documentos indiciários bastantes para a formação da convicção, porém, fez-se tábua rasa ao assunto”, lê-se no acórdão.