Kapela Paulo: nem sempre o meu espírito foi bem compreendido, mas nunca julguei quem me tentou cortar e mesmo destruir”

Kapela Paulo: nem sempre o meu espírito foi bem compreendido, mas nunca julguei quem me tentou cortar e mesmo destruir”

Estará a partir de amanhã Terça-feira na Galeria de Artes do Centro Cultural Português com nem sempre o meu espírito foi bem compreendido, mas nunca julguei quem me tentou cortar e mesmo destruir” a exposição “Regresso à UNAP”. Como se sente?

Fisicamente tenho a saúde controlada, com ´check-ups´ anuais. Espiritualmente sinto-me bem porque tenho trabalhado bem e de forma consistente.

O que retrata esta obra?

Esta exposição “Regresso à UNAP” representa a Paz e o Amor (Luvuvamu + Nzola em Kikongo). Um regresso espiritual ao lugar que para mim era a “Casa dos Artistas”, mesmo com os problemas que lá encontrei e aonde por vezes fui tratado como clandestino e onde os meus livros e algumas obras foram roubados, fui muito feliz na UNAP. Hoje trago a UNAP dentro de mim e levo esta memória da UNAP para todo o lado.

Completa 59 anos de carreira artística. O que representa para si este percurso de mais de meio século?

Representa, sobretudo, uma responsabilidade enorme, porque tentei inspirar e transmitir a um número grande de artistas toda a minha escola ´Poto-Poto ´ e pensamento, num espírito de colaboração.

Que balanço faz desta longa viagem e o que mais o marcou?

Nem sempre o meu espírito foi bem compreendido, mas nunca julguei quem me tentou cortar e mesmo destruir, e quem me exilou para o Beiral. Sobretudo, nunca deixei de fazer o meu trabalho – o trabalho que ´Jah´ (Deus) me deu o dom de fazer.

Quando e onde começou a dar os primeiros passos nas artes plásticas e qual foi a sua primeira obra?

A minha primeira obra de arte foi por volta dos meus 20 anos, quando morava em Kinshasa.

Onde a apresentou a obra e como reagiu o público?

Fazia cartões postais em guache no estilo da Escola ´Poto- Poto´ que se vendiam muito bem. Tinham como temática a dança, a caça, a pesca, enfim o dia-a-dia nas aldeias.

Como foram para si os primeiros exercícios artísticos logo após a apresentação da obra que marcou a sua aparição no mercado?

Depois dos cartões postais, comecei a trabalhar em formatos maiores – telas maiores e senti que funcionavam muito bem. Aqui já com tintas a óleo.

Fale-nos um pouco sobre a sua escola e dos colegas que partilhavam a experiência?

A escola ´Poto-Poto´ é a única escola de arte contemporânea com origem no continente africano. A sede encontra-se em Brazzaville, República do Congo, onde fui aluno nos anos 60, mas existem sucursais da escola na RDC, nomeadamente em Kinshasa e Lumbumbashi, duas cidades onde também já vivi e onde tenho família. Os meus colegas e eu eramos todos muito unidos, trabalhando a mesma técnica em união.

Efectuou em 2018 uma visita  à Escola ´Poto-Poto´, em Brazzaville, República do Congo, onde viu nascer os seus primeiros traços no domínio das artes. Como se sentiu ao rever antigos colegas e contemporâneos seus?

Nesta visita, fiquei muito contente pois já se tinham passados mais de 50 anos desde a minha ultima visita. Infelizmente, nenhum dos meus contemporâneos estava vivo. Pintei uma obra no local que ofereci à Escola.

Que recordações tem deles e da referida escola?

Lembro-me sobretudo do espírito de união entre nós, colegas – espírito, esse que nem sempre existe hoje em dia.

Dão-lhe o nome de “Pai Grande” e Espiritual da Arte Contemporânea Angolana. Sente-se satisfeito?

Fico muito contente com essa homenagem. Acredito que seja porque na UNAP cheguei a conviver com muitos Artistas Angolanos com quem interagi e colaborei. Numa primeira fase: António Gonga, Lino Damião, Kabis Lemos, e Marcela Costa. Numa segunda fase: Ihosvanny, Marco Kabenda, Kiluanje Kia Henda, Rasta Congo e Fernando Alvim. Entre outros.

Como surgiu este apelido?

É um termo que o meu galerista e amigo, Dominick Tanner, cunhou.

Quais foram os momentos áureos da sua carreira?

Tenho a salientar a minha co-representação de Angola na ´1ª Bienal de Joanesburgo´, na África do Sul em 1995, e a co-participação na ´Trienal de Luanda´, organizada pelo Fernando Alvim e apoiada pela ´Fundação Sindika Dokolo´. Igualmente importante foi a minha primeira exposição individual na Galeria Tamar Golan em 2015, organizada pela Naama Margalit e pelo Dominick Tanner.

Como está em termos de exposições em Angola e no estrangeiro?

Estamos a planear uma Residência Artística onde serei um de seis artistas, seguido de uma exposição em São Paulo, no Brasil, entre Novembro de 2019 e meados de 2020.

De que forma e em que medida Mestre Kapela enaltece e assume uma posição inquestionável na Arte Contemporânea em Angola?

O público e a história é que irá responder a isso.

Influenciou e ainda continua a influenciar toda uma geração de artistas angolanos que emergiram nos últimos anos. Queira comentar por favor?

Sempre foi o meu sonho passar o meu conhecimento. Só essas pessoas poderão responder se consegui passar algo .

Qual é a percepção que tem sobre o ´ELA – Espaço Luanda Arte ´?

O Dominick (Director do ELA) encontrou-me exilado e abandonado no Beiral em Setembro de 2015. Junto com a Naama eles ajudaram-me a renascer. Hoje em dia o trabalho entre Kapela e Dominick é um trabalho de equipa, porque ele e os seus colaboradores encorajam-me a seguir em frente. Aqui tenho liberdade para criar tudo. O ELA é um espaço calmo, para bem reflectir e bem trabalhar. Passam por aqui muitos outros artistas angolanos e não-angolanos, é algo de que gosto muito, porque assim interagimos, eu aprendo coisas novas e trocamos obras.

Tem sido alvo de grandes homenagens de artistas, através do ELA, em reconhecimento. O que isso representa para o mestre?

Agradeço ao ELA, agradeço a Jah (Deus).

Há quem afirme que as homenagens devem ser feitas enquanto tivermos vida e não apenas depois de partirmos. Concorda com esta afirmação?

Eu não peço, nem espero nada. Deixo tudo para ´Jah´ (Deus). Obrigado ao Camões, à Dra Teresa Mateus por ter acolhido esta exposição e à sua equipa (Iolanda, Helena e Rosa) por todo o apoio. Quero também agradecer o empréstimo do filme ao Nguxi dos Santos, e a cedência de fotos a Malocha – ambos expostos na exposição. Paz e Amor.