Lá se faz.. Cá se paga !

Lá se faz.. Cá se paga !

POR: Edy Lobo

Para se viver em Angola é preciso mestrado em paciência e uma dezena de pós graduações em humildade. “Estudar é um dever revolucionário”, já disse Paulo Freire, pedagogo brasileiro, mas para que tal facto seja culminado e coroado de êxitos glorificados é necessário que agrupemos a nossa vontade de fazê-lo com artimanhas e características obscuras muito longe dos parâmetros normais de sobrevivência. Tudo isto numa óptica frustrante. Eram já volvidos alguns trimestres académicos. A vontade de estudar morna no percurso do mesmo principalmente quando factores extras ao compromisso pedagógico desmotivam a continuidade. Estudar a noite é complicado. Um gajo vai à escola e ora tem luz e ora não tem; muitos professores também já vivem uma vida de lamentações porque o tal salário as vezes vem com desconto. “Essa brincadeira já é pouca ainda têm o mau hábito de mexer no dinheiro alheio. Isso não vai ficar assim” – murmurava um leccionador. Um gajo como aluno a ouvir tais homilias diabólicas resultado de uma emoção chocada começa já a pensar mal da vida porque esses professores de hoje diminuem a sua vontade de trabalhar cada vez que mexem no dinheiro deles. Nisto sofrem os alunos e um sistema completo de aprendizagem. Nós, os alunos, não tempos culpa do sofrimento dos professores. Já tive professores que do nada deixaram de dar aulas porque um aluno espirrou na sala de aulas e soou sem pedir permissão. A aula parou e aplicou uma prova com a matéria que ainda estava a dar. Foi um pânico gerado na sala de aulas que o mesmo foi claro em dizer-nos que quem não estivesse em condições de fazer a avaliação que se retirasse e estava reprovado na disciplina dele. Um convite a pular do edifício sem oferta de paraquedas. Estar entre a espada e a parede. Tinham de ver o rosto de satisfação do mesmo. Até parecia que nunca tinha estudado. Considera-lo aprendiz de feiticeiro seria uma autêntica falta de consideração e respeito a quem pratica tais rituais para sobrevivência e fins confessos. Eu não estava nada disposto a fazer a tal prova. Hesitei por inúmeras vezes mas um colega aconselhou- me a não dar de frente com aquele professor: – “Eu sou repetente; esse professor é assim mesmo. Enfrentar o gajo é perpetuar a tua carreira no ensino médio mano. Fica só aqui”. Condescendi e arranquei uma folha do meu já caderno magro e comecei por escrever o meu nome. Era quase sabido que a única coisa que naquela folha haveria de constar com certeza absoluta que foi bem feito era a data e o meu nome completo; todo o resto seriam tentativas terroristas de resposta a uma guerra que estava prestes a começar. E começou a prova. A primeira e única questão que nos foi apresentada foi: “Faça um resumo filosófico sobre a matéria que acabamos de dar”. Mas que matéria? Esse professor está a ficar maluco, só pode. Como pode na disciplina de Matemática pedir um resumo filosófico? Ou eu estou a ficar maluco ou esse país já apodreceu – murmurava no vibrador e de forma incansável. Rostos desencontrados e raiva no ar dominavam o ambiente. Eu fui o primeiro a entregar a “prova”. Mal me levantei ele começou a sorrir com deboche. Tudo fiz para meu rosto não parecer amarfanhado. Tão logo fiz a entrega da folha, peguei o meu material e saí da sala de aulas; como já era o último tempo fui logo para a paragem apanhar o meu táxi mas muito frustrado. A paragem estava cheia. Era mais uma luta desenfreada que estava prestes a começar: entrar aos empurrões para chegar em casa cedo, isto é, pelo menos até antes da meia-noite. Vários táxis foram passando e, não obstante a luta, fui dando prioridade aos colegas com deficiência na locomoção e às grávidas. Aos poucos a paragem foi ficando vazia. Quando dei por mim era o único na paragem. 5 minutos depois, oiço alguém que vinha falando ao telefone. Quando olho para trás, noto que era o professor “magala”, o tal da prova repentina. Tranquei logo a minha cara. Ele parou ao meu lado e nem sequer saudou-me. Eu também mantive-me calado. Ele ainda falava ao telefone. Vinha um táxi praticamente cheio. O cobrador vinha a gritar de longe “ Cacuaco-Vila, um lugar”. Pela atrapalhação do prof., logo vi que íamos para a mesma zona. Ela carregava uma pasta que parecia conter livros e mais uma mochila onde estava o computador. Mal ouvi o cobrador começo a correr e ele também. Aquilo era correr porque estava claro que nenhum de nós estava disposto a permanecer naquela paragem sozinho pelo dia que já se despedia. Sem remorsos subo no carro. Ele olha pra mim com uma cara de “vais ver só o que te vai acontecer”. Eu olhei para ele com a cara de “Prof, lamento mas lá se faz, cá se paga.