Em1939, a Hollywood clássica produziu filmes imortais como “E tudo o vento levou” ou “O feiticeiro de Oz”. Em 1969, a indústria norte-americana em ebulição deu-nos, entre outros, “O cowboy da meia noite” ou “Easy rider”, que lançaram os anos 70 e uma nova Hollywood. Trinta anos depois, aconteceu um fenómeno: 1999 foi um ano tão fértil em filmes que ficaram para sempre impregnados no imaginário colectivo, que quase parece impossível que tenha acontecido uma concentração tão influente para o cinema popular. A lista é improvavelmente extensa – abaixo estão apenas oito. “O sexto sentido”, filme de M. Night Shyamalan que celebra amanhã 20 anos, é uma dessas muitas películas que se imiscuíram na memória comunitária. Quem nunca ouviu a frase “I see dead people” [“Eu vejo pessoas mortas”]?, esse momento-chave da performance do pequeno Haley Joel Osment, que nos sussurrou um terror original e levou o filme a seis nomeações aos Oscars – coisa raríssima num filme deste género.
M. Night Shyamalan captou o espírito do tempo. Executou uma história original e aplicou-lhe uma reviravolta final, a terminar uma década que anunciava promessas tecnológicas e novos receios, com o pânico do “bug” do Milénio (o Y2k) a comandar a paranoia. Havia no ar do tempo um prenúncio de mudança, mesmo que a vida em comum tivesse ainda pouco de virtual e a partilha na sala de cinema cumprisse um ritual escapista de função social (“Clube de combate”, também de 1999, foi isto mesmo). “Matrix”, que tinha chegado em Março do mesmo ano, tinha já aberto o livro das ansiedades sobre o apocalipse capitalista, o domínio das máquinas, a crise ambiental. As audiências estavam preparadas para outras experiências.
Terá sido por isso que “O projecto Blair Witch” também funcionou. A história dos três estudantes que foram para uma floresta gravar um documentário e que desapareceram, deixando para trás gravações a partir das quais se montou um falso documentário, celebrou o 20.º aniversário na semana passada. Tinha um orçamento de 54 mil euros e acabou por gerar 223 milhões de euros nas bilheteiras em todo o Mundo. Foi um colosso cultural inédito, que tomou de assalto as conversas e que fez nascer um novo tipo de filme de terror, de produção low cost (sem “Blairwitch” não haveria, por exemplo “Actividade paranormal”). Mostrou também, ainda antes dos blogues e das redes sociais, a uma geração de autores que a escassez de recursos já não impedia o alcance global. Uma câmara e uma ideia podiam bastar.