Fundação Wanhenga Xitu inaugura memorial do seu patrono em Calomboloca

Fundação Wanhenga Xitu inaugura memorial do seu patrono em Calomboloca

“Porque eu já estou sendo oferecido por aspersão de sacrifício, e o tempo da minha partida está próximo, combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé…a coroa da justiça me está guardada…”, lê-se este versículo bíblico numa lápide à entrada do memorial dedicado ao nacionalista angolano André Mendes de Carvalho(Wanhenga Xitu)

Por:Ireneu Mujoco

Construído numa superfície de 160 metros quadrados, pela fundação de que é patrono, na comuna de Calomboloca, a 80 quilómetros de Luanda, no município de Icolo e Bengo, esta humilde mais importante obra é inaugurada neste Sábado, dois dias depois do seu 95º aniversário natalício, assinalado a 29 de Agosto.

A construção desse monumento, na sua terra natal, onde repousam os seus restos mortais desde Fevereiro de 2014, é a concretização de um desejo manifestado em vida, segundo contou à nossa reportagem o seu filho Adriano Mendes de Carvalho, actual governador do Cuanza-Norte. “A construção deste monumento pela fundação que leva o seu nome, é o reconhecimento da dimensão política, histórica, humana, social e cultural de Agostinho André Mendes de Carvalho”, disse inicialmente.

Em conversa com O PAÍS, Adriano Mendes de Carvalho disse que o sentimento da família é grande, na medida em que a obra foi construída em homenagem daquele que disse ter morrido com o sentimento do dever cumprido. Segundo Adriano Mendes de Carvalho, o seu progenitor recomendou sempre aos seus familiares que, quando partisse para a eternidade, mesmo que ocorresse no estrangeiro, que fosse enterrado no local onde hoje estão sepultados condignamente os seus restos mortais. A fonte, que disse como sendo um dos que mais privou com o seu pai, aponta a construção deste memorial como uma homenagem merecida a um nacionalista que deu toda a sua vida para Angola e por Angola.

Explicou que o memorial, situado no cemitério de Kamussuami, está aberto a todos que pretendam sepultar os familiares, por se tratar um campo santo público. Adriano Mendes de Carvalho entende que, apesar de ser feito pela Fundação Wanhenga Xitu, o memorial homenageia também outros nacionalistas já falecidos, sobretudo do “Processo dos 50”, alguns dos quais sofreram as agruras da PIDE-DGS com ele. Apontou António Pedro Benje, Fernando Pascoal da Costa, Lourenço Vaz Contreiras, Belarmino Van-Dúnem, José Diogo Ventura, Jonatão Chingunji, entre outros, cujos nomes figuram também numa lápide no interior deste memorial. Falando em nome da família, Adriano Mendes de Carvalho disse que, além da iniciativa da fundação, o país a quem o seu o pai serviu de corpo e alma desde a juventude até à sua morte, devia também dignificá- lo mesmo a título póstumo.

“Não vemos uma única avenida, escola, hospital ou outro estabelecimento escolar com o nome do nosso querido pai, Agostinho André Mendes de Carvalho, em nenhuma parte de Angola”, desabafou, opinando ser necessário reconhecer o sacrifício consentido não só por Mendes de Carvalho, mas por outros nacionalistas. Acrescentou ter chegado o tempo de se reconhecer mais a bravura e o heroísmo demonstrado por estas figuras pioneiras da luta de libertação nacional contra o colonialismo português, para que as novas gerações conheçam mais sobre eles.

Recordações

Durante a conversa, Adriano Mendes de Carvalho disse que recorda com nostalgia as várias etapas da vida que viveu e conviveu com o seu pai, que viria a conhecer só aos 11 anos, sendo que quando foi deportado para o Tarrafal, em Cabo Verde, tinha apenas entre cinco ou seis meses.“Éramos obrigados a levar todos os dias o rádio de pilha da nossa casa aí no bloco 25, no Bairro Indígena para a rua da Dona Malha, no Rangel, escondido no saco de pão, onde o pai trabalhava como enfermeiro num posto médico”, lembrou. Contou que era obrigação diária dos filhos fazerem esse vem-vai mas sem saber exactamente o que se passava.

“ Perguntávamos, nós os seus filhos, por que é que o pai quando vai trabalhar não leva ele próprio o seu rádio, em vez de levarmos e trazermos de volta à casa depois de ouvir o noticiário”, recordou. Reforçou que só depois de algum tempo e já adolescentes descobriram que no posto médico era o local mais adequado para escutar o célebre Angola Combatente, bem como despistar um agente da PIDE-DGS conhecido por Albuquerque, que controlava o movimento de vários nacionalistas no Bairro Indígena.

Homenagens

A inauguração deste memorial será antecedida de várias comunicações com renomadas personalidades políticas e académicas nacionais e estrangeiras. O antigo primeiro-ministro da República de Angola e ex-secretário- geral do MPLA, e deputado à Assembleia Nacional, Lopo do Nascimento, e o ex-embaixador de Angola junto da ONU, Ismael Martins, são os primeiros a apresentarem as suas comunicações. Seguidamente, Isaías Samakuva, líder da UNITA, vai falar também sobre a vida e obra de Agostinho Mendes de Carvalho, na vertente política, enquanto que a historiadora Rosa Cruz e Silva fálo- á na vertente cultural. Três académicos, sendo dois brasileiros e uma portuguesa, estudiosos do escritor Wanhenga Xitu, vão também debruçar-se sobre esta figura incontornável da política e da cultura angolana