Na cidade vazia

Na cidade vazia

Sim, o título deste texto foi retirado da longa-metragem assinada por Maria João Ganga, realizadora que há muito não nos apresenta um fi lme novo. É hora de cobrar, mas isto signifi ca também que no país não se aposta no cinema, uma tristeza normal para o manto anti-cultura que varre Angola de lés a lés. No Domingo à noite, senti-me na cidade vazia, andei por Luanda um pouco. Normalmente, faço estes passeios em cidades mais calmas, mais seguras. Sempre com boa música. A noite tem a vantagem do silêncio, da solidão. E de repente a cidade é um estúdio, oferece-nos todos os sons da música, isola-nos auditivamente do mundo. Sim, neste aspecto, o dia mata o prazer de ouvir, de sentir, de ser o universo em que nos perdemos. Havia polícias nas ruas, uma espécie de apelo para fi car. Depois da meia-noite não há táxis, trabalhadores das horas perdidas caminham a pé, em grupos de três ou mais, cansados, nota-se. Os carros andavam em alta velocidade, para chegar depressa? com medo? Euforia? Não sei, apenas os vi passar acelerados. E vi jovens com bebidas nas mãos, um, com o cinto da calça apertado abaixo das nádegas, cambaleando, falava, entretido, com um poste de iluminação. Estranhamente, ou talvez não, a cidade parecia limpa, como todos os ursos são pardos à noite. Com a música certa, Luanda pode ter magia sob as estrelas. Deixei o carro levar-me para casa, ouvindo the Pasadenas, em Cry My Tears (Posthumously Yours).