“Qualquer dia vamos todos parar à cadeia”

“Qualquer dia vamos todos parar à cadeia”

O causídico considera que o problema é de todos os angolanos, cada um ao seu nível. “Todos nós temos uma quota-parte de responsabilidade e particularmente os intelectuais”. Em seu entender, a maior responsabilidade recai sobre os intelectuais e académicos por não terem tido a coragem de publicamente, quando chamados, fazerem abordagem essencialmente académica das questões. Procuram sempre enfeitar politicamente o seu discurso por estarem mais preocupados com benesses. Sérgio Raimundo disse ser evidente a existência de combate à corrupção, o qual aplaude, porém, advoga ser necessário saber distinguir o necessário do essencial. “Combater a corrupção é necessário, mas será o essencial para mudar a vida dos angolanos de imediato? Não me parece, porque o combate à corrupção é um processo longo. Não é um acto em que se prendem 20 ou 30 pessoas”, frisou.

Explicou que esse fenómeno não acaba. Está intrínseco a natureza do ser humano, enquanto ser social. Citou como exemplo os países mais desenvolvidos, onde tal ainda ocorre, entre os quais Portugal, EUA e a India. Este inclusive com pena de morte. Disse que a corrupção, como qualquer outro fenómeno criminal, é contínua. Razão por que as pessoas não podem pensar que o foco nessa fase de transição deve ser apenas o combate à corrupção. “É necessário combater a corrupção para melhorar o ambiente de negócios e de vida das pessoas, mas não se combate só com prisões e tribunais. É uma missão de toda a sociedade e particularmente do Estado, enquanto fiel depositário de todos nós”, disse. O advogado é de opinião que o Estado, para combater a corrupção, tem de começar por criar condições dignas de trabalho dos seus funcionários, por ser entre eles onde reina esse “mal”, tem de pagar um salário que permita às família viverem os 30 dias sem sobressaltos, bem como criar condições sociais para que elas tenham uma vida digna de lazer fora das horas normais de trabalho.

Deste modo, a juventude estará ocupada com actividades essenciais para o desenvolvimento e afirmação da sua personalidade. Caso o país continue a ter uma administração pública nas condições em que ela se apresenta, terá que construir muitas cadeias para meter muita gente lá dentro. “Qualquer dia vamos ter de viver todos nas cadeias. Essa é que é a pura realidade. É preciso mudar a estrutura organizativa e funcional do próprio Estado”. Para si, “não basta prender só as pessoas. Isso é tapar o sol com a peneira. É o mesmo que dizer vamos combater o analfabetismo com muitas crianças fora do sistema”. Reconhecendo, entretanto, que esse seu ponto de vista pode levar algumas pessoas a interpretar que se deve ao facto de pretender ver os seus constituintes soltos, negou, disse não ser verdade. “Para nós, os advogados, seria bom que houvesse sempre processos para termos trabalho e ganharmos dinheiro, mas vou-lhe dizer uma coisa: eu não sou diferente dos outros. Também gosto de ganhar dinheiro, mas com dignidade”, frisou. Acrescentou de seguida:“Eu não espero construir a minha felicidade à base na infelicidade dos outros”.

A politização do sistema de justiça

Ele apresentou a politização do sistema de justiça como um dos grandes erros que precisam de ser corrigidos.

O sistema de justiça está desenhado de tal forma que não tem independência, o que põe em causa a boa administração da justiça. Considerou como não sendo totalmente verdadeiras as afirmações de alguns analistas da nossa praça segundo as quais num passado recente a justiça não funcionava. Não julgava e não condenava pessoas com posses e influentes na nossa sociedade.

Como prova, citou os casos do comissário Quim Ribeiro, antigo comandante provincial de Luanda da PN, e do antigo governador do Cuando Cubango, Jorge Fernando Biwango, que na altura em que foram julgados, em anos distintos, eram bastante influentes. Ressaltou que os mesmos juízes e procuradores que existiam na altura são os mesmos que se encontram em funções.

A conclusão “avulsa” a que o causídico chegou é que esses magistrados judiciais e do Ministério Público não se empenhavam com afinco por falta orientação política de quem mandava no país. Neste contexto, agora, fazem no com afinco porque alguém, com poder político, lhes disse para o fazer. “Para dizer que há sempre aqui uma influência política no andamento da nossa justiça, numa direcção ou noutra. (…) A própria Constituição de 2010 criou um sistema que torna a justiça não independente do poder político”. Em seu entender, a forma de nomeação e eleição dos responsáveis máximos dos tribunais superiores e da Procuradoria Geral da República (PGR) tornam esses órgãos reféns do poder político.

O que o leva a defender que a Constituição deve ser revista ainda que parcialmente. Porém, reconheceu que a mesma é extraordinária no capítulo dos direitos fundamentais, todavia, peca no capítulo da organização e funcionamento das instituições e não garante a realização efectiva desses direitos, liberdades e garantias fundamentais. “Não estou a dizer que o Presidente da República não pode nomear os juízes presidentes dos tribunais superiores, entre pares eles é que devem escolher. O mais votado é o presidente e o segundo mais votado é o vice- presidente”, frisou. Acrescentou que neste caso competirá ao Presidente da República somente a incumbência formalmente de nomear e empossar.

“Nós não defendemos criminosos”

“Eu sou daqueles que pensam que é preciso acabar com a corrupção em Angola”, afirmou o Sérgio Raimindo, contrariando a tese de que quando um advogado aparece a defender A e B é por estar ao lado da “bandidagem”. Enfatizou que os profissionais desse ramo, por força da própria Constituição, não defendem criminosos.

Um pormenor, que considera ser fundamental, é a Ordem dos Advogados de Angola (OAA) vir a público esclarecer em defesa da classe. “Nós não defendemos criminosos. Defendemos o cidadão que ao abrigo do artigo 23º da Constituição deve ter tratamento igual perante a Constituição e a Lei, independentemente da sua origem ética, rácica, religiosa, filosófica, política…” Recorreu ainda ao princípio estabelecido no número 2 do artigo 67º da Constituição, segundo o qual, todo e qualquer cidadão indiciado na prática de um crime, até que haja uma decisão definitiva e transitada em julgado, considera- se inocente. Referiu-se ser a mesma carta magna que diz que ninguém pode ser julgado sem uma defesa que, profissionalmente, é exercida por advogado e defensor público.

“É nossa missão defender qualquer cidadão que nos procure para prestar esse serviço”. Por outro lado, disse que ao abrigo dos estatutos da OAA não pode negar a defesa a um cidadão sem justificar e a sua justificação não pode ser política, tribal, ou racial. Tem de haver um motivo forte para esclarecer as causas da não-aceitação de defender uma determinada pessoa. “Logo, é preciso ter cuidado quando algumas pessoas tentam confundir que quem defender o homicida também é homicida”, declarou.