Próxima medida a doer: fim do subsídio ao combustível em 2020

Próxima medida a doer: fim do subsídio ao combustível em 2020

Na semana finda o secretário de Estado dos Petróleos, José Barroso, afirmou, que ainda está em estudo a possibilidade do Governo reajustar o preço dos combustíveis, com a retirada gradual dos subsídios, mas a decisão final não estava tomada. Apenas de uma coisa parece haver certeza.

Já não será este mês que o Executivo toma uma das mais “difíceis decisões” depois da entrada em vigor do IVA e da liberalização da taxa de câmbio que tem estado a desvalorizar a moeda nacional a um ritmo galopante. O secretário de Estado disse que “em princípio, já não será em Novembro.

O Executivo continua a estudar, poderá ser no final do ano ou no princípio de 2020”, disse o governante que salvaguardou ainda que nas discussões em curso está prevista a subsidiação de vários sectores, como agricultura e pescas. A última actualização do preço dos combustíveis foi feita a 01 de Janeiro de 2016, com o preço a sair de AKz 115 para 160 kwanzas o litro de gasolina, enquanto o gasóleo saía de AKz 90, para 135 Kwanzas.

Apesar de ser o segundo maior produtor de petróleo da África subsahariana, Angola importa 80% dos combustíveis que consome, devido à reduzida capacidade de refi nação interna.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) recomendou, em 2018, o ajustamento do valor de venda de combustíveis, de modo a refl ectir nas mudanças os preços internacionais e na taxa de câmbio, introduzindo um mecanismo automático de ajuste de preços.

O especialista financeiro e docente universitário, Dibar Pedro, não tem dúvidas de que “por mais que o Governo hesite quanto à subida dos preços de combustíveis, ela é inevitável na fase em que se encontra a nossa economia”. Segundo o mesmo, anualmente o Estado angolano gasta mais de USD 3,5 mil milhões na subvenção aos combustíveis.

O preço médio da gasolina pelo mundo é de 1,1 USD por litro, ao passo que em Angola é de apenas USD 0,31 (considerando o câmbio do BNA de 02/11/19). Analisando o consumo deste bem por diferentes categorias podemos facilmente concluir que o sector industrial (actividades das empresas) e os meios de transporte em geral (veículos motorizados, aviões e navios) são os maiores consumidores.

“O consumo dos combustíveis é maioritariamente feito por indivíduos da elite político-económica e da classe média alta por serem estes os detentores dos meios de produção e proprietários dos veículos de alta cilindrada que diariamente consomem dezenas de litros de combustível”, explica.

Para o especialista “não faz sentido o Estado ter que pagar pelo combustível do homem que anda em carro de luxo. Obviamente não é necessário recorrer a nenhuma ciência para se chegar à conclusão de que não é preciso perguntar ao homem que compra Mercedes, Lexus, Range Rover ou BMW, se tem dinheiro para comprar combustível”. Para o nosso entrevistado, a subvenção aos combustíveis é, ainda que de forma camuflada, uma transferência dos benefícios dos mais pobres para os mais ricos.

Favorece os mais ricos em detrimento dos mais pobres. É uma medida com um custo social tremendo porque priva os mais carenciados de necessidades básicas de transporte, saúde e educação ao passo que permite aos mais ricos reduzirem as suas despesas de consumo e de produção quando, na verdade, os preços dos produtos cujo custo de produção em combustível foi subvencionado nunca diminuem na mesma proporção da subvenção.

O também docente universitário da cadeira de Economia e Desenvolvimento Económico defende a existência de um serviço de transporte público funcional para que os mais pobres não despendam grandemente dos seus parcos salários nos serviços de transporte privado, sendo que um cidadão que aufere 40 mil kzs (salário acima do mínimo nacional) chega a despender cerca de 30% do mesmo só em transporte se tiver que pegar em média 2 táxis para chegar ao local de trabalho.

O especialista refere que mais de USD 3,5 mil milhões anuais, (valor quase na mesma ordem do empréstimo contraído por Angola junto do FMI), deveriam ser destinados às actividades de contínua modernização dos meios e das vias de transporte ferroviários e rodoviários e de outros serviços que tragam melhorias consideráveis para a condição de vida das famílias mais desfavorecidas. Para ele, é “imperioso e urgente que se faça a retirada deste subsídio e que a subsidiação do mesmo se faça apenas nalguns sectores estratégicos como agricultura, transportes públicos e outros que se justifi quem na estratégia da diversifi cação da produção nacional e da promoção das exportações”.

“Os subsídios tornam-nos mendigos e reféns do sub-desenvolvimento” Segundo Dibar Pedro, o facto de Angola importar 80% dos combustíveis que consome por não ter uma indústria de refinação que responda à demanda, é, por si mesmo, uma disfunção e motivo impeditivo para o desenvolvimento.

“A solução encontrada foi manter os preços artifi cialmente baixos, o Governo atribui subsídios (ou seja paga parte do valor e a população outra), e como resultado temos os preços dos combustíveis mais baixos ao nível mundial”. Apesar desta aparência exterior, o país gasta mais em manter os preços de produtos como a gasolina artificialmente baixos do que com a Saúde e Educação e torna-se uma espécie de “mendigo e refém do sub-desenvolvimento”.

O especialista compara a factura do preço artifi cial dos combustíveis no país aos gastos com a Saúde e Educação que segundo os seus calculos é de menos de 2,5% do PIB, enquanto a dos combustíveis rondou os 3,7% em 2014. “Estamos em economia de mercado. Aqui a exigência do cidadão é pela qualidade, o cidadão deve pagar pelos serviços prestados pelo Estado com impostos e não ser subvencionado quase em tudo como era prática no país”,afi rma.

Outro especialista contactado pelo OPAÍS é Mondlame da Cruz, que considera a ideia da subvenção como um artifício para esconder a infl ação e manter o poder de compra numa economia que não tem suporte do mercado. O economista acha que as alternativas encontradas de “fi xar os preços dos bens e serviços, subsidiando o real valor económico dos mesmos e uso da taxa de câmbio como instrumento para de forma artificial tornar as mercadorias importadas mais baratas”, nunca foi uma “boa medida”, pois ela visa apenas “mostrar ao povo que a economia não sofre inflação e é estável”.

Por esta via, apesar de o país ter optado pela economia de mercado há já algum tempo, “cria-se uma mentalidade de dependência do Estado que até hoje preenche a consciência social das pessoas e limita a capacidade empreendedora dos cidadãos”. Mondlame mostra os “paradoxos da decisão do governo” e refere que ainda assim, mesmo com a subvenção “os produtos angolanos não são exportáveis porque são caríssimos e como resultado temos um país relaxado e uma economia dependente de fábricas que funcionam à base de geradores e cisternas de água”.

O especialista adverte que isso não é nada bom para a economia, pois reduz as receitas em divisas e também as receitas fiscais, fundamentais para financiar o investimento público e para dar crédito às famílias e às empresas. “Se os preços do petróleo subirem sistematicamente no mercado internacional, os subsídios também vão aumentar cada vez mais”, pelo que urge terminar este processo e assim pôr fim, igualmente, a um desperdício de “USD 3,5 biliões que a maior parte da população não tem noção clara, que devia ser aplicado para resolver questões sociais”.

Segundo contas do FMI, mais de 50% dos subsídios vai para 20% da população da classe média e ricos, enquanto 80% da população que vive na periferia ou no interior do país é penalizada. “O pobre precisa de 1 litro de petróleo para acender a lamparina, não tem acesso a energia e água”, pelo que os subsídios representam muito pouco nas suas contas. Daí a recomendação do Fundo Monetário Internacional para a utilização do dinheiro a favor dos mais carenciados.

As famílias mais carenciadas, que vivem com 1USD/dia deviam ser apoiadas com programas como fomento à agricultura familiar, bolsa família, maior aposta nos transportes públicos e limites ao preço dos bilhetes, dentre outras medidas de caracter previdencial.
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