Filipe Mukenga e Selda Duas vozes no mesmo palco

Filipe Mukenga e Selda Duas vozes no mesmo palco

Por:Jorge Fernandes

Estar com Filipe é sempre um grande aprendizado. E ele, como sempre, torna o aprendizado tão gostoso, tão saboroso sem que se aperceba disso”. O veterano Mukenga também fez elogios à Selda, para quem ela é “uma bela voz da nova vaga”. Em entrevista os artistas falam sobre o desafio que têm pela frente.

Depois de integrar o projecto Serenatas à Kianda, é a sua vez no Duetos N’Avenida. Como está a encarar esse formato de dupla e um show de raiz em que um canta também os sucessos do outro?

Esta pergunta leva-me, antes de tudo, a dizer que o Serenatas à Kianda e Duetos N’Avenida são dois projectos músico-culturais que impregnaram o nosso panorama musical de um novo perfume de sons, ganhando um lugar de destaque no cenário local. E o formato de Duetos N’Avenida só veio reforçar o conceito de que a música, cada vez mais, resulta de um processo colectivo.

O Filipe foi um dos homenageados na segunda temporada do Duetos e agora volta como cartaz da terceira temporada junto com a Selda. Como assimila esses dois momentos?

Ter sido lembrado uma vez  mais pela Zona Jovem, agora para ser o grande cartaz dos Duetos N’Avenida, faz-me sentir muito feliz e mostra-me que a sociedade sente que tenho ainda muito a dar para um maior engrandecimento da nossa música e cultura. Partilhar o palco com a Selda, uma bela voz da nova vaga, constitui uma excelente iniciativa da produtora que, para mim, deve ser seguida por outras agências de espectáculos. Iniciativas como esta contribuem para a efectiva passagem do testemunho muito necessária para o ganho de experiência da nova geração de talentos.

Conhece o reportório de Selda Portelinha? Que músicas da sua autoria gostaria de interpretar?

Conheço muito bem o seu primeiro disco, “Morena de Cá”, que considero uma bela obra discográfica. Vamos os dois interpretar as suas canções, por exemplo, a “Renúncia”, que eu aprecio muito.

Quais são as expectativas para esse show de 23 de Novembro? As expectativas são muito grandes. O público tem acorrido em massa aos show que acontecem na Casa 70 e eu penso que não vai ser diferente. O cartaz é muito aliciante: duas vozes com uma diferença de timbres bem demarcados e canções lindas. O que mais pode o público desejar?

Voltando a falar do Serenatas à Kianda, o que ficou daquela experiência quando dividiu o palco com o brasileiro Jorge Vercillo?

Foi uma linda e memorável noite na Casa 70, na qual aconteceu o meu reencontro com o Jorge Vercillo. Pela primeira vez, pudemos os dois partilhar o palco e juntos cantar, reforçando a amizade secular existente entre duas nações irmãs que são Angola e Brasil. De quando em vez conversámos, usobretudo sobre questões que se relacionam com o desaparecimento do disco físico e os lançamentos na internet das obras musicais, entre outros assuntos.

Como descreveria o seu estilo musical? Poderíamos dizer que acrescentou um toque pessoal à chamada Música Popular Angolana?

Eu criei um rótulo e a sigla NMA – Nova Música Angolana, que se caracteriza por uma grande riqueza no que respeita aos conteúdos, como também ao nível do discurso melódico e harmónico. A utilização dos acordes designados de invertidos e de som dissonante veio trazer uma nova sonoridade e um teor internacional muito grande, constituindo um elemento novo no panorama da música em Angola.

Nesta altura da sua carreira ainconseda está aberto a influências? Sabemos que é fã declarado dos Beatles mas diga-nos: no nosso mercado musical, quem seria por sua vez o seu ídolo?

Geralmente e no início somos influenciados por este ou aquele músico, esta ou aquela banda. Mas, com o decorrer da carreira, vamos encontrando o caminho definitivo a percorrer. Foi o que sucedeu comigo e tenho sido coerente, mantendo-me na estrada que escolhi, não me deixandosubalternizar por estilos e géneros musicais que “estão a bater”, enchendo as pistas de dança. Assim sendo, continuarei a aplaudir todos aqueles músicos que entendam que a música é, sobretudo, um veículo importantíssimo para a transmissão de conhecimentos e de cultura, e não somente para o entretenimento, para a diversão. Músicos dentro desta ideia, com a preocupação de enriquecerem, culturalmente, as pessoas, serão sempre os meus ídolos.

Filipe é um compositor que se diria completo, que consegue escrever de forma sublime e muito poética sobre os principais temas que interessam à humanidade! Como cultivou esse talento?

Nasci como músico no decurso da década dos anos 60, década musical de ouro e, cantando canções dos Beatles e de outras bandas e músicos dos mais diversos quadrantes musicais. Formatei o meu ouvido à boa musica, aos sons dissonantes e harmonias complicadas que o jazz nos dá a escutar, e a música que faço resulta de tudo quanto ouvi e continuo a ouvir nos dias de hoje. Considerome, sobretudo, um bom empreiteiro musical, construtor de obras de excelência para a perenidade.

Já fez uma música para atender a solicitações de uma produtora ou mesmo do público? Já teve algum período em que não conseguia compor?

Não propriamente para uma produtora, mas para um momento delicado que estávamos a viver em 1992. Nós precisávamos de paz, de reconciliação, de pacificação dos espíritos e nasceu “Angola no coração”. Com a realização do CAN, 2010, no nosso país e numa parceria com Filipe Zau, compus, a partir da letra escrita por ele, a melodia do hino daquele importante certame desportivo africano. Nunca vivi nenhum momento em que tivesse dificuldade muita de compor. O que acontece, de quando em vez, é divorciar-me do violão para não compor. Pois é muito raro, tendo o violão nas mãos, não nascer uma nova melodia a carecer, posteriormente, de letra.

A música dá-lhe uma satisfação completa? E como você vê o álbum “Meu lado Gumbe” depois de seis anos?

A música é a minha luz e vida sem a qual não consigo viver. O álbum “O meu lado Gumbe” continua a ser uma obra discográfica de excelência, reunindo diversas temáticas como amor, felicidade, solidariedade social e a homenagem aos nossos ancestrais. E, com esse disco, pude festejar os meus 50 anos de carreira artística.

O que ainda está por vir na carreira de Filipe Mukenga?

Estou a trabalhar num novo disco e no qual tomei a decisão de sair da minha zona de conforto isto é, pretendo cantar canções que não sejam compostas por mim mas que, do ponto de vista dos conteúdos, não fujam à minha linha de orientação.

Qual é a coisa mais importante para você como individuo?

A seriedade, a pontualidade e o profissionalismo.

Presta atenção à música da nova vaga? Tem feito colaborações com a nova geração de músicos em Angola? Se sim, como tem sido a interacção em palco?

Como é evidente, vou acompanhando o que acontece no nosso panorama musical. Colaborações têm acontecido, mas em número muito insignificante. Quando acontecem, elas são de muito bom nível. Os promotores de shows, penso eu, devem procurar juntar mais vezes a geração recente de talentos com a mais antiga, de modo a que se faça uma boa passagem de testemunho.

Marlene Lopes