O Estado quer o quê?

O Estado quer o quê?

Nesta Quarta-feira apanhei-me a ouvir uma estação de rádio, à noite, que passava uma voz abrasileirada na pronúncia. Era um pastor. Até aqui nada de mal, a fé deve ser espalhada e as almas salvas.

E começaram os testemunhos, foi aí que me passei. O que anda, afinal, a fazer o nosso Estado, que permite verdadeiros crimes em nome de Deus? Nem me estou a referir ao pastor apanhado com cocaína no aeroporto de Luanda, estou a falar de outro tipo de crime. Explico-me. Percebi que uma mulher ligou a dizer que já tinha conseguido emprego e marido por força das orações e de uma água e chá que o pastor lhe tinha mandado tomar. Com os níveis de desemprego no nosso país, este chá milagroso deveria estar à venda em todas as esquinas, oferecido até, em nome de Jesus.

De seguida falou uma outra mulher, para dar o testemunho da sua cura. Ela tinha andado doente e as análises disseram que tinha VIH. Os medicamentos não a curavam, até que o pastor a mandou abandonar a medicação, orar e passar a beber o dito chá e a dita água. Está “curada”.

Agora, imaginem o efeito de um testemunho deste tipo na cabeça de uma pessoa doente, desesperada, e ainda por cima com uma doença ainda sem cura. Imaginemos milhares de pessoas a abandonar o tratamento porque a água do pastor cura, que estas pessoas deixem de se proteger e de proteger terceiros.

Uma coisa é passar a palavra da Bíblia nas rádios e televisões, outra são soluções para arranjar maridos, empregos e curas bebendo uma água qualquer.

Ou, ainda, a ideia de que as dificuldades de cada um derivam de um mau-olhado qualquer, de uma perseguição, de uma amarração ou feitiço por um colega, um vizinho, o tio ou a avó. Tudo isto passa livremente nas rádios e televisões, o Estado permite.

E perde toda a autoridade de falar sobre valores morais, ética, lealdade, etc.. Quem permite todo este rol de vigarices perde a legitimidade de apelar à mudança de comportamentos e de mentalidade.