Darknet, bitcoins, haxixe e canábis. Pedro e Rita fizeram tráfico real com moedas virtuais

Darknet, bitcoins, haxixe e canábis. Pedro e Rita fizeram tráfico real com moedas virtuais

Apartir de casa em Vila Real de Trásos- Montes, o casal Pedro e Rita montou um esquema perfeito (ou quase) para comprar e vender drogas para todo o mundo. Pedro dominava a informática e todos os esquemas e atalhos da darkweb – rede de servidores na Internet encriptados utilizados principalmente por organizações criminosas – e Rita, uma web designer, era a criadora das atractivas páginas que promoviam os procurados produtos. Durante pelo menos seis meses, de acordo com o que conseguiram demonstrar as autoridades que os investigaram, atraíram clientes de todos os cantos do mundo:

França, Alemanha, Reino Unido, Suécia, Estados Unidos da América, Austrália, Canadá e Emirados Árabes Unidos estão entre as dezenas de países para onde vendiam haxixe, canábis e drogas sintéticas. A sofisticação do esquema e os lucros alcançados em tão pouco tempo surpreenderam até os inspectores da Polícia Judiciária (PJ) portuguesa e os procuradores do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), responsáveis pelo inquérito.

Quando foram detidos, por tráfico internacional de droga, tinham em casa mais de 30 mil euros e nas contas da darkweb tinham amealhado uma “pequena” fortuna em bitcoins, a moeda virtual da era digital – 64,28984671 bitcoins, que à taxa de câmbio no momento em que está a ser escrito este artigo alcança quase meio milhão de euros. Ouviram a sentença na semana passada. Pedro, que assumiu toda a responsabilidade do esquema e livrou Rita de uma pena, foi condenado por tráfico agravado e branqueamento, a seis anos e quatro meses de prisão.

O tribunal declarou que todo o dinheiro apreendido, incluindo o depositado em bitcoins em várias “contas” na darkweb, revertia a favor do Estado. Além do elevado valor em causa – o maior até agora conhecido em Portugal -, representa também um poderoso golpe e um sério aviso às estruturas criminosas que utilizam a darkweb para os seus negócios. “Para a investigação foi uma novidade a forma como trocavam as bitcoins em dinheiro corrente. Causou um grande impacto a pequena fortuna alcançada e todo o esquema de venda de drogas pela darkweb, com pagamentos em bitcoins, e a remessa pelos correios para quase todos os continentes”, recorda um dos investigadores que acompanhou o complexo plano.

Nickname Dailyfix e cautelas encriptadas Segundo o que foi apurado na investigação do DCIAP, “seguramente a partir de meados do primeiro trimestre de 2017”, Rita e Pedro” passaram a dedicar-se, quase em exclusivo, à importação e venda de produtos estupefacientes, através do recurso à Internet, nomeadamente do principal site/mercado de venda de produtos estupefacientes alojado na darknet denominado ALPHABAY Market”.

O computador Acer de Pedro “continha diversos programas informáticos para encriptação de dados, gestão de chaves públicas e privadas para encriptação de mensagens, software de criação de palavras de acesso – palavras Keepass – e também software de acesso a aplicações e serviços na darkweb, para aquisição e venda de moedas virtuais, controlo de expedição e recepção de encomendas postais. Para não ser facilmente detectado, o engenheiro informático “rodeou-se de cautelas” e, quando acedia à darkweb, não o fazia através do seu computador, mas através de máquinas virtuais que criou que funcionavam como verdadeiros computadores virtuais – a partir de um programa/software comercial designado por Virtual Box – completamente autónomo da máquina física.

Quando navegava nesta darkweb, Pedro tinha como nickname (pseudónimo) Dailyfix, reconhecido apenas no site Alphabay Market, o maior mercado negro de venda de estupefacientes na Internet. Nesta “loja”, o casal anunciava “uma vasta listagem do tipo de drogas de que dispunham para venda e respectivos preços”: haxixe, canábis e várias drogas sintéticas, apresentadas em cristais. Anunciavam também a venda de selos impregnados com substâncias psicotrópicas – os blotters. Se é verdade que estes produtos seriam também comprados através da darknet, as autoridades não conseguiram chegar aos seus fornecedores, embora suspeitassem de que fossem espanhóis.

Droga enviada em envelopes pelos CTT A reputação de DailyFix estava ao melhor nível, segundo constou às autoridades quando infiltraram os seus ciber investigadores nesta Internet obscura. “O vendedor tinha bastantes comentários positivos relativamente às suas vendas, o que o tornava bastante credível naquele meio, ou seja, sempre que algum comprador adquiria algum produto ao DailyFix o mesmo chegava ao seu destino”, é relatado no processo. Em resposta aos anúncios divulgados pela Internet, Pedro e Rita recebiam encomendas de droga de inúmeros clientes, via Internet, em sites em que o pagamento do preço anunciado em euros é automaticamente efectuado por referência da criptomoeda bitcoin.

Os produtos eram cuidadosamente colocados dentro de envelopes almofadados, selados em vácuo, sempre camuflados com outras embalagens, como caixas de telemóveis, e enviados pelo correio não só para destinos nacionais como para qualquer país estrangeiro, quer dentro quer fora do espaço europeu, nomeadamente França, Alemanha, Reino Unido, Suécia, Estados Unidos da América, Austrália, Canadá, Egito, Rússia e Emirados Árabes Unidos, entre dezenas de outros países.

Nas buscas à sua casa, a PJ apanhou dezenas destas cartas já preparadas para serem enviadas e apreendeu também vários envelopes já dentro dos marcos dos CTT. “Imprimiam o nome do destinatário da encomenda em causa e, no lugar do destinado à indicação do remetente, os arguidos colocavam os nomes de endereços e instalações de várias empresas, utilizadas como fachada, nomeadamente: Erqolit Lda., Beauty Nails, Smartlink, 3DB, G-Techno e Regiamat, para não serem identificados pelo respectivo endereço de correspondência verdadeiro”, é descrito no processo.

Branqueamento na net. De Hong Kong a Malta Quando foram detidos, Pedro e Rita tinham consigo cartões de crédito que permitiam o levantamento de bitcoins em dinheiro em qualquer ATM, bem como cartões tradicionais de diversas instituições bancárias. Dos computadores, “foi possível recolher toda a informação do user DailyFix do mercado Alphabay, nomeadamente a sua apresentação aos compradores informando que se tratava de uma equipa que vendia desde Portugal, sendo mínimo o risco de compra de droga, pois as autoridades não controlavam este tipo de actividade para além do consumo ser legal no país”.

Uma vez na conta dos arguidos, as bitcoins pagas pelos compradores do produto estupefaciente eram elas próprias misturadas pelo próprio site na darknet com as bitcoins de outros suspeitos, antes de serem transferidas pelo casal para as suas contas pessoais. “Desta forma, e sabendo-se que as bitcoins, apesar de serem anónimas, são rastreáveis, esperavam os arguidos nunca ser detectados”, sublinham os investigadores.

Os três esquemas de branqueamento As autoridades identificaram três esquemas para este branqueamento: 1- O produto era vendido na darknet e pago em bitcoins. Nesses mesmos mercados, as bitcoins eram misturadas para evitar a detecção, contudo os arguidos ainda faziam passar as mesmas por um bitcointumbler/blender”, mais uma vez para ocultar a sua origem. Posteriormente, transferiam as bitcoins para uma conta física no computador Acer e daí para as contas do LocalBitcoins dos arguidos.

Já no LocalBitcoins, gozando de uma elevada “reputação” dos negócios bem-sucedidos que iam efectuando, vendiam as bitcoins das mais diversas formas, nomeadamente através do recebimento de dinheiro/euros por carta, transferências bancárias e dinheiro em mão, obtendo assim os ganhos advindos do tráfico devidamente “limpos” em dinheiro corrente. 2 – A principal diferença para o esquema anterior baseia-se no facto de os arguidos utilizarem um site (Kraken) para converter as bitcoins em dinheiro corrente sem no entanto o remeterem directamente para as suas contas bancárias em Portugal.

Em vez disso, transferiam os euros obtidos com as vendas das bitcoins para uma conta no site Leupay, à qual se encontrava associado um cartão de débito que lhes permitia gastar o dinheiro em qualquer parte, isto é, em qualquer terminal multibanco poderiam levantar euros ou efectuar pagamentos. Todos estes sites têm localização no estrangeiro, tendo o Leupay localização em Malta, e desde Janeiro de 2016 e até à sua detenção, em Junho de 2017, os arguidos carregaram as suas contas com 50.246,10 euros. 3 – Neste esquema utilizado pelos arguidos, estes, após fazerem passar as bitcoins pelos tumblers dos próprios mercados de venda de produtos estupefacientes na darknet e pelos tumblers exteriores aos mesmos, mas ainda na darknet, depositavam aquelas na conta física do computador Acer. Posteriormente, transferiam as bitcoins da conta física do computador Acer para uma conta no site Xapo, conta essa a que se encontrava associado um cartão de débito que permitia gastar os valores de bitcoins presentes na conta Xapo directamente, isto é, efectuando levantamentos ou pagamento de despesas.

Com a opção por este esquema, os arguidos não tinham necessidade de vender primeiro as bitcoins a terceiros, podendo converter as mesmas directamente em dinheiro corrente através da simples utilização do cartão de débito. Sendo certo que a localização da entidade financeira Xapo é em Hong Kong, o que permitia aos arguidos evitarem os alertas que pudessem ser gerados pela movimentação das quantias de bitcoins que pretendessem converter em moeda corrente.

As pesquisas dos investigadores aos dados das Finanças permitiram constatar que Pedro não apresentou quaisquer rendimentos à administração fiscal desde o ano de 2012 até 2017 e teve uma vantagem de actividade criminosa no valor total de 94.672,22 € e 61,985681 bitcoins. Rita declarou rendimentos entre o ano de 2012 e 2015 em sede de IRS, sendo apurado como valores incongruentes e vantagem da actividade criminosa um total de 51 406,87 €, mais cerca de três bitcoins (mais de 18 mil euros).–