Um réveillon pan-africano em Gana para fechar o « Ano do Regresso »

Para a festa do fim do ano, o Gana receberá milhares de pessoas, e murmura-se que, entre outros influenciadores de opinião, Beyoncé e Jay Z – com a família -, farão parte dos convivas. O fim de 2019 marcará para este país o encerramento do « Ano do Retorno », um programa iniciado pelo governo para incentivar afro-descendentes a voltar para a sua terra, África, e redescobrir a sua história e cultura.

Assim, várias celebridades afro-americanas planeiam fazer a viagem para o réveillon, o último dia das festividades que ocorreram durante todo o ano. Pois, desde o início do ano, eventos foram organizados nesse sentido e Dezembro será o mês da apoteose das celebrações e homenagens. Em Setembro de 2018, em Washington, DC, o presidente do Gana, Nana Akufo-Addo, anunciou e lançou oficialmente o programa « Ano do Regresso, Gana 2019 » para os Africanos na diáspora, dando um novo impulso ao velho projecto de unir Africanos do continente com os seus irmãos da diáspora.

O importante projecto convida, para além da diáspora, os Africanos do continente para comemorar os 400 anos da chegada dos primeiros Africanos escravizados em Jamestown, no estado da Virgínia, nos Estados Unidos da América. Portanto, o mês de Agosto de 2019 marcou os 400 anos, desde que os Africanos escravizados chegaram naquele estado, e o « Ano do Regresso, Gana 2019 » celebrou a resiliência de todas as vítimas do comércio transatlântico de escravos que foram espalhadas e deslocadas pelo mundo. Um dos principais objectivos da campanha foi posicionar o Gana como um importante destino turístico para Afro-americanos e a diáspora africana.

Os eventos que foram organizados ao longo do ano serviram como ponto de partida para dar um impulso ao turismo ganense para os próximos anos. O turismo representa mais de 10% do PIB mundial. Segundo o Conselho Mundial de Viagens e Turismo, 1/5 dos empregos que foram criados nos últimos 5 anos foi no sector do turismo. Mas, em África, o turismo representa apenas 3,6% do PIB.

Com o enorme potencial de crescimento e criação de empregos que tem, não é de admirar que os governos africanos estejam – agora -, a tentar valorizar o turismo nos seus países. E, ultimamente, ninguém o fez tão bem quanto o Gana, o « Ano do Regresso » provou isso. Em Janeiro de 2019, o ministério do Turismo desse país projectou que o programa traria 500 mil turistas da diáspora ao longo do ano.

O número real ultrapassou as expectativas; as autoridades anunciaram que mais de 750 mil pessoas visitaram o país em 2019 e que esse número chegaria a 1 milhão antes do fim do ano. Mas quando alguns dos rostos mais conhecidos da diáspora africana foram de férias em Accra, pela primeira vez, muitos pensaram que fosse apenas uma moda passageira de famosos.

Os turistas VIP participavam em eventos presididos pelo presidente do Gana, o arquitecto do plano de impulso ao turismo que visa a diáspora. Participavam em conferências, festividades e viagens pelo país para descobrir as suas características e herança únicas. Actores de cinema como Idris Elba, Boris Kodjoe, Michael Jai White, o apresentador de TV Mike Hill, a rapper Cardi B ou a top model Naomi Campbell são alguns deles. Só que por trás dessas viagens de estrelas, havia uma estratégia bem clara que pretendia tornar o Gana um importante destino turístico. Tratava-se de uma verdadeira campanha de marketing voltada para personalidades afro-americanas e da diáspora.

O país lançou um plano de desenvolvimento turístico que visa aumentar o número anual de turistas no país; passando de 1 milhão a 8 milhões por ano até 2027. Prevê-se que a indústria de viagens angariará 8,3 bilhões de dólares por ano até 2027, além dos benefícios associados.

O « Ano do Regresso » incluiu um festival de música, conferências de investimento e a iniciativa Direito de Regresso, que incentiva os Afro-americanos a buscar a cidadania no Gana. O Gana, o primeiro país da África subsaariana a conquistar a independência, tem um histórico de manter laços com Africanos no exterior. Isso remonta ao primeiro presidente do país, turismoKwame Nkrumah, cuja visão do pan-africanismo incluía alianças com a diáspora. Nkrumah tinha relações fortes com ícones Afro-americanos, como Muhammad Ali e Malcolm X, que viajaram para o Gana a seu convite.

A escritora Maya Angelou viveu lá e o líder dos direitos civis, W.E.B. Du Bois, viveu, morreu e está enterrado em Accra. O Gana também procura incentivar os retornados da diáspora por meio de legislação, como a lei Right of Abode (Direito de Residência), votada em 2000, que permite que as pessoas de descendência africana solicitem o direito de permanecer no país indefinidamente.

A lei foi completada, em 2007, por Joseph Project, um projecto que encoraja os Africanos da diáspora a regressar. É assim chamado em referência ao José, filho de Jacob, na bíblia, que foi vendido como escravo no Egipto, mas que depois regressou à sua família e governou o Egipto. As autoridades o compararam com a Lei do Retorno, de Israel, que permite que os Judeus da diáspora se tornem cidadãos.

E em 2013, as Nações Unidas declararam 2015-2024 a Década Internacional de Afrodescendentes, para « promover o respeito, a protecção e o cumprimento de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais das pessoas de ascendência africana ». O tema dessa celebração, da década, é « Pessoas de ascendência africana: Reconhecimento, Justiça e Desenvolvimento ».

O « Ano do Regresso, Gana 2019 » coincidiu com a bienal do Festival Pan-Africano de Teatro Histórico (Pan African Historical Theatre Festival, ou Panafest ), realizado em Cape Coast, Gana, na região onde se encontram uma masmorra de escravos e a feitoria da Elmina, 24 O PAÍS Sexta-feira, 27 de Dezembro de 2019 dois edifícios da era da escravatura reconhecidos pela Unesco como Património da Humanidade. A Unesco declarou também existirem 4 feitorias e 23 presídios de escravos ainda visíveis ao longo da costa do país.

O Gana foi o ponto de não-retorno para muitos Africanos sequestrados. A iniciativa « Ano do Regresso », que durou um ano, baseia-se numa longa tradição de olhar para frente. As autoridades ganenses estão agora a desfrutar o sucesso após uma campanha de marketing muito bem-sucedida.

O programa teve ecos positivos na mídia internacional e beneficiou de publicidade, quase sem nenhum custo para o país, da parte de celebridades. Portanto, para os convidados, inclusive as celebridades, o réveillon no Gana não será apenas para visitar as praias, provar a sua boa comida e dançar.

Será sobretudo um momento profundo de contemplação, meditação e regeneração; mergulhando na sua própria história para comungar com os antepassados. Então, enquanto centenas de milhares de pessoas pelo mundo estiverem a celebrar o Ano Novo, desejo a todos, juntamente com os meus irmãos que estarão no Gana, que 2020 seja o ano para uma Angola mais africana, mais emancipada e consciente.

é Pan-africanista, afro-optimista radicado em Paris, França. É colunista do diário Folha de São Paulo (Brasil), do diário Público (Portugal) e do diário Libération (França). É cofundador e vice-presidente do instituto République et Diversité que promove a diversidade em França e é empresário.