Mercado luandense ressentese da escassez de feijão

Mercado luandense ressentese da escassez de feijão

Dona Mariana é gestora de um pequeno negócio de venda de comida na zona do Talatona. Ela queixa-se da escassez do feijão no mercado. “De um tempo a esta parte o feijão está difícil. Para remediar temos de optar pelo castanho ou preto, que encontramos nos supermercados e que é menos apreciado pelos nossos clientes”, revela a comerciante. Mariana, considera o feijão um “super ingrediente” no seu negócio de confecção de refeições, porquanto com ele faz variados pratos que vão desde sopas a feijoadas di
tido versas. É ainda um dos quase indispensáveis “acompanhantes” do prato principal servido na sua barraca na rua do MAT, que é o funje. “Quase todos os clientes preferem sempre um pires de feijão para acompanhar uma fubada, seja ela servida com carne ou peixe”, conta. Mariana e outros luandenses, apreciadores de uma das leguminosas mais consumidas do planeta, abastecessem-se de feijão principalmente nos mercados paralelos, sendo o do Km 30, o grande fornecedor.

De um tempo a esta parte o produto começou a escassear como manda um dos mais conhecidos fundamentos das ciências económicas, a lei da oferta e da procura, começou a ser vendido a um preço proibitivo. Margarida, 36 anos de idade, dona de casa e responsável por um agregado familiar de 12 membros, conta que desde finais do ano passado que o feijão (principalmente o manteiga) começou a registar subidas repentinas no preço.

“As senhoras da zunga, a cada semana foram aumentando Kz 100 ao preço. Em vésperas da quadra festiva chegámos a comprar o quilo a 1000 Kz. A semana passada uma senhora vendeu-me a Kz 1200 e disse que no Km 30 não havia feijão”, contou a chefe de família. Assim como a culinária da rua do MAT, dona Margarida considera o feijão “o salva lar”. Com ele em stock é possível planear várias refeições para a família. Margarida revela que, com a leguminosa em casa, é possível confeccionar várias sopas e feijoada. É ainda um acompanhante para pratos à base de arroz, e de alguma doçaria (por exemplo, o pastel de feijão). A chefe de família revelou também que com o feijão frade faz pratos servidos com cebola e salsa picada, temperado com azeite e vinagre, e muito mais. A dona de casa considera o feijão, um ingrediente indispensável, tanto pela múltipla utilidade na culinária como pelos nutrientes essenciais como proteínas, ferro, cálcio, vitaminas (principalmente do complexo B), carbo-hidratos e fibras que proporciona.

Contradições do sector

Em Fevereiro do ano passado, o secretário de Estado da Agricultura no Iº seminário sobre os desafios e perspectivas do agronegócio em Angola, organizado pela Academia BAI referia que o país não precisava de importar certos alimentos onde se incluía o feijão, pois produzia mais de 350 mil toneladas por ano de leguminosas. Em 2018, o mesmo sector identificara a “baixa de preço” como um dos factores impeditivos para o incremento da produção do feijão a ponto de ter gizado uma proposta legislativa para a regularização da venda de milho e de feijão no país.

O director do Instituto Agrário, na época, referia que a proposta feita “visava permitir que os dois produtos mais cultivados no país, sobretudo na região Centro e Sul, tivessem maior rentabilidade na sua comercialização, de modo a evitar que os agricultores continuem a obter rendimentos abaixo dos custos de produção”. Era pretensão o reforço e dinamização de uma cadeia de valores, desde a produção à comercialização, para melhorar o processo de comercialização, no sentido de assegurar a melhoria da renda das famílias camponesas e o desenvolvimento das comunidades em que se inserem.

Produção do feijão no país

Numa reportagem publicada na sua página a 18 de Julho do ano passado, a ANGOP dava conta de grande produção de feijão, também considerado “um produto estratégico para o sustento das comunidades” na região de Catabola na província do Bié. A ex-Nova Sintra (Catabola), que se situa 52 quilómetros a Leste da cidade do Cuito, é, por sinal, o maior produtor entre os nove municípios existentes na província do Bié, que, a par da comuna de Calussinga (Andulo), produz grandes quantidades de feijão manteiga, fazendo dela o “grande” cartaz de visita. Feijão manteiga é cultivado com as demais espécies por camponeses individuais integrados em associações e cooperativas, que fazem a cultura em duas fases do ano (Outubro a Janeiro e Fevereiro a Abril), nas comunas de Sande, Chipeta, Caiuera e Chiúca. Apesar deste assinalável potencial, Catabola carecia de silos para poder maximizar a sua produção e, por via disso, assegurar um fornecimento regular consoante demanda do mercado.

O Bié, a par do Cuanza-Sul, Malanje e Uíje, são os principais pontos de proveniência desta leguminosa. Especialistas acreditam que, se combinada a produção e assegurado o apoio técnico e logístico, em muito pouco tempo o país pode atingir “bons níveis de produção neste tipo de alimento”, pois o sua cultivo é relativamente menos complexo. Georgino Makumbi, agrónomo especializado em agro-negócio por uma universidade brasileira, considera que “o país não tem foco” neste tipo de produção.

“É preciso estimular a pequena produção para, por via disso, assegurar o fornecimento ao mercado, o que não tem acontecido”. O especialista aponta ainda o facto de grande parte da produção do feijão do país estar a ser exportada por “canais informais” diminuindo a stocagem para responder à procura nacional. “No Bié, Uíge e Malanje, os nossos irmãos do Congo (RDC) compram grandes quantidades de feijão. Entendo que o mercado livre é isso mesmo, mas as necessidades alimentares nacionais são uma questão de segurança”, asseverou

Ministério da Agricultura: não há escassez

O director Nacional da Agricultura, Manuel Dias, em entrevista a OPAÍS (via telefónica), descarta a existência de escassez do produto, atribuindo o encarecimento do mesmo a uma “situação previsível conhecida de antemão”. “Nesta altura de plantio e não de colheita, é normal que escasseie o feijão, porque o país não tem grandes estoques do produto pelo que temos estado a compensar a procura com a importação. Em breve começa a colheita e tudo voltará à normalidade”, assegurou o alto responsável do Ministério da Agricultura e Florestas.

O responsável explicou que a próxima colheita começa entre Fevereiro e Março nas zonas de maior produção (Bié, Malange, CuanzaSul e Uíge) e, por esta altura, vai inverter-se o sentido das coisas na equação “oferta-procura”. O responsável aventou que o ideal seria termos dentro da estratégia da reserva nacional de alimentos, quantidades suficientes para colmatar a procura no período da diminuição da oferta, mas as condições ainda não alcançaram este patamar, tanto em produção quanto em estocagem.

Questionado quanto à “exportação irregular” feita a partir dos pontos fronteiriços, o responsável esclareceu que o seu ministério tem pouco a dizer, atribuindo a responsabilidade aos órgãos fiscalizadores e autoridades fronteiriças. “Não é de todo mau o facto de o produto interessar a estrangeiros. Se feito de forma regular até seria uma via de obtenção de divisas, mas o nosso problema é a permissibilidade existente nas nossas fronteiras”. Dias refere que não é de fácil controlo o comércio fronteiriço mas que esforços estão em curso para que a saída destas nossas valências representem a arrecadação de renda para os cofres do Estado.