Valter Filipe diz que sofre 30 paradas cardíacas por dia

Valter Filipe diz que sofre 30 paradas cardíacas por dia

O sono, que deveria ser um momento de descanso e de recuperação da energia despendida durante o dia, é um momento de apreensão para o ex-banqueiro Valter Filipe e para as pessoas que lhe são próximas. Quando, há mais de dois anos, a médica Sílvia Lutukuta, actual ministra da Saúde, o recebeu no seu consultório, não teve dúvidas de que estava diante de um caso de apneia que requer um tratamento especializado que não seria possível no país, aconselhou-o a procurar ajuda no exterior, Valter não hesitou. “Fui submetido a uma intervenção cirúrgica em Espanha e os médicos que a realizaram têm de acompanhar o meu estado clínico, o que não tem sido possível devido a este processo”, afirmou, mas ou menos nestes termos, ao esclarecer ao tribunal por que razão na Quinta-feira se ausentara do Palácio de Justiça sem o ter comunicado às autoridades judiciais.

Em causa estava o facto de o juiz da causa, João Cruz Pitra, ter inquirido o seu defensor, Sérgio Raimundo, sobre a sua ausência na sessão de Segunda-feira. Valter disse que não se fez presente porque teve que se deslocar à unidade sanitária onde tem recebido tratamento ambulatório para mitigar a sua situação. Disse que a Clínica Girassol, afecta à Sonangol, é a única unidade de saúde do país que dispõe de um aparelho igual ao que os especialistas espanhóis utilizam para aferir os resultados da operação e não só, porém, está avariado. Sem saber o estado da doença, se está a ser devidamente combatida ou não, Valter tenta levar uma vida normal, cumprindo “à risca” as recomendações médicas. Uma delas consiste justamente em dormir ligado a uma máquina que auxilia o seu organismo sempre que regista paragens cardíacas, que podem ser micro. Máquina essa que, ao amanhecer, contabiliza a quantidade de vezes que ocorreram tais paragens.

Um assunto de domínio da justiça

Dirigindo-se aos juízes conselheiros do Tribunal Supremo João da Cruz Pitra, José Martinho Nunes e João Pedro Fuantoni, Valter esclareceu que não requereu a suspensão do julgamento, pedindo autorização para ir ao exterior à procura de cuidados médicos, porque o mesmo se encontra em fase derradeira. Pelo que solicitou, somente, aos magistrados judiciais, que o autorizem a ausentar-se da sala de audiência com frequência para fazer a medicação e, de vez em quando, para respirar ar puro, diferente do proveniente dos aparelhos de ar condicionados que refrigeram a sala. O procurador-geral adjunto da República, Pascoal Joaquim, na qualidade de digno representante do Ministério Público, não se opôs e, com o apoio de todos os advogados, o arguido obteve o parecer favorável do juiz-presidente da causa. Esta não foi a primeira vez que o problema de saúde de Valter Filipe foi abordado em tribunal. Noutra ocasião, o seu defensor declarou que o assunto era de domínio das autoridades judiciais e que haviam, inclusive, fornecido os resultados médicos que justificam a necessidade de ele ser acompanhado e “não foram tidos nem achados”. “Ele pode morrer à noite, a dormir. Dorme com uma máquina e esta máquina já apresenta algumas avarias há algum tempo. Nós juntamos, inclusivamente, fotografias desta máquina, mas, infelizmente, nunca fomos respondidos”, frisou.

Uma assistente que pode influenciar os declarantes

No entanto, a primeira questão prévia apresentada por Valter Filipe, ontem, foi no sentido de que o tribunal retirasse da sala a directora do gabinete jurídico do BNA, Cristina de Ceita, por ter sido ouvida durante a fase de instrução preparatória desse processo. No seu ponto de vista, a advogada, que tem comparecido em tribunal como assistente da acusação do BNA, pode ser ouvida em julgamento como declarante. O seu pedido tinha razão de ser, uma vez que o próprio juiz da causa havia manifestado, na sessão de Segunda-feira, a intenção de requerer a sua comparência em tribunal sem saber que ela fazia parte da assistência. Um pedido que foi contestado, na ocasião, por Sérgio Raimundo. Por outro lado, Valter declarou que, atendendo a função que ela desempenha no banco central, pode transmitir informações relacionadas com as discussões e produção de provas aos declarantes que são seus colegas de serviço.

“Achei que era legal”

A audiência de ontem esteve reservada ao interrogatório do economista António Emerson Canda, 37 anos, que na data dos factos desempenhava o cargo de subdirector do gabinete de Gestão de Reservas do BNA. O seu depoimento era um dos mais esperados, por ter sido um dos técnicos que intervieram na operação que possibilitou a transferência de 500 milhões de dólares do banco central para a conta da empresa Perfectbit em Londres (Inglaterra). Declarou que realizar operações do género é normal, desde que estejam estribadas com documentos que as legitimem, como o contrato celebrado entre o BNA e a empresa beneficiária. Reconheceu, porém, no caso em concreto, que visava suportar a criação de uma estrutura que viria a ser um fundo de financiamento de mais de 30 mil milhões de euros para o país, constituído por um alegado sindicato de bancos de primeira linha.

Justificou que, por ter participado na fase inicial da elaboração do acordo entre o BNA e a empresa Mais Financial Service, propriedade do empresário Jorge Gaudens Pontes Sebastião, tinha consciência de que eventualmente haveria de chegar o momento da transferência dos 1,5 mil milhões de dólares, ainda que de forma faseada. Razão pela qual fê-la, mesmo sem suporte documental, pelo facto de a mesma ter sido orientada, a nível do seu departamento, pelo seu superior hierárquico, António Samalia Bule Manuel. “Normal não é, mas como havia sido solicitado algum sigilo na execução dessa operação, achei que era legal”, frisou, sublinhando que supunha que o seu director haveria de juntar o contrato antes de finalizar a operação de transferência.

Só mais tarde é que tomou conhecimento que de tal não havia ocorrido. Este processo tem ainda como arguidos José Filomeno dos Santos (antigo Presidente do Fundo Soberano de Angola) e Jorge Gaudens (empresário), ambos respondem pelos crimes de burla por defraudação, branqueamento de capitais e tráfico de influência. Já sob António Bule e Valter Filipe pesam os crimes de burla por defraudação, branqueamento de capitais e peculato. A audiência de hoje está reservada para se ouvir os depoimentos de Marta Barroso Chiquita Paixão e Silva e de Ana Marcolino, directora e subdirectora do departamento de Operações do BNA.