“O BNA não é uma manta de retalhos”

António Samalia Bule disse que só em Setembro de 2017 se apercebeu que a transferência de 500 milhões de dólares da conta do BNA domiciliada no banco Standard Chartered de Londres (Inglaterra) para a conta da empresa Perfectbit no banco HSBC, também de Londres, não constava no balancete do banco de Agosto, período em que a mesma foi concretizada.

Pelo que, atendendo ao facto de o seu antigo departamento ter a incumbência de, no final de cada mês, conciliar os seus mapas com o registo contabilístico, para que todas as operações estejam adequadamente reflectidas no livro do BNA, desencadeou as diligências necessárias junto do Departamento de Contabilidade para a sua inclusão.

Maria Fontes Pereira, de 52 anos, 29 dos quais ao serviço do banco central, contou que apenas no dia 13 de Setembro, cerca de um mês depois de ter sido realizada a transferência, recebeu a solicitação para abrir uma conta em nome da Perfectbit no sistema de negócios do banco, por via da qual seria possível registá-la. A

o analisar o expediente proveniente do gabinete de António Bule, com o carimbo de “secreto”, Maria Fontes Pereira entendeu que não tinha a documentação suficiente que lhe permitisse atender ao pedido, nomeadamente o contrato de Alocação e Gestão de Activos celebrado entre o BNA e o consórcio Mais Financial Service & Resource Project Partnership. Neste contrato, o consórcio indica a Perfectbit como “fiel depositária” dos USD 1,5 mil milhões que o Estado angolano teria de desembolsar, em três tranches, para beneficiar de um financiamento de 30 mil milhões de euros.

Dias depois, António Bule fezlhe chegar um documento abordando detalhes da operação, contendo a autorização do então governador Valter Filipe para que fizesse a abertura da entidade no sistema. Sem cumprir estes procedimentos não é possível fazer o registo de qualquer operação no sistema contabilístico. “Só em Outubro fez-se a abertura da entidade [Perfectbit] e em Dezembro o seu registo”, detalhou, sublinhando tratar-se de um procedimento anormal.

A directora de Contabilidade do BNA disse que o correcto seria cumprir-se esse formalismo antes de se efectuar a transferência. Por outro lado, António Bule sublinhou que não há interferência do DGR nos outros departamentos e procurou afastar Valter Filipe de qualquer responsabilidade sobre o método usado para transferir o dinheiro. “O DGR não recebeu qualquer indicação expressa do então governador relativamente ao sistema de transferência a utilizar nem de registo ou não na contabilidade”, frisou. O funcionário sénior do BNA disse que era sua convicção que todos os passos descritos pela sua colega Maria Fontes Pereira sobre a materialização da transferência tivessem sido observados.

Uso de método alegadamente irregular

Maria Fontes Pereira declarou, em tribunal, que a aludida transferência foi feita manualmente com recurso ao Swift, a partir do Departamento de Operações Bancárias (DOB). Um método não recomendável que se considera irregular o seu uso em operações bancárias. Com anuência do juiz da causa, João da Cruz Pitra, o arguido Valter Filipe também foi chamado pelo advogado João Manuel, defensor de António Bule, a esclarecer se orientou de forma verbal ou escrita ou ainda se desaconselhou ao uso deste recurso.

Valter Filipe respondeu tratar-se de um acto administrativo do DOB e que não tinham conhecimento das formas como se realizavam as operações nem se existe uma ordem do Conselho de Administração que contraria a transferência por Swift directo. Enfatizou que não sabia, sequer, que era irregular. O uso desse aplicativo deve ser um passo a seguir ao registo da entidade num outro instrumento do sistema financeiro do BNA designado de OPCIS. “Só nesse tribunal é que estou a tomar conhecimento”, confessou.

O ex-banqueiro explicou ainda que pelo facto de o DOB ser uma área que não fazia parte do pelouro do governador, para que pudesse praticar qualquer acto nesse sentido tinha de delegar a um dos dois vicê-governadores ou o faria por intermédio do administrador do pelouro. “Recordo que não passei nenhum acto administrativo a orientar a matéria em causa”, frisou. Já o arguido António Bule declarou, à instância do seu defensor, que não obstante ser da inteira responsabilidade do DOB o uso do aplicativo Swift directo, não tem conhecimento se existe uma norma escrita que proíbe a sua utilização.

Em seu entender, ao estar escrito deve constar no manual de procedimento do DOB. Porém, como não tem domínio do mesmo não pode confirmar se está ou não escrito. Argumento este que foi partilhado por Maria Fontes Pereira. “Todavia, o uso do Swift directo é desaconselhável pelo facto de não permitir o fecho da operação para efeito contabilístico”, frisou.