As palavras que não nos cansamos de ler

As palavras que não nos cansamos de ler

POR: Jornal de Notícias

Já passaram mais de três anos sobre a morte de Leonard Cohen e, todavia, a força das suas palavras permanece intacta para milhões dos seus seguidores, adiando “sine die” o limbo em que, dizem, as obras caem sempre após o desaparecimento físico do seu criador. Nada disto causa verdadeiro espanto. Se a música foi o veículo escolhido pelo bardo canadiano para chegar a um número mais alargado de pessoas (e rechear a sua conta bancária, já agora), a poesia sempre foi o seu ofício mais autêntico, a ligação directa à plenitude a que sempre aspirou.

Ao lermos em dois volumes a edição completa dos seus poemas e canções, apercebemo-nos do elevado grau de compromisso que colocava na escrita. Esse empenho já era notório quando, aos 22 anos, publicou o seu primeiro livro de poemas, “Comparemos mitologias”. Os primeiros versos desse livro são premonitórios: “Ouvi dizer que há um homem/que fala com tanta beleza/que as mulheres se lhe entregam/só de ouvir pronunciar seus nomes”. Nada disso sabia o autor de “Belos vencidos” quando, nesses primeiros livros, escreveu poemas ardentes sobre amores impossíveis, mas também versos heróicos nos quais sonhava “destruir as penas voando diante do Sol”.

A incursão pela música pode ter multiplicado o número de fãs, mas não alterou por aí além quer a sua entrega à música quer a sua visão da poesia, pese embora a especificidade das letras das canções, mais imediatas do que os poemas. Do segundo volume – que compreende o período entre “Death of a lady’s man”, de 1977, e o lançamento dos seus poemas dispersos -, subjaz um afastamento gradual dos cânones poéticos tradicionais, a par de uma condição reflexiva cada vez mais aguda e pertinente. O que não sofreu perturbação alguma ao longo destas décadas todas foi a beleza que procurou sempre até ao fim. Um ideal que moldou a sua própria conceção existencial, assente na crença de que “a razão de eu escrever é fazer algo tão belo como tu”.