Yuri Quixina: “O país está numa crise profunda e estamos a pensar nas questões secundárias”

Yuri Quixina: “O país está numa crise profunda e estamos a pensar nas questões secundárias”

O ponto prévio desta edição é sobre relações humanas. Preocupa-lhe o nível de intolerância que se manifesta nos debates públicos, resvalando para ataques pessoais?

Infelizmente noto isso e também já sofri ataques pessoais, por estar a ‘pregar’ sobre o liberalismo. Ainda na semana passada sofri isso, no whatsapp. Um economista com grau de phd chamou-me de ‘insensível social, ‘que prega tudo contra a economia’, ´demagogo, ‘populista’… também já me chamaram de ultraliberal. A adjetivação é uma arma que mata o mensageiro, mas não mata a mensagem. A falta de argumentação em Angola é endémica, porque as pessoas lêem pouco e discute-se muito senso comum. O ataque pessoal é a arma dos fracos nos debates.

A oscilação do petróleo pode alterar todos os factores de crescimento da economia previstos pelo Governo (barril do crude a 55 dólares), inflação de 24% e crescimento de 1,8% do PIB. Isso pode cair?

Bem, o Coronavírus é a segunda causa, porque trouxe choques aos países membros da OPEP e provocou uma reunião. E a Rússia já disse que não alinha na estratégia de novos cortes na produção, porque faz a OPEP perder para os Estados Unidos.

Que impactos sobre a economia nacional?

Para uma economia que depende do petróleo, cuja definição de preços não depende de si, a diferença não deve ser de cinco dólares do preço corrente. Devíamos traçar uma estratégia de descontinuação do petróleo, que nos permitisse sair da dependência do petróleo. O nosso OGE é aprovado sem uma estratégia de longo prazo.

O governador do BNA reuniu-se com importadores para identificar a subida de preços, cuja variação entre Janeiro e Fevereiro situou- se em 5%. É difícil saber as razões da alta de preços?

Todos os factores da nossa economia, hoje, concorrem para a subida e não para a redução dos preços. Os pressupostos que ajudam para reduzir os preços são inexistentes.

Quais são os pressupostos?

Primeiro, é que existe uma dominância fiscal, em que o banco central já não tem força para combater a inflação, na medida em que a política orçamental sobrepõe-se à política fiscal. A política orçamental continua a gastar muito. Se analisarmos bem, concluiremos que o BNA está no cafrique do Ministério das Finanças, porque se não reduzir as despesas de forma sustentável e inteligente, a inflação não vai reduzir. Os custos de produção continuam altos.

Leu as causas, certamente…

Sim. Os importadores apresentaram várias justificações, como a demora nas repostas das cartas de crédito, licenças de importação, encargos fiscais e outros. Repito, o mercado não obedece a um comando automático de qualquer fazedor de política económica. O mercado é que é o professor do fazedor da política económica.

AGT prorroga o prazo para regularização das dívidas, no âmbito do Regime Excepcional de Regularização de Dívidas Fiscais e Aduaneiras, em curso desde Janeiro de 2019. Depois do IPU, agora essa. O que isso sinaliza?

Isso sinaliza que é a única estratégia que a AGT tem para arrecadar receitas para o Estado, porque percebeu que a economia está em dificuldades e que os empresários não poderão regularizar as dívidas no prazo estabelecido. Vamos assistir a mais prorrogações, como na taxa de circulação e outros, porque o povo está sem dinheiro e não vai conseguir pagar na data prevista. E para não perder esse dinheiro, a AGT entendeu prorrogar os prazos. Mas o que mais me interessa na relação AGT e contribuintes não é a prorrogação dos prazos.

O Governo criou uma nova logo-marca institucional, alinhada com os propósitos actuais do Executivo angolano, com destaque para o combate à corrupção e à burocracia.. Qual é a sua opinião?

Fiquei surpreendido e triste, porque acho que não é prioridade. Um país que tem problemas profundos e que o desemprego continua a subir, agora está em 32%, ainda há tempo para pensar em logo-marca. Ainda restou tempo para pensar em logo-marca! Acho que estamos mais preocupados com a forma, com estética do que com os verdadeiros problemas do país. A ‘identidade visual’ de um Governo são os resultados, é o bem-estar do povo, não é logo-marca. Estamos a nos desfocar dos verdadeiros problemas do país e a gastar dinheiro de forma desnecessária. O país está numa crise muito profunda e estamos a pensar nas questões secundárias e não prioritárias.

Consta que a nova identidade visual substitui a de 2002, que assinalava a reconstrução do país, depois da guerra. Não justifica?

Quando se diz que a logo-marca anterior estava associada ao passado, que era a reconstrução do país, será que a reconstrução já terminou, do ponto de vista de ideias? Precisamos reconstruir os valores, a ética e a moral, a educação, a saúde e a própria economia. Temos muitos problemas, façam com que o Presidente se ocupe de outras questões. Logo-marca não altera a vida das pessoas.