31 anos depois Grupo Julu aposta na formação de novos actores para continuidade do conjunto

31 anos depois Grupo Julu aposta na formação de novos actores para continuidade do conjunto

Nestes 31 anos de várias acções realizadas nas 18 províncias do país, começado em 1992, durante a primeira campanha eleitoral, prosseguindo noutras áreas com campanhas de sensibilização da sociedade sobre o perigo de minas e outros engenhos, num processo conjunto com o UNICEF, o grupo Julu pensa na formação de novos actores para a sua continuidade

O conjunto fundado a 09 de Junho de 1992 possui uma escola, através da qual perceberam o interesse de muitos jovens fascinados pelo teatro ser cada vez maior.

Através desta, o colectivo sente-se motivado a aproveitar o momento para formar novos actores, para dar continuidade ao grupo, que se encontra num processo de renovação.

Com várias actividades realizadas ao longo do ano, o colectivo está agora focado na exibição de peças teatrais, no final de cada mês, com o objectivo de angariar fundos para doar à Aldeia Nisse, na provincia do Bié.

Esta é uma actividade que teve inicio em Junho, aquando da celebração dos 31 anos do grupo e termina em Dezembro.

Neste percurso, de 31 anos, o trabalho estendeuse à realização de campanhas de sensibilização da sociedade sobre o perigo de minas e outros engenhos, num processo conjunto com o UNICEF, aquando da preparação das primeiras eleições em Angola, que se juntaram a outras como a realização de conferências, radionovelas, spots televisivos, radiofónicos, entre outros aspectos, por via do teatro comunitário.

O projecto do colectivo vai se somando a outros de carácter educativo, como a importância da vacinação, o aleitamento materno, o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), entre outras actividades.

Neste percurso, cada um falou da sua experiência, da rica amizade que os tornou numa familia e dos projectos posteriores no domínio das artes cénicas, não obstante as suas histórias serem quase semelhantes.

Peiroteu de Jesus, o secretário executivo do colectivo, ao falar sobre a trajectória, referiu que os 31 anos de percurso significam para si o sentimento do dever cumprido.

O actor disse tratar-se de uma trajectória de muito trabalho e sacrifício para poderem manter o nome que têm, não obstante observarem ao longo do percurso altos e baixos.

“É uma trajetória de muito trabalho e muito sacrifício para poder mos nos manter coesos e juntos, o que para mim é o mais importante”, disse.

Peiroteu recordou que ao longo destes 31 anos sempre estiveram mais próximos uns dos outros, no grupo, do que com as suas próprias famílias, e o que o marcou neste percurso foi, sobretudo, aguentar um colectivo com pensamentos.

“Não queira dizer que nós não fazemos teatro convencional e a prova disso é que nós realizamos um espectáculo no dia do nosso aniversário e ainda vêm outros”, sublinhou.

Já no que à formação teatral se refere, o actor destacou a acção desenvolvida por professores israelitas, americanos, africanos, brasileiros e portugueses neste domínio, acrescentando que com o apoio da Internet, hoje consegue-se fazer várias formações via online e em diferentes formatos.

“Tive uma grande experiência, trabalhamos durante 15 anos com o UNICEF e dentro das suas prioridades trabalhamos no Direito das Crianças, na sensibilização sobre o Perigo de Minas, nos projectos de vacinação e estamos prontos”, admitiu.

O actor sublinha que foi para si uma experiência muito boa, uma vez que permitiu sensibilizar quase todo o país, mesmo correndo vários riscos em zonas de difícil acesso por causa das minas.

Peiroteu realça que, depois dos 31 anos, já se está a pensar na formação de novos actores para a continuidade do grupo, visto que já têm uma escola e o crecente interesse demonstrado por jovens fascinados pelo teatro.

“Já introduzimos um elemento novo, vem da Escola do Julu e vai fazer parte do Grupo. Estamos no processo de renovação, partindo do princípio de que a idade não perdoa”, enfatizou.

Trabalhar com várias associações

Por sua vez, Avô Ngola, personagem de Manuel Teixeira, o actor que, à semelhança dos seus confrades, dispensa apresentações.

Satisfeito com os resultados obtidos ao nível da sua intervenção em torno da educação da população, nestes 31 anos de percurso, Manuel Teixeira faz uma incursão no tempo, destacando inicialmente os aspectos que motivaram o surgimento do Grupo Julu.

O actor recorda que foi gratificante ver escrito no relatório final da Direcção Geral das Eleições, “graças ao Julu, muita gente votou com clareza”.

Destacou também a parceria que tiveram com o UNICEF, num período de cerca de 14 anos, isto é, de 1993 a 2007, onde o colectivo trabalhou nas mensagens das prioridades daquela organização em Angola, sobretudo, os direitos da criança, saúde e perigo de minas.

Fruto desta parceria, referiu que beneficiaram de uma formação em teatro comunitário para o desenvolvimento com o professor Stephen Chifuniese, do Zimbabwe, teatro de marionetes, com as professoras israelitas Miriam e Noely, e outras formações para dar suporte às suas actuações nas comunidades.

Manuel Teixeira realça que foi ainda na vigência do contrato com o UNICEF-Fundo das Nações Unidas para a Infância, que o Julu criou a Rede Nacional de Teatro Comunitário, em 1999, para apoio às campanhas de sensibilização do Perigo de Minas e objectos estranhos.

Criou os personagens Avô Ngola e menina Wissolela, que hoje são uma referência nacional. Ainda fruto da qualidade e do profissionalismo que o colectivo de Artes Julu demonstrava e demonstra, outros parceiros juntaram-se, como a UNAVEM – Missão de Verificação das Nações Unidas em Angola, a MONUA- Missão da Organização das Nações Unidas em Angola, o NDI, a CCG, a Total, a Movimento, o Centro Nacional de Oncologia e outros, o Julu tem sido reconhecido por várias instituições, quer nacionais, quer estrangeiras.

Este reconhecimento, segundo o actor, recai, sobretudo, ao Prémio Identidade, atribuído pela União Nacional dos Artistas e Compositores (UNAC-SADC), os diplomas de Mérito pelo Governo Provincial de Luanda, a FESA, a Comissão do Eclipse do Sol, o Diploma de Honra FESTÁFRICA, o Prémio Nacional de Cultura e Artes, em 2015, e os prémios de teatro Cidade de Luanda em 1998 e 1999.

Formação de novos actores

O actor sublinhou que ao longo destes 31 anos de existência, o colectivo adquiriu muita experiência, maturidade e agora decidiu partilhar os seus conhecimentos com os mais novos, razão pela qual o Centro de Formação Feminina do Rangel terá, brevemente, no seu currículo, os cursos de teatro, orientado por actores do grupo que beneficiaram do curso de formadores.

Manuel Teixeira enalteceu, igualmente, o gesto do MAPTSS, por ter abraçado a intenção. Lembrou que o colectivo é, actualmente, constituído por seis membros efectivos: Peiroteu de Jesus, secretário – executivo, Manuel Teixeira, secretário de Administração e Finanças, Conceição Diamante, Domingas Mendes, Fátima Cassule e António Francisco.

Um períodode maturidade e resiliência

Já a actriz Maria da Conceição Diamante, indagada sobre a experiência obtida ao longo dos 31 anos de carreira e de existência do referido colectivo, referiu que “foi um período de muita actividade, resiliência e orgulho”.

Diamante realçou que, na qualidade de actriz, tem feito muito para o país, em companhia do grupo, formando gentes de diferentes estractos sociais, mudando mentalidades, transformando famílias de corações na forma de transmitir as suas mensagens todos os dias, quer na rua, quer noutros locais.

“Temos essa graça de fazermos parte da vida de Angola, em todos os sectores. Actuamos na saúde, na educação, no aconselhamento às mães para a observância dos aspectos ligados ao aleitamento materno, na sensibilização público sobre a importância do registo de nascimento, na mudança de comportamento do cidadão.

Tratamos de tudo um pouco o que se passa por esta Angola”, explicou.

A actriz garantiu que estão todos sintonizados para melhor informar a população, de uma forma mais clara, lúdica e divertida, transmitindo mensagens perfeitas, o que a orgulha bastante. “Somos sempre os mesmos e nos entendemos.

Já nos tornámos uma família, somos profissionais de raiz e vivemos disso. Trabalhamos arduamente”, realçou a actiz, agradecendo a Deus pela vida e o dom de ser artista.

Diamante contou que, no princípio, a intervenção do grupo começava na rua e estendia-se às paragens, aos mercados e em todos os cantos da cidade como palco.

Porém, reconhece que o grupo Julu é hoje feito dessas pessoas que muito respeitam, razão pela qual fazem a vênia à sociedade e às distintas instituições pelo reconhecimento do seu trabalho.

Conceição Diamante salienta, igualmente, que os espectáculos realizados para celebrar os 31 anos de existência, iniciado em Junho, serviram de trampolim para fazer alguma caridade, ajudar o próximo.

“É um orgulho muito grande, não havia melhor forma de festejar os nossos 31 anos, desta forma agradável, convivendo com os habitantes da Aldeia Nisse, na província do Bié. Será muito bom.

Estamos a arrecadar donativos através dos espectáculos que vamos fazendo até Dezembro”, justificou.

Sublinha que o grupo está ligado às causas solidárias e, nesta iniciativa, contam com a parceria do INEFOP, que, no seu entender, chegou no momento certo.

Dimensão

Conceição Diamante recorda que, ao enaltecerem os feitos neste percurso de 31 anos, os fãs afirmaram que, caso o grupo estivesse a viver nos Estados Unidos da América, os actores seriam os mais ricos de Hollywood.

“Temos uma grande riqueza, o reconhecimento do nosso trabalho, o amor que as pessoas têm por nós. Eles cobram-nos, não só para se divertirem, mas também ficam informados”, realçou.

Decepção

Quanto se sabe, o percurso de um artista é marcado por altos e baixos e, neste caso particular, a actriz lamenta a falta de reconhemento por parte das entidades de direito, uma vez que muitos desses fazedores de arte, pelos feitos, deviam ser tratados com dignidade.

“Já não podíamos ter problemas básicos.

O actor está aí e certas vezes não têm dinheiro para apanhar o transporte. É lamentável”, desabafou a actriz, acrescentando que gostaria que não faltasse o básico para os fazedores da arte.

“O artista não pode ser visto como mendigo.

Deve sim, ser respeitado e o grupo está no topo, num nível acima do normal”, disse.

Questionada sobre as peças teatrais que a marcaram durante este percurso, Conceição Diamante referiu que têm muitas peças escritas e torna-se difícil enumerar por não terem espaço para depositar os textos.

Uns até, disse, já desapareceram com o tempo.

Lembranças

Conceição Diamante disse ter boas lembranças ao nível de todas as peças que representou e uma delas é “Frente Peixeira”, que deu ao grupo o Primeiro Prémio Cidade de Luanda”, ao que se seguiu o segundo com o título, “As Poeiras dos Poeiras”, “Filha do Bruxo”, esta última, onde a actriz viuse forçada a interpretar o papel de um homem.

A actriz recorda que foi um personagem muito difícil e certas vezes teve que discutir com os colegas por lhe terem atribuído aquele papel.

“Eu sou mulher, pintar o rosto aplicar a barba e o bigode fiquei altamente modificada, transformada.

Fiquei muito chateada, mas as pessoas gostaram muito da personagem que foi muito bem interpretada”, disse, lembrando que com essa apresentação venceram o Prémio Nacional de Cultura e Artes, na categoria das Artes Cénicas.