Entre rebuçados e lágrimas

Um dos mais intrigantes chefes de Estado no mundo deverá ser o fi lipino Rodrigo Duterte ‘Digong’. Há muito que os seus métodos de actuação, com fulizamentos à mistura, na luta contra o crime, começaram a ser criticados, sobretudo pelas organizações de defesa dos direitos humanos, embora o próprio acredite ter surtido os efeitos desejados no seu país, as Filipinas.

Extremista o quanto baste, ‘Digong’ recorreu aos mesmos métodos para convencer os seus concidadãos a manterem-se em casa por causa da crise económica, sanitária e até política que o coronavírus impôs ao mundo. No auge desta pandemia, que vai assolado o planeta, agora com maior incidência nos Estados Unidos da América, que num curto espaço de tempo se tornou no país com mais casos, enquanto que no ranking de mortes ainda pontifi quem países também do primeiro mundo, como a Itália e a Espanha, no continente europeu.

Num relato que pude ler ontem no site do jornal brasileiro OGLOBO, vários especialistas são unânimes em que nestes países desrespeitou-se uma série de procedimentos que deveriam ser tomados em relação à doença, razão pela qual hoje o preço a pagar é cada vez mais alto. Das dezenas de mortes registadas nas primeiras semanas, hoje são milhares, tanto no Velho continente quanto na América, independentemente dos sistemas de saúde de primeira linha existente.

Em alguns estados, como de Nova Iorque, por exemplo, os governadores acabaram por atirar a toalha ao tapete, não sabendo como combater a doença, numa fase em que nem mesmo a ciência consegue dar esperanças de uma solução breve. Quem diria que o principal cultor dos direitos humanos, os Estados Unidos da América, estivessem, hoje, envolvidos em polémicas acusações de ‘roubo de máscaras ou desvio de ventiladores adquiridos por outros países’ para poder salvar os seus cidadãos, mandando para as urtigas princípios e valores que durante décadas nortearam as relações internacionais É neste mesmo emaranhado de coisas em que Angola e, particularmente, os angolanos sem recursos fi nanceiros se poderá envolver caso a situação saia do controlo.

Razão pela qual unicamente, nesta fase do campeonato, se pede aos cidadãos que fi quem em casa, para se atenuar os efeitos da pandemia e cortar uma possível contaminação em cadeia caso se verifi quem casos comunitários. A declaração de Estado de Emergência em Angola obedeceu a determinados critérios que não permitiam que continuássemos a viver como se nada estivesse a acontecer ao nosso redor. Ao lado já uma República Democrática do Congo, com quem partilhamos uma extensa fronteira, conhecia os primeiros casos, e na Namíbia também outros se iam registando.

Apesar dos temores, numa atitude quase arriscada tendo em conta o nível de (des) organização de determinados sectores da nossa sociedade, fundada quase desde a independência no mercado informal, sobretudo, permitiu-se que os cidadãos, entre homens e mulheres, continuassem a exercer as suas actividades nos mercados informais e outros na venda ambulante. Sob pretexto de uma luta pela sobrevivência, tendo em conta que nem todos têm capacidade de armazenar e usufruir de recursos que nos permitam estar em casa sossegadamente, foi permitido que determinados sectores continuassem a exercer as suas activio, por falta ou não de um forte suporte social que possibilitasse a assistência dos milhares de cidadãos que habitam na capital, assiste-se a uma série de incumprimentos ao declarado Estado de Emergência.

Quem circula por Luanda, sobretudo na sua periferia, concluirá que há de tudo menos a adopção de medidas extraordinárias, próprias de um momento como o que temos que viver. Os mercados existem, os horários não são respeitados, a Polícia em algum momento começa a sentir-se retraída dado ao excesso de críticas por parte de determinados sectores da própria sociedade, em parte por causa de alguns excessos registados inicialmente.

E o rol de críticas avolumouse quando o ministro do Interior, Eugénio Laborinho, na última conferência de imprensa em que participou, acabou mal compreendido por causa da referência que fez de que a Polícia não está para distribuir ‘rebuçados e chocolates’, embora tivesse explicado, no mesmo instante, que o sentido era de que a coorporação seria implacável para com os que estão a desacatar as orientações emanadas. Não tendo sido defi nidas nem apresentadas apologias duetertinas, por nenhum dos representantes do Executivo, além das críticas que vão sendo feitas, é importante que se redobrem os esforços no sentido de se convencer as pessoas a cumprirem escrupulosamente o que está estipulado.

Numa sociedade com poucos crimes, como se vê em alguns países nórdicos, a Polícia e outras instituições castrenses têm poucas margens para erros. Se muitos respeitassem os limites de um metro cada – há quem diga que é necessário mais-, vender até ao tempo limite, evitar as maratonas e as saídas desnecessárias, não teríamos muito que nos preocupar com a dimensão das palavras de Eugénio Laborinho. Se o tempo pudesse voltar atrás, acredito que a esta hora os italianos, espanhóis e até norte-americanos preferissem rebuçados e não lágrimas, como as que vão sendo derramadas.