Um país extenso, populoso e rico com apenas 39 bibliotecas públicas

Um país extenso, populoso e rico com apenas 39 bibliotecas públicas

Os dados são da Biblioteca Nacional de Angola (BNA) e foram revelados pela directora da instituição, Diana Afonso, a este jornal, à propósito do Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor, que ontem, 23, se assinalou.

Israel Campos

Em Angola a discussão em torno do investimento que se dedica ao livro e ao incentivo à leitura dá sempre pano para muita manga. O país tem um instituto público, afecto ao actual Ministério da Cultura, Turismo e Ambiente, vocacionado à produção literária e discográfica, o Instituto Nacional das Indústrias Criativas (INIC), o antigo Instituto Nacional do Livro e do Disco (INALD), criado em 2000.

Ainda assim, apesar de algumas iniciativas desta instituição, como a criação de algumas premiações literárias e a organização de certos eventos anuais que se dedicam ao livro, a problemática do acesso ao livro e falta de estímulos ao gosto pela leitura no país continuam exactamente as mesmas.

Dificuldades na produção de livros no país, dizem os autores. Dificuldades no acesso à matéria prima para a impressão do livro, reclamam as editoras. Preços obscenamente exorbitantes e falta de espaços como livrarias e bibliotecas, protestam os leitores. Bibliotecas, livrarias e mediatecas Segundo dados da Biblioteca Nacional de Angola (BNA) a que OPAÍS teve acesso, “em Angola existem 39 bibliotecas públicas”, nomeadamente no Bengo, Huambo, Huíla, Cuanza-Sul, Luanda, Lunda-Norte, Lunda-Sul, Malange, Moxico, Namibe, sendo a capital a província com mais bibliotecas.

Quanto às mediatecas, o país conta, de acordo com a Rede de Mediatecas de Angola (REMA), com oito mediatecas nomeadamente em Benguela, Huambo, Soyo, Lubango, Saurimo, Cunene e Luanda com duas Mediatecas. É desconhecido o número exacto de livrarias existentes ao nível do país. Em suma, a oferta de espaços para promoção e aquisição de livros no país é irrisória para um país tão vasto com cerca de 30 milhões de habitantes. A título de exemplo, só a Namíbia, país vizinho e com menos recursos que Angola, tem 65 bibliotecas públicas ao dispor dos seus cidadãos.

O que nos pode levar a questionar se o problema não é de facto uma questão de prioridades. Grito de socorro das editoras

Os altos preços praticados pelas editoras nacionais para a produção de livros são quase sempre a justificativa apontada pelos escritores, quando questionados sobre o porquê de preferirem recorrer ao mercado estrangeiro, como o português e o brasileiro, para a edição e impressão dos seus livros.

A Editora Acácias está no mercado editorial angolano desde Novembro de 2015. De lá para cá já publicou variados títulos. Jéssica Branco, em representação desta Editora, disse-nos que “os custos de produção variam conforme as características básicas de cada livro: tamanho, tipo de papel, número de páginas e acabamentos”. O actual contexto económico e a depreciação da moeda nacional são elementos que, de acordo com Jéssica, contribuem para o encarecimento do produto final.

“Como sabe mais de 80% do que consumimos é importado, o que gera muita pressão sobre a economia e famílias, e as gráficas fazem parte deste universo”, salientou. “É hoje claramente mais acessível produzir a parte editorial (revisão, edição, paginação e outros serviços) em Angola devido ao contexto cambial, mas a impressão final que ainda depende da importação do papel é a que mais exige investimento”, adicionou Jéssica Branco.

Em conclusão, com visão futurista, a representante da Editora Acácias declarou que acredita que “nos próximos três anos com a evolução da indústria este desafio também será vencido.”

“Quem tem fome não lê” Se produzir é caro, o produto final também será.

Em Angola, os jovens são quase sempre acusados de estarem distantes da leitura e dos livros por uma alegada falta de interesse levantada por quem conduz este discurso que já se tornou uma constante por tudo quanto é canto.

Por alguma razão, este discurso não “casa” com as enchentes, sinal indicativo de procura, que se verificam nas feiras e eventos de lançamentos de livros por todo o país, como se pode constatar nos vários eventos. Então, porque será que alegadamente se lê pouco no país? Ao contrário da falta de interesse apontada por alguns, é também na dificuldades no acesso ao livro que se prende grande parte do problema, como nos disse o escritor Edy Lobo.

“Os jovens angolanos na sua maioria, acredito, não fazem a aquisição de livros para lerem porque os livros são caros”, disse-nos o autor do “Diário de Um Professor (a)normal”. Lobo acrescentou ainda que “se eles [os jovens] muitas vezes não têm dinheiro para comprar o que comer, poucas vezes teriam dinheiro para comprar livros.

“Quem tem fome não lê”, concluiu o autor. A título de exemplo desta realidade, podemos trazer aqui um livro que teve muita procura nos últimos meses devido às grandes revelações que trouxe. Trata-se do livro “Heroínas da verdade” da jornalista Isabel Malaquias.

Apesar do grande interesse que a abordagem do livro despertou em muita gente, nem todos tiveram a oportunidade de comprá-lo pois o livro foi comercializado ao preço de 10 mil Kwanzas, praticamente a metade do salário mínimo nacional que é de 21 454,10 Kwanzas. Posto este cenário, o cidadão nada mais pode fazer entre escolher o que comer e a aquisição de um livro. E é certo que o estômago vai sempre vencer.

“Escola deve ser lugar de incentivo ao gosto por livros”

Já Chocolate Brás, psicólogo escolar e professor universitário, defende que para além de não existir em Angola uma “política clara do livro e da leitura”, a responsabilidade pela falta do gosto de leitura em Angola deve ser repartida entre a família e a escola. “Se na família existir gente que lê, gente que investe nos livros ao invés de outros bens, isto pode gerar nas crianças o gosto e curiosidade pela leitura”, afirma o educador.

Por outro lado, Brás acrescenta que a escola deve ser um local de incentivo ao gosto pelos livros através da realização de feiras e outras “pequenas” acções, lamentando que na realidade angolana “não há iniciativas por parte das escolas para o fomento do gosto pela leitura”. “Os professores arrumam um conjunto de informação da Internet.