“Em breve apresentaremos o chocolate feito com cacau de cabinda”

“Em breve apresentaremos o chocolate feito com cacau de cabinda”

Senhor governador Marcos Nhunga parece-me que está muito apostado no sector agrícola na província que governa. Já se pode falar em auto-suficiência alimentar?

É, claramente, nossa intenção. Deixa-me dizer-lhe que Cabinda já é autossuficiente em termos daquilo que é a base alimentar da sua população mormente a banana, a mandioca, amendoim, etc. e etc… A única coisa em que a província ainda tem défice em termos da base alimentar das suas populações é o feijão. Infelizmente, na região só se produz uma vez durante a época conhecida como cacimbo. O nosso trabalho vai no sentido de fazermos com que também na época chuvosa, assim como acontece em outras regiões do país, aqui se possa produzir o feijão.

Agora o nosso maior défice de facto tem a ver com a proteína animal.

Temos défice grande na produção pecuária, principalmente naquilo que é a base alimentar. Não temos a suinicultura, a ciprinicultura, a avicultura a piscicultura e bovinicultura. É nisto que estamos concentrados, promovendo a produção pecuária ao nível da nossa província.

Há projectos concretos senhor governador?

Temos muitos projectos. O primeiro está a ligar a avicultura familiar assente no apoio a antigos militares no quadro do combate a pobreza. Temos um projecto grande que tem a ver com a cadeia de valor onde para além das culturas alimentares, das fruteiras e culturas comerciais, estamos apostados na componente pecuária, desenvolvendo para além da vinicultura, a suinicultura e a caprinocultura, mas estamos apenas a dar os primeiros passos e devemos ter paciência na busca de resultados.

É no âmbito desta grande aposta que a província terá introduzido novidades como a cultura do cacau?

Até porque este é um programa que já vimos fazendo de algum tempo a esta parte, era eu ainda ministro da Agricultura. Deverá saber que Cabinda é das poucas, senão a única parcela nacional, que tinha no tempo colonial uma expressão muito grande na produção desta cultura do cacau. Infelizmente, esta cultura no passado era um privilégio mais ou menos exclusivo das fazendas dos latifúndios e não uma cultura disseminada no seio da produção familiar. Portanto, os autóctones não a praticavam. Não podemos perder de vista que cacau é uma cultura de grande abrangência e tem uma palavra a dizer até na obtenção de divisas. Portanto, decidimos apostar nela promovendo o seu ressurgimento e levamos já cerca de dois anos deste projecto e agora iniciamos a colheita dos primeiros resultados…

Há resultados bons?

Muito bons! Introduzimos a cultura do cacau ao nível familiar e, neste momento, contamos com pessoas que cultivam 10 a 15 hectares que somados representam uma boa franja. Se conseguirmos fazer com que mais famílias, senão todas, se juntem a este projecto estaremos em breve a ultrapassar os resultados conseguidos no tempo colonial.

Os resultados podem ser já estimados em toneladas?

Não tanto assim (…) Mas temos alguma coisa já colhida e estamos animados.

Sendo assim, quem será o cliente? Não divisivo ao nível do mercado nacional algum cliente em concreto.

Olha, felizmente para os produtores de Cabinda já tivemos aqui empresários holandeses e, em jeito de amostra, já produziram o primeiro chocolate com o cacau de Angola saído de Cabinda. Anuncio que nos próximos dias teremos o prazer de colocá-lo no mercado nacional. A empresa interessada, tão logo termine o problema que estamos a viver (Covid-19) virá instalar-se em Cabinda e é ela que vai encarregar- se da comercialização, financiamento e assistência técnica na produção do cacau de Cabinda por considerarem o produto de muito boa qualidade.

Voltemos à proteína de origem animal que referiu há instantes. E o mar não oferece nada? A província tem uma grande orla marítima…

Sim, temos um litoral de mais de 100 quilómetros e com um potencial enorme em termos de pescado e isso é que tem ajudado a equilibrar o défice de proteína de origem animal na dieta alimentar das populações de Cabinda. Devemos reconhecer que, em termos de pescado, não temos muitos problemas. O que queremos neste aspecto concreto é organizar melhor o sistema de conservação e comercialização do produto.

As nossas famílias que praticam a pesca têm muitas dificuldades que se consubstanciam em perdas enormes, porque chega o pescado e é vendido a preços baixos a parceiros que depois vão revender em condições mais vantajosas. Temos poucas instalações para a conservação e valorização do pescado. O pensamento que temos e existe um projecto concreto inscrito no PIIM e no de “cadeia de valor”. Trata-se da construção de câmaras de conservação do pescado ao nível da zona costeira assim como a estruturação do mercado de peixe com a inserção das nossas comunidades.

Mas volta e meia ouvimos falar de conflitos com o sector de produção petrolífera. Senhor governador, os pescadores queixam-se muito, por exemplo, de derrames petroleiros?

Também é verdade, mas não consideramos isso um conflito ou contradição. Os dois sectores podem conviver em harmonia. Os derrames interferem muito na actividade pesqueira, essencialmente atingindo os artefactos de pesca que são profundamente afectados pelo crude derramado, provocando prejuízos aos pescadores, mas estamos a trabalhar no sentido de que sempre que este tipo de problema ocorra as comunidades e as empresas petrolíferas cheguem a um entendimento. Uma das coisas que estamos a fazer é dotar os pescadores de unidades motorizadas que possam fazer com que eles pratiquem a sua actividade um pouco mais longe e afastados das sondas, evitando a que exerçam a sua actividade nas proximidades das plataformas petrolíferas que até representam um perigo enorme à integridade física dos pescadores.

Também se pode presumir que o peixe destas imediações não deve ser muito saudável?

Não tanto por este motivo. Na verdade, há uma grande concentração de cardumes de peixe em torno das plataformas petrolíferas e isso atrai o pescador. Mas no interesse de uns e de outros temos de encontrar um meio-termo fazendo com que as duas actividades prossigam, porque são fundamentais para a província.

Senhor governador falou em auto- suficiência de alguns produtos. Daqui a pouco vai colocar-se a questão do excedente. Vender para o resto do país, particularmente para zonas necessitadas, devia ser o caminho, mas a condição natural de enclave da província faz com que seja mais fácil vender para os dois Congos. Como é que olha para esta dificuldade?

Sim, disse e bem. O nosso excedente abastece principalmente os dois Congos. Principalmente, em termos de banana e mandioca, particularmente, para as regiões de Ponta Negra e Kuiló. Entretanto, achamos que isso não é um problema para nós, o principal elemento a atacar é a transformação. A industrialização, por si só, faz com que a produção valorize entre 10 e 15%. Não podemos continuar a ver o produtor como o homem que deve subir num camião e deslocar-se a Ponta Negra vender e depois voltar com todos os riscos decorrentes deste processo. Temos de criar uma cadeia onde intervém o produtor, o comprador, o processador e por aí em diante. Temos como opção a entrada do excedente da produção na merenda escolar, evitando desta forma a importação de produtos. Deve saber que a agricultura de Cabinda é muito saudável, porque usa em pequena escala, apenas na horticultura, os pesticidas e adubos. Temos, portanto, um produto quase natural e o grande interesse nele.

Mas a industrialização passa por boa infraestrutura onde se inclui a água e a electricidade, para não mencionar estradas. Como andam as coisas?

É verdade, energia e água ainda é uma grande dor de cabeça. Estamos a buscar soluções agora com o PIIM principalmente em termos de água. Não podemos continuar a ver as populações dependentes dos rios onde buscam água bruta, principalmente fora das sedes municipais onde o problema está minimizado. Temos estado a olhar para as soluções de furos que abundam na região Sul como uma boa alternativa mas, o nosso problema em Cabinda são os preços praticados. Por exemplo, as poucas empresas que existem no mercado local fazem o furo de água a 27 a 40 milhões de Kwanzas pelo que não há bolso que aguente tais preços. Estamos a apelar a que as empresas do ramo se façam representar em Cabinda para poderem também oferecer preços como os praticados noutras regiões do resto do país, onde o furo custa qualquer coisa como 4 a 5 milhões de Kwanzas.

Relativamente à energia, idem. Nas sedes municipais temos o problema mais ou menos resolvido e os nossos problemas começam nas comunas, aldeias e bairros. No quadro do PIIM propusemos alternativas como sistemas solares. Estamos a prever a chegada de kits domésticos com a capacidade de acende 8 lâmpadas e alguns electrodomésticos que podem ajudar a minimizar o problema.

Cabinda, para ter a questão energética resolvida, precisa de cerca de 450 a 500 MW. Neste momento temos ao nível da central do Malembo 150MW com auxílio das turbinas a gaz e a diesel, e alguns grupos térmicos nas sedes municipais e mais 100 MW que nos chegarão de Ponta Negra. Pela via de um financiamento japonês, o MINEA está a providenciar 100MW em sistema solar e mais 180 a 200 MW com turbinas. Se somar há-de ver que só assim vamos mitigar o défice energético da província.

Só assim chegaria o boom na produção agrícola e a industrialização?

Sem dúvida. Com este potencial é possível pensar em pequenas indústria de café e cacau ao nível dos municípios, unidades de processamento e transformação de produtos do campo, como a banana, a transformação da mandioca em fuba e em farinha, etc… Veja que, apesar da auto-suficiência em termos de mandioca, Cabinda não consome em grande escala a fuba de bombó. Uma vez transformada pode ser exportada para os Congos, com valor agregado e para o resto do país, só para citar este caso.

Como chegaria ao resto do país onde há mercado, por exemplo, para a fuba de bombó? Já pensou nisso, atendendo que a ponte aérea não deve ser a melhor solução?

Esta em curso um projecto para resolver o problema do “quebramar” da ponte cais de Cabinda. Não sei se sabe que o problema do mar de Cabinda são as calemas e a situação da descontinuidade do território. Para ter uma ideia, os preços dos produtos da cesta básica custam o triplo do valor praticado no resto do país. Tudo devido à nossa dependência, essencialmente, da via aérea. Não é fácil resolver isso. Graças à vontade do Governo central que concebeu um projecto para minimizar as calemas que, via de regra, obrigam os barcos com produtos a aguardarem ao largo de entre horas a dias à espera de uma oportunidade para atracar. No tempo colonial chegamos a ter aqui um porto franco e o pessoal vinha aqui fazer compras. A situação foi invertida devido à bravura do mar. Felizmente, este sistema de “quebra mar” depois de pronto vai permitir atracagem normal dos navios e logo o manuseio da mercadoria, tanto a que chega quanto a que é enviada. Este projecto está a meio (50%) e estamos esperançosos que até ao próximo ano poderemos ter esta solução operacionalizada e ali respiraremos de alívio na ordem dos 50 a 60% das nossas necessidades.

Consequentemente, o Governo adquiriu ferry-boats para apoiar a província, fazendo com que ela não fique refém da via aérea, enquanto se espera que se resolva a ponte entre a província do Zaire e a região de Banana passando pelo território da RDC

Finalmente, apesar de a nossa conversa ter tido o acento sobre a economia não posso deixar de lhe fazer esta pergunta. Como se sente e o que diz de comentários e noticias sobre instabilidade em Cabinda?

Vou-lhe fazer uma revelação: em Cabinda o trabalho é maior do que o que tive estando no Governo central. Tive de readaptar-me. Sendo filho da terra e conhecendo bem a realidade de Cabinda, apesar de ter estado fora da província, por muito tempo, sinto que estou a fazer este processo de readaptação muito bem. Há uma sensibilidade no seio das comunidades, e como vim cá para servir este povo que me viu nascer e crescer, estou concentrado a tentar deixar algum trabalho feito, naturalmente com o apoio das estruturas centrais.

É como dizer: esta animado?

Muito animado. Não podemos perder o foco e as redes sociais são um bom elemento para nos desfocarmos na missão. O caminho é para frente, e tudo temos de fazer passo a passo, ou seja, caminhando. Os que pensam o contrário são livres de pensar daquela maneira, porque até estamos em democracia. Para mim, mais do que pensar e criticar, todos devíamos nos pôr a caminhar pelo mesmo trilho e fazer com que a situação da província melhore. Gostaríamos que viesses cá no pós-Covid-19 e constatar o que estamos a fazer com o apoio do Governo central e consequentemente a satisfação muito grande que estamos a ter ao trabalhar em Cabinda. Obrigado.