Mingo

Mingo

Eu tinha o carro completamente sujo por fora, uma obrigação institucional em Luanda, talvez no país todo, agora que cortaram as cortinas de árvores que protegiam as cidades do vento e da poeira. Também se massacrou os jardins e parques, só para mostrar trabalho bem feito. Não há carro que se mantenha limpo na sua chaparia por três dias, é impossível. Então resolvi pôr o carro a lavar.

As estações de serviço estão abertas, completamente imunes ao estado de emergência, e recebem polícias todos os dias, com os seus carros para lavar. Fui a uma delas.

O Mingo era o jovem que sobressaia, parecia mais citadino do que todos os outros vindos do Quipungo, que mal se expressam em português e que não sabem apontar no mapa a sua terá de origem. Ganham mal e mal se alimentam. Não me atrevi a perguntar onde moram. Lavam carros o dia todo de todos os dias, sem Domingo, sem feriado. São máquinas.

Reparei no Mingo. Bom corte de cabelo, chinelos, bermudas de ganga, camisola parte-os- cornos e sobre ela uma pasta pendurada a tira-colo, para recolha dos pagamentos. O dono no bar que não fechou, a vigiar, a ele e aos meninos que vendem hambúrgueres e bebidas com uma lentidão estudada.

Mingo recebe as chaves dos clientes e sobe a rampa com os carros, e desce e os põe na placa para os acabamentos, aspiração, passagem de pano para secar.

Todos os dias Mingo guia dezenas de carros, de todas as marcas e gamas. Não há modelo que ainda não tenha guiado, em cinquenta metros, um luxo que termina com a chegada da noite, hora de se recolher com os colegas, o mesmo funje com um conduto mitigado e a cama partilhada no chão de um casebre a que chamam de Quipungo. Eles trouxeram a terra consigo. E também a pobreza.