“Os escritores ainda não estão a ocupar o seu verdadeiro papel”

“Os escritores ainda não estão a ocupar o seu verdadeiro papel”

O mundo hoje vive o caos sanitário da Covid-19, e como tal vários sectores foram afectados e a indústria livreira não foge à regra. De que forma em particular a Editora Viana sentiu-se afectada?

Vimo-nos afectados, porque há um número reduzido de escritores e autores a editarem as suas obras literárias resultado da pandemia que o mundo enfrenta, pois, as regras de prevenção proíbem o aglomerado de pessoas e, assim sendo, as apresentações de livros ficam temporariamente suspensas. Por outro lado, as pessoas estão muito mais interessadas em satisfazerem as necessidades básicas e reduzir custos, e esta baixa de escritores para editarem as suas obras traduz-se num saldo negativo para a indústria editorial seja para as editoras, gráficas e distribuidoras de livros, porque há uma interdependência entre estes segmentos.

A Venda digital foi uma saída? De que forma puderam usar esse recurso tecnológico e que benefícios alcançaram uma vez que as livrarias físicas estão fechadas?

Para ser sincero, ainda não estamos a realizar vendas online, estamos a estudar a maneira mais viável para que isto seja feito, daí, a necessidade de os engenheiros Informáticos e programadores ajudarem as editoras e outras companhias a desenvolverem lojas online para que as vendas possam ser realizadas e com toda segurança. A venda online ainda é um grande desafio para a nossa realidade, mas com esta pandemia, muita criatividade haverá no mercado e, certamente, as coisas começarão a funcionar. Nesta altura, estamos a fazer entregas ao domicílio, claro, respeitando as regras de prevenção da Covid-19, em princípio esta foi a primeira ideia que nos ocorreu para continuar a levar o conhecimento aos nossos leitores.

De que forma têm promovido os escritores associados à vossa editora? Quantos escritores têm?

A Viana Editora conta com um departamento de marketing e a nossa visão é de um marketing 360º, inclusivo. Divulgamos através das redes sociais e outros canais de comunicação. Para alguns autores que tenham disponibilidade sugerimos sempre a realização de palestras, publicação de artigos em jornais, participação em debates radiofónicos e televisivos com o objectivo de promover não só o livro, mas também a imagem do próprio autor. Diferente de uma produtora ou uma agência musical, que deve ter alguns artistas, a Viana Editora não tem um aglomerado de escritores e autores, prestamos serviço no sector editorial e temos alguns escritores e autores já fidelizados, como se diz, filhos da casa.

Qual é a opinião da editora relativamente à discussão sobre a atribuição da carteira profissional aos escritores?

Na verdade, escritor é uma profissão como outra qualquer e deve merecer uma atenção especial, e esta discussão devia começar na catedral das letras que é a União dos Escritores Angolanos.

Qual seria a estratégia para que tal se efectivasse?

Para que a carteira do escritor e autor se efective é necessário uma reforma na União dos Escritores Angolanos, precisamos criar uma UEA inclusiva.

Como assim?

Precisamos criar o estatuto do escritor e fazer com que esta figura seja valorizada e dignificada. É lamentável quando assistimos aos nossos filmes sem qualidade alguma no enredo, isto acontece porque os realizadores não lêem e não compram textos que possam ser adaptados ao cinema, e se comprassem tais textos, muitos escritores dedicar-se-iam a tempo integral.

Mesmo sendo a leitura ferramenta de trabalho destes profissionais a leitura ainda é um “nado morto”?

Não cai bem para um pais onde a maior parte dedica-se ao exercício da palavras e temos poucas séries e telenovelas produzidas, canções sem conteúdos enfim, mas uma vez isto acontece porque os escritores ainda não estão a ocupar o seu verdadeiro papel, daí a grande necessidade de se reformular a UEA e criar o Estatuto do Escritor, e, consequentemente, a sua carteira. Por outro lado, devemos exigir um pouco mais do escritor para que haja diferença.

Qual seria a efectivação prática daquilo que propõe?

Ora veja, há toda a necessidade de haver uma reformulação da UEA, que seja mais inclusiva como referi anteriormente, e esse estatuto tem de vir espelhado qual o verdadeiro papel do escritor.

Mas é possível em Angola que o escritor viva apenas deste ofício?

Como será possível se temos um país em que se produz uma novela em cada dez anos. O escritor tem um papel fundamental na sociedade que não seja exclusivamente a escrita de livros.

O que mais pode fazer?

Pode escrever o enredo de um filme, de uma telenovela, pode ajudar na composição de uma música. Se quisermos evoluir para o estágio de que o escritor viva realmente da escrita, devemos dar trabalho a esses escritores. Porque senão, e como ouvi de escritores de outra geração é que em Angola não é possível viver da escrita, pois escrevem um livro a cada três anos e nesse período aguardam para que mil ou dois mil livros sejam vendidos. Desse modo não é possível.