“Nunca sonhei ser Bispo. Deus pregou-me uma partida”

“Nunca sonhei ser Bispo. Deus pregou-me uma partida”

Sr. Bispo, o seu percurso foi marcado em curto espaço de tempo por passagens de estudante à militar, regente agrícola e padre. Foram transposições muito radicais…  

Hoje eu dou conta de que Deus me proporcionou para me entregar ao serviço dos meus irmãos, angolanos sobretudo, porque nós somos cidadãos do mundo. Eu dei conta que Deus me preparou para esta missão de servir a minha terra, a nossa nação e aos meus irmãos angolanos especialmente. 

E vi que afinal começou de criança. Fez-me sair da minha terra Malange aos 17 anos, nunca tinha saído, para Portugal sem conhecer ninguém. Lá fui para casa dos meus padrinhos. Eram padrinhos por procuração. Receberam-me muito bem, embora já fossem de certa idade. Tive a primeira experiência de viver fora da família e da terra. Era tudo novidade de pessoas, da maneira de ser de Portugal, tudo diferente da nossa aqui. 

Depois, fiz o 6º ano. O meu 7º ano foi já em Tomar, visto que os meus padrinhos serem idosos e os meus pais acharam melhor não os maçar muito, embora eles fizessem aquilo com muito gosto. E foi ali em Tomar, naquela cidade jardim, com uma beleza extraordinária, que eu, no Castelo dos Templários via os seminaristas a jogar a bola. E lá da janela do Castelo, achei graça e disse que também poderia ir ao seminário (quer dizer são daquelas coisas que agente não dá conta porque só Deus proporciona) e começou o bichinho. Sempre gostei de coisas da igreja e muita gente em Malange dizia “este vai para padre…” e eu dizia sempre que não, aliás uma das coisas que gostava mais era dançar. Nunca faltava aos bailes e um padre nunca pode ir aos bailes. E dizia às pessoas que não servia para padre. Mas depois o bichinho tocou forte e mandei avisar os meus pais em Angola que ‘quero ir para o seminário’… 

E qual foi a reacção dos seus pais?  

Não concordaram. Mandaram dizer que se quisesse ir quando era miúdo, tudo bem. Agora a gente é pobre. Já gastamos tanto, estás aí a estudar, tens que aguentar para vir nos ajudar. Nós não concordamos. Fiquei um pouco atrapalhado. Fui ter com um padre bom que era director espiritual e expliquei. E ele me disse: ser padre é bom, mas a gente não sabe quando é que Deus escolhe quem quer ser padre. Mas uma coisa é certa, na nossa lei devemos obedecer aos nossos pais. Eu acho na minha opinião, dizia ele, tu deves obedecer aos teus pais. Se eles não querem, tu não vais e se Deus quiser que sejas padre vai arranjar uma maneira. Deixa isso nas mãos de Deus, mas não vais contra a ideia dos teus pais. E pronto, aceitei. Mandei dizer aos meus pais que estava tudo bem, mas a minha condição era de não fazer o curso que eles queriam. Vou fazer o curso que encontrar aqui em Portugal que seja o mais rápido para poder voltar a Angola e ajuda-los. E eles se calaram. E o curso mais rápidos que encontrei era de regente agrícola, porque eu já tinha o 7º ano de escolaridade e não tinha que fazer mais disciplinas normais. Era só as técnicas de agricultura. E fui para a Escola Agrícola de Santarém e fiquei três anos. 

Hoje compreendo assim: outra maneira que Deus me guiou para preparar o meu futuro sacerdócio, foi o contacto com a natureza. Saber o que é uma semente, como se reproduz, as maravilhas que a gente vê, a água, tudo que faz parte da natureza, etc. Foi uma educação que levei para esta minha missão. 

Gostei do curso e quando estava entusiasmado para regressar à Angola para trabalhar, tinha idade para a tropa. Não me deixaram embarcar. Fiz a inspecção e quando saiu o papel para a tropa foi outra machadada. Porque todos os meus colegas da Escola Agrícola iam para Cavalaria, porque nós aprendíamos equitação. E a minha guia era para os Serviços de Saúde. Meus Deus!!! Eu não gosto de injecções. Não gosto de hospitais. Na escola não apreendi nada disso porque é que me mandam para saúde? Fui lá ainda reclamar mas em vão. Quando acabei a recruta colocaram-me no Hospital Militar Principal de Lisboa, na Estrela. Quando cumpri o tempo do serviço militar regressei à Angola de barco… 

Neste regresso continuou na vida militar?  

Não. Os meus pais procuraram-me emprego para Regente Agrícola e o mais próximo que havia era na Colónia Penal da Damba, a 40 quilómetros de Malange. Vejam lá, outra machadada mais que nunca passou pela minha cabeça, ir trabalhar e conviver com presos. Muitos deles maus, extremamente perigosos, lidar com verdadeiros assassinos. Gente má, má que fazia mal sem necessidade. Encontrei lá duas mulheres condenadas que eram antropófagas. Tinham comido a mãe… Era regente sim, a trabalhar no campo com culturas, gado, fazer queijo, manteiga, etc. Mas lidar com presos! E foi mais esta experiência que Deus me fez passar. 

Mas a par disto tudo, encontrei gente que eram autênticos santos. Homens que estavam lá a cumprir penas sem ter feito mal a ninguém. Resumindo, aquilo de passar por gente de toda espécie, foi uma experiência para a minha vida futura. 

Quanto tempo permaneceu na Penitenciária da Damba? 

Foram três anos. E neste período aconteceu uma coisa interessante. A Santa Sé criou a Diocese de Malange, que antes dependia da Arquidiocese de Luanda. E mandou o primeiro Bispo, que foi o Dom Manuel Nunes Gabriel. E ele queria visitar tudo da Diocese e conhecer a Colónia Penal para dialogar com os reclusos porque de dois em dois meses ia lá um padre de Malange celebrar missa. 

O padre levou a comunicação ao Director da Penitenciária para se preparar os reclusos para a visita do Bispo. O director recebeu o anúncio com muito agrado, mas disse que não entendia nada das coisas da Igreja. E o padre disse que sabia de um regente agrícola que estava na Colónia Penal e que era muito votado à igreja. E mandaram-me chamar se aceitava o desafio de preparar a visita e fi-lo com gosto. Preparei a festa, os rapazes para serem crismados. O Bispo veio e ficou encantado. Quando voltou para Malange chamou o padre e perguntou como era possível aquela festa toda se ele só vai lá de dois em dois meses. E o padre disse ao bispo que não tinha sido ele mas sim aquele rapaz novo regente agrícola. Ele até gostaria de ser padre, mas os pais não concordam e ele não quer ir contra a vontade dos pais. O Dom Nunes Gabriel foi conversar com os meus pais e convencê-los e só sei que o padre veio ter comigo perguntar se ainda mantinha à vontade e pediume para ir ter com os meus pais. E foi assim que fui para o Seminário. Pus os papéis a renunciar o contrato de regente da Penitenciária e fui estudar para o Seminário dos Olivais, em Portugal onde fiquei seis anos. No último ano fui ordenado Diácono pelo Dom Manuel Gonçalves Cerejeira, Patriarca de Lisboa e depois vim para a minha terra Malange, para ser ordenado padre. Outra graça da minha provação é que durante os seis anos de formação, o Dom Manuel Gabriel deixou de ser Bispo de Malange e foi nomeado pelo Papa como Bispo Coadjutor de Luanda, como ele é que me mandou a Portugal, então teve a graça de me ordenar como primeiro padre de Malange. 

Dez anos depois é ordenado Bispo. Naquele contexto, não foi uma ascensão muito meteórica?  

De certo modo… Não é muito normal. Tanto é que no dia da ordenação os jovens perguntaram ao Bispo Pompeu onde é que iria trabalhar o padre Óscar? E ele respondeu. Olha o padre Óscar vai ser meu secretário no Passo Episcopal. Vai ficar professor de Religião e Moral. Vai ficar Director Espiritual do Seminário de Malange. Vai ficar Capelão do Hospital para celebrar missas para os doentes. Vai ficar com o movimento dos jovens… E estava ao meu lado um Cónego de Lisboa que nasceu em Luanda e perguntou-me: olha lá quantos anos tu vais viver? 

E assim foram os dez anos que passei em Malange como padre. De muito trabalho, alegria e felicidade e ainda fiz lá outras coisas como o escutismo, a juventude vicentina, etc. 

Um dia chegou a surpresa da minha ordenação para Bispo e nomeação pontifical para Benguela. Nunca na minha vida sonhei ser Bispo. Deus faz assim essas partidas. 

E essa experiência de Malange trouxe para Benguela. Apostou nas vocações e na formação que hoje coloca Benguela numa das Dioceses mais prestigiadas do país…  

Foi. Primeiro, entrei aqui antes da Independência, no período de transição em que cada Movimento governava durante um período. No mês que eu entrei era o Lopo do Nascimento que estava a presidir o Governo de Transição. Antes de vir a Benguela fui lá cumprimentá-lo. Passamos aqui as escaramuças. Os três dias de guerra. A ocupação sul-africana. Parecia um cemitério. Mas Benguela enquanto cidade, foi das poucas que sofreu com a guerra. Já no interior o quadro era mais doloroso. Foi mau e terrível. 

E o primeiro problema que identifiquei foi a falta do pessoal missionário. Saíram muitos por causa da guerra. Por isso tive que ir à Espanha, Itália, França, Portugal, México… pedir pessoal. Fui recebido de uma maneira extraordinária para um bispo novo, pouco conhecido e de uma terra em guerra. Mas ninguém veio. Foi tudo muita promessa. 

Apesar da instabilidade, andei pelo interior. Levei a mensagem de que a Independência não é só sermos angolanos. Temos que desenvolver o que é nosso em todos os sectores inclusive na igreja angolana. Fiz equipas de catequistas, um padre, uma madre, começamos a fazer templos de oração, dar formação aos jovens, os resultados começaram a vir e depressa enchi o Seminário Propedêutico, mas depois tinha que mandar para o Huambo. Era muita pressão para o Seminário do Huambo e a solução foi fazer aqui o nosso. E fizemos o Seminário de Filosofia e abrimos outros seminários menores no CubalCaimbambo e Ganda. Como estavam a sair muitos filósofos então abrimos também o Seminário de Teologia. E assim comecei a ter padres. Mas não bastava ter padres, era preciso prepará-los. Comecei a mandálos para fora para virem tomar conta dos Seminários. O primeiro que mandei fora foi o Dom José Nambi, actual bispo do Kuito e o padre Venâncio Branco. Houve um caso em que tive que fechar quase a Paróquia da Caponte para mandar o pároco à formação em Roma, mas valeu a pena. Eu e o padre Francisco Manuel é que tínhamos que ir lá aos Domingos celebrar a missa. Todas as áreas do saber mais necessárias eu mandei estudar. São perto de 80 licenciados e doutorados. E são eles hoje que tomam conta do Seminário e da nossa Universidade Católica em Benguela. 

Encontrei também muitos bons Leigos que prestaram um contributo imensurável. Criamos muitos movimentos que hoje dão suporte à nossa dimensão religiosa. 

Jubilou com 75 anos, mais 2 anos, até a nomeação do Dom Eugénio Dal Corso, com um balanço largamente positivo. Ordenou 3 bispos, cerca de 300 padres e criou 20 novas paróquias…  

Ordenei-os padres e ordenei-os bispos que são o Dom José Nambi do Bié; Dom Mário Lucunde de Menongue e Dom Emílio Sumbolelo do Uíge… 

As pastorais da criança e da família que Benguela organizou com muito impacto social, perderam alguma intensidade. O que se passa?  

A sociedade mudou um pouco. Naquela altura havia muita dificuldade com a guerra e éramos muito motivados por muita coisa. Fui durante muito tempo Presidente da Caritas de Angola e não poderíamos fazer o nosso trabalho de desenvolvimento de forma especial. Tínhamos que fazer um trabalho de assistência, viajar de avião porque era difícil andar de carro. Havia carências e tínhamos que pedir lá fora. Na Alemanha, na Suíça, para dar de comer e vestir. Hoje, graças a Deus, não é preciso, nem a Caritas já consegue fazer o seu trabalho de desenvolvimento. Foram circunstâncias diferentes. 

Quando fui indicado para ser bispo hesitei um pouco porque estava habituado a fazer esse trabalho. Disse, ao responsável, vocês para escolheram mal. Aprendi com os portugueses um ditado que diz que galinha de campo não quer capoeira. E vocês estão a me pôr de bispo eu não quero trabalho de gabinete. E eles disseram não, você como bispo faz o que quer. Pois eu sou homem de campo, de andar. 

De facto, fizemos muitas coisas. Movimentei e os padres aderiram porque eu preparava-os para dizerem sim. Fizemos dois congressos eucarísticos, um congresso missionário, um sínodo diocesano, que levaram anos a preparar. Fizemos jornadas Marianas porque a Diocese de Benguela é uma diocese- mãe. Mãe porque a primeira igreja, a mais antiga de Benguela é a Nossa Senhora do Pópulo. A Catedral foi consagrada como Nª. Srª. De Fátima. Quando se sai de Benguela temos a Nª. Srª. Dos Navegantes. Temos a Nª. Srª. Da Nazaré e ao Norte temos a Nª. Srª. Da Graça. Com a nossa total devoção, então somos uma Diocese Mariana. “Ad gentes” – missionária e eucarística. 

Por isso é que temos perto de 44 padres a trabalharem fora da Diocese (Portugal, Espanha, Itália, Brasil, Guine Bissau, São Tomé e Estados Unidos da América) como missionários. 

E depois a aposta na eucaristia e isso trouxe-nos muitas vocações. Não foi só a Igreja que beneficiou, o país também. Temos governantes (dois ex-ministros) que passaram pelo seminário. Sinto muita alegria de ter contribuído para o desenvolvimento do nosso país. 

Esta alegria, este conforto espiritual o Senhor levou também para o interior da Diocese…  

Estou lembrado que era tido como um homem destemido quando desafiava a instabilidade das estradas para viagens missionarias… 

Graças à Deus nunca parei. Onde havia cristãos eu ia todos os anos. Talvez fosse um pouco imprudente, na nossa maneira humana de falar. Como eu ia com Deus não me preocupava. Muitos perguntavam, mas o Senhor Bispo vai assim… eu dizia só vou morrer no dia que Deus quiser. 

Qual foi o momento mais difícil para si nestas fases todas que viveu o país? 

Foi aproximar os irmãos desavindos do MPLA e da UNITA. Falar com os dirigentes para a reconciliação e minimizar o sofrimento do povo. Foi um momento muito difícil. E uma das maiores dores que tive foi quando atacaram o nosso carro de seminaristas. O nosso seminário aqui não tinha teologia e tinham que fazer no Huambo. O carro foi atacado no Ngola. Uns foram mortos e outros quatro levados para as matas. Despedi-me deles com alegria e fui ao Chongoroi e eles ao Huambo e aquilo aconteceu no Ngola limite entre Benguela e o Huambo. 

Foi terrível. Celebramos uma missa de mártires para eles no Chongoroi. E depois soube que Savimbi os tinha levado à Costa do Marfim. Entre eles havia um padre do Cuanza- Sul, falei com Dom Zacarias Kamwenho (Na altura bispo de Novo Redondo) para irmos à Costa do Marfim, uma vez que o Presidente Felix Houphouet-Boignye era católico. 

Recebeu-nos no Palácio dele. Ofereceu-nos um jantar. Explicamos tudo e ele depois conversou com o Dr. Savimbi. 

No dia seguinte o Dr. Savimbi recebeu-nos na casa dele. Foi muito simpático e explicamos a situação dos seminaristas raptados para a Jamba. Disse que não sabia de nada e que iria apurar para devolve-los imediatamente. Nós não lhe dissemos que sabíamos que os seminaristas estavam em Abidjan. 

No outro dia de manhã o Dr. Savimbi saiu com os seminaristas para Lisboa para serem entregues ao Patriarca de Lisboa. 

E mais uma vez o dedo de Deus abriu caminho. Conseguimos vistos de Portugal no mesmo dia e embarcamos no voo inaugural da rota Abidjan/Lisboa. Por coincidência, encontramos o célebre Padre Oliveira que conheceu os seminaristas na Jamba. Eles acabaram por ficar no seminário dos Olivais a fazer formação até voltarem para Angola. Mas custou-me muito a morte dos seminaristas naquela emboscada. 

Como é que o Sr. se sentiu quando foi convidado pelo Vaticano para dar na Santa Sé uma prelecção aos bispos do mundo sobre os sucessos de uma boa administração diocesana? 

Senti-me muito atrapalhado. Não percebi de princípio porquê que tinha que ser eu. Eu não tenho formação académica específica. Não sou doutorado em nada. E disse ao nosso Prefeito o que vou dizer à todos esses Cardiais, Bispos e Académicos? Ele disse-me a gente quer que o Sr. diga como é que trabalhou, não nos interessa mais nada. Então, na minha prelecção expliquei à plateia tudo o que a gente faz aqui. Disse que não era eu, mas sim Deus, que comanda tudo. Vocês que estão mesmo aqui têm muito mais qualidades académicas que eu, mas nós somos instrumentos de Deus. Agora, temos que ser instrumentos dóceis e com cabeça para dar uma boa horta, uma boa seara. 

Foi uma hora difícil para mim. Tentei aqui com o Núncio para não ir mas não tive como. 

Que avaliação faz dos nossos valores morais e cívicos, numa altura em que imperam muitas indignidades na nossa sociedade?  

Embora a gente tenha progredido muito na educação, a cultura não corresponde aos níveis dos cursos que são ministrados. Tenho a impressão que há uma falha muito grande e grave. Temos mais gente nas escolas, sim senhor, temos também muita gente sem escolas. É preciso rever isso. No aspecto moral perdemos muitos valores que já tínhamos. Muitos. E vejo ganharem-se maneiras de ser que não são de valor moral. 

Temos boa juventude e muitos pais não sabem educar os seus filhos. O valor grande que se está a perder é o da família. A gente hoje não vê famílias bem constituídas em que cada membro sabe do outro. Ajudam- se. Conversam. Temos que voltar a insistir nisto. As famílias já não são como deveriam ser. Conheço famílias que se sacrificaram no estudo dos filhos, são doutores mas os pais não sabiam ler nem escrever… 

E o papel das igrejas não poderia ser mais interventivo na inversão disto?  

A igreja luta para conseguir isso. Por isso é que temos a formação dos casais, a formação de noivos, mas sabe que hoje as pessoas só querem se juntar. É raro os que se querem casar, mesmo no civil, não digo pela igreja, que é o mais difícil. Dizem: vamos experimentar. 

Então, casamento é experimentar como um carro? Isso é falta de responsabilidade. Está uma degradação moral na constituição das famílias. 

Esta degradação desemboca também na pedofilia, homossexualidade, tráfico de mulheres e crianças…  

Vem tudo atrás. Quando a gente começa a resvalar… é só prazer do sexo e não se importa se é criança, não se interessa desde que se sinta satisfeita como animal, mas nós não somos animais vulgares, somos racionais. Isso tem que mudar, apesar de reconhecer que as sociedades têm sido cíclicas em termos de valores morais, ora estão em baixo, ora estão em cima. Vejam o exemplo de Sarkozy, um ex-Presidente de uma nação com séculos de formação passar por esta pouca vergonha. Eu até duvido que seja verdade o que dizem dele. 

A proliferação de ceitas religiosas é um mal que belisca os nossos valores culturais pelo tipo de mensagens que estas ceitas transmitem. O que é que se pode aconselhar ao Estado na definição das suas políticas? 

Este assunto é muito importante e eu por vezes tenho receio de falar para não ser mal julgado. Eu nasci e cresci católico, mas convivia com os protestantes. Aprendi a tocar piano com a filha de um pastor protestante. As missionárias da América que vinham para ensinar costura e outras coisas na Missão do Quéssua passavam mês e meio na casa dos meus pais a aprender português. 

Hoje estão a autorizar ceitas, nem são igrejas, são ceitas que não têm fundamento nenhum. Não sabem como e onde nascem. Hoje um pastor que tem desentendimento com o outro sai e cria uma outra ceita e dá um nome que não tem pé nem cabeça. Um dia vamos ter desgraças. 

Há dois fenómenos que emergem com muita preocupação, o Boko Haram na Nigéria e o Califado no Iraque. Qual é a sua leitura? 

Isto é política encoberta pela religião. Sabe que pela religião é fácil levar as pessoas mesmo sem conhecimento porque todos acreditam em alguma coisa desde a antiguidade. E através da religião eles querem atingir objectivos políticos. 

Nós aqui somos livres, mas deixamos entrar muitas ceitas. Em muitos países já estão a ver isso e nós aqui? Alguém tem que ver isso. O Presidente não pode ver tudo, tem gente que trabalha que deve ver isso pelo bem da nossa cultura e da nossa liberdade. 

Nestas suas bodas de ouro, uma mensagem à igreja de Benguela e ao povo angolano que muito lhe admira.  

Que cada um saiba sempre aproveitar e desenvolver as capacidades que Deus põem em si. Para que a nossa terra Angola seja aquilo que Deus quer, uma terra grande, não para se envaidecer, mas grande pelo benefício que trás através do seu trabalho, das suas capacidades tornando feliz este povo e no conceito das nações tornar a nossa terra respeitada. 

Na igreja, os nossos cristãos que continuem a confiar ao Deus que nos salvou. Deus já provou que nos ama e que saibamos ser cristãos comprometidos. E que os sacerdotes sejam uma família autêntica. Foi esta a minha luta desde os tempos de padre em Malange. 

*Entrevista concedida ao extinto Semanário Agora, há seis anos. 

Lilas Oriov