“Indústria alimentar debate-se com pagamentos internacionais”

“Indústria alimentar debate-se com pagamentos internacionais”

No quadro actual, como é que está o sector da indústria alimentar face à Covid-19?

Como o resto de todas as actividades no país, com as restrições que a situação impõe, sendo que o mais importante é a preservação da vida humana. É vital que num período de pandemia, a cadeia de distribuição alimentar não deixe de desempenhar o seu papel.

E no caso concreto da vossa indústria?

No caso da nossa indústria, como dependemos ainda da importação de matérias-primas e subsidiárias, por insuficiência de oferta interna, fomos afectados com as dificuldades na importação e pagamentos internacionais.

Caso a situação da Covid-19 se mantiver ainda por mais tempo, há receio que a indústria transformadora venha a sofrer alguma “metamorfose” para mantê-la funcional.

A metamorfose é uma situação evolutiva (quando é natural), julgo que neste caso teremos que falar mais de uma adaptação. O nosso contexto nacional é muito específico.

O que é que vão adaptar concretamente?

Teremos que readaptar estratégias, perceber as necessidades do mercado, entender para onde caminha o poder de compra da nossa sociedade.

Esta adaptação é para sobreviver, certo?

Para sobreviver teremos que nos adaptar, sendo o nosso maior receio a escassez das matérias-primas, quer no mercado internacional quer no mercado nacional, porque a pandemia é global e o fecho dos países tem provocado profundas modificações na produção e na logística dos transportes.

Como é gerir uma cadeia alimentar, nessas circunstâncias que o país está a atravessar em termos de recessão económica associada à Covid-19?

Na verdade, o segredo é a nossa resiliência e o acreditarmos na inevitabilidade da necessidade de uma indústria nacional forte e diversificada. A realidade não é cor-de-rosa, pois deparamo-nos, com uma série de problemas que, a bem da verdade, desanimam o industrial, como por exemplo a flutuação quase permanente da taxa de câmbio, o excesso de burocracia para importação das matérias-primas, as dificuldades nos pagamentos internacionais, para referir o essencial.

O senhor é proprietário de uma fábrica de charcutaria na Zona Económica Especial Luanda- Bengo, como está o seu funcionamento?

Lamentavelmente estamos parados temporariamente, por falta de matéria-prima, resultado, como referi acima, do excesso de burocracia na importação dos insumos da indústria o que, como podem calcular, não nos permite uma produção com custos eficientes. Neste contexto é difícil competir com os produtos importados. Fazemo-lo, com sacrifício das nossas margens de lucro.

Foi um investimento de mais de quatro milhões de dólares, está a corresponder às expectativas?

Eu diria que sim, porque o nosso produto foi bem aceite no mercado nacional, não oferecendo qualquer problema a colocação (venda) de toda a nossa produção. Naturalmente poderíamos estar com um outro nível de actividade, se não fossem as causas que atrás enumerei, porque nós acreditamos na indústria nacional, assim como o nosso projecto. Tudo o que nós produzimos faz parte da dieta alimentar dos angolanos.

Além do chouriço, cuja produção varia entre 300 e 350 mil unidades/ mês, perfazendo um total de 50 toneladas/ mês, quais são os outros produtos que a fábrica produz?

Para além dos chouriços correntes, extra, picante e morcelas, que perfazem as cerca de trezentas mil unidades mês, também produzimos o bacon e o salpicão, bem como a carne salgada (suína).

Está satisfeito com esse nível de produção, apesar do actual momento que o país vive?

Eu diria que não. Porque com os constrangimentos que vamos tendo de forma constante, associados aos problemas já acima referidos, não conseguimos atingir a nossa capacidade mensal de produção, o que nos causa profunda frustração, porque sabemos que temos essa capacidade disponível e de que, tudo o que produzimos, é insuficiente para as necessidades de consumo de Angola.

Tem produtos para todos os gostos e bolsos?

Sim. Por exemplo queremos que o nosso chouriço corrente faça parte da cesta básica dos angolanos, porque, como já disse em outras ocasiões, vivenciando-o na 1ª pessoa: “com meio pacote de massa e meio chouriço faz-se uma refeição”. Na diversidade da nossa oferta de enchidos, temos pois, produto para todos os gostos e bolsos.

O senhor tem também um projecto de suinicultura. Em que pé está?

Temos sim um projecto de suinicultura intensiva há algum tempo. Já apresentámos esse projecto à banca nacional, sem ter obtido qualquer resposta, estando neste momento, ao abrigo do PAC, a prepararmo-nos para submeter à banca, um pedido de financiamento, no âmbito do alongamento do nosso posicionamento na fileira da carne de suíno.

É uma actividade que deve ser estimulada?

Acreditamos que a suinicultura é uma actividade que deve ser estimulada e apadrinhada, porque ela poderá contribuir, significativamente, no aporte de proteína animal à dieta alimentar das nossas populações, assegurando igualmente o fluxo de insumos às agro-indústrias situadas a jusante da cadeia de valor, como é o caso da nossa indústria de enchidos.

Augura por melhores dias para economia angolana após à Covid- 19?

Auguro sim. Os momentos de dificuldade trazem-nos sempre importante aprendizagem. Já dizia o filósofo, que a necessidade aguça o engenho. Entendo que houve um despertar de consciências e de que estamos todos cientes de que, não há nenhum futuro, no nosso modelo económico de quase totalidade de dependência de um só produto, pertencente a um mercado volátil, como a presente crise bem o demonstrou. Diversificar a economia, não pode ser um slogan. Diversificar a economia é um imperativo da política económica nacional. Julgo que a actual crise pandémica deixou isso bem visível para todos.