Confinamento social em função da Covid-19

Confinamento social em função da Covid-19

O homem é por natureza um ser social, o seu instinto gregário, impulsiona-o a realizar as suas actividades em grupo, estabelecer e desenvolver vínculos afectivos, criar novos laços de amizade, quer no local de trabalho, grupo religioso, desportivo, no seu bairro e outras formas de ajuntamento social. O surgimento da COVID-19 obrigou o governo angolano, a decretar o primeiro estado de emergência e agora, decretado o estado de calamidade, impondo medidas restritivas de mobilidade e isolamento ou afastamento físico, bem como a suspensão temporária de alguns direitos constitucionais dos cidadãos.

Assim, terminologias como: confinamento social, isolamento social, quarentena, vão penetrando cada vez mais no léxico dos angolanos, em vários círculos ou estratos sociais. Não nos interessa mergulharmos nos meandros da COVID-19, uma vez que vários entendidos na matéria têm prestado os devidos esclarecimentos com as competências que lhes são reconhecidos.

Assim, vamos procurar dar uma definição objectiva sobre o isolamento social, como o acto de separar um indivíduo ou um grupo, do convívio com o restante da sociedade. Esse isolamento pode  ser voluntário ou não. Quando há uma força maior, seja imposta pelo governo, seja por uma situação de guerra ou pandemia, ou até mesmo um toque de recolher provocado pela violência urbana, o isolamento é forçado, como neste momento a nossa realidade, com vista a salvaguarda da vida humana.

Para os mais atentos, puderam perceber que a OMS levou algum tempo para declarar como pandemia, a COVID-19, pois que o vírus em causa, não tinha trespassado as fronteiras de outros países nem tão pouco de outros continentes. Com o evoluir da propagação do vírus, a OMS decretou como pandemia, obrigando aos governos e seus líderes, a imposição do afastamento ou o isolamento social, ou seja, os governos tiveram que impor a quarentena e o distanciamento social, que actua por meio da restrição do contacto físico, da actividade comercial, encerramento das instituições escolares, restrições na utilização do transporte público e privado, culto religioso, actividades desportivas, recreactivas, dentre outras medidas.

Neste sentido, em função da COVID-19, os cidadãos estão a receber informações por excesso sobre contágios, mortes, crises económicas, desempregos, dificuldades financeiras, em consequência das medidas que os governos tiveram que adoptar. Assim, o isolamento social que as pessoas estão submetidas, pode acarretar doenças do fórum psicológico. Nesta perpectiva, algumas pessoas estão a desenvolver transtornos de ansiedade social, transtornos obsessivos compulsivos, stress, e alguns profissionais, já estão eventualmente a adquirir a síndrome de burnout, principalmente ao nível do pessoal médico e demais, em decorrência da envolvência dos mesmos na luta contra esta pandemia, por medo de se contaminarem e de contaminarem os seus familiares, por outro lado, pela intensidade do trabalho levado ao cabo no tratamento dos pacientes acometidos com a COVID-19.

Por outro lado, verifica-se que grande parte das pessoas que formam os núcleos familiares, não estão habituadas a uma convivência tão próxima e prolongada, como à que estão sujeitas actualmente. Porque na verdade, na vida moderna, a convivência familiar é menos frequente e por tempo mais curto. Assim, com a consequência da pandemia, estamos a aprender a passar juntos mais tempo, anos descobrirmos e auto-avaliar, a conhecermos melhor o nosso parceiro, às necessidades ou preocupações dos filhos, daquilo que poderíamos ter feito, mas não o fizemos, por alegação de falta de tempo.

Essas condições, bastante paradoxais, nos deixaram mais ansiosos e as crises familiares começaram a se mostrar mais evidentes,  desembocando em violências sobretudo, naquelas famílias em que os laços afectivos já se denotavam instáveis, divórcios, auto-suicídios, violência doméstica, distúrbios sociais como desacatos às autoridades, verificáveis um pouco por todo o país, tais são os dados estatísticos apresentados pela polícia nacional angolana nos seus  briefings.

A actividade sexual de muitos relacionamentos afectivos, em alguns casos, também estão a sofrer alterações, pois que a desconfiança e o medo de se contaminar e contaminar o parceiro ou parceira, paira sobre as pessoas, uma vez que não têm a certeza se estão contaminados, doentes ou assintomáticos. Há indivíduos que no local de serviço, em casa, lavam as mãos incessantemente e evitam fazer uso dos objectos que anteriormente eram habituais, e outros que negam o perigo ou a gravidade da COVID-19 e se expõem de forma evidente, ficam irritados facilmente, perda de sono, abusam das bebidas alcoólicas, comem em demasia e em consequência estão a ganhar peso ao passo que no sentido oposto, também é uma realidade.

Estes são alguns dos sintomas mais frequentemente observados em pessoas que já perderam o equilíbrio psíquico-emocional. Por outro lado, a interrupção abrupta das rotinas das pessoas, estão naturalmente a agravar a situação em sujeitos que já são depressivos, e o surgimento de outras que possam estar a desenvolver um quadro depressivo, como podemos observar em algumas das suas atitudes.

Para outros, o tempo parece ter parado, por falta de saber o que fazer, entrando num estado de ociosidade dormente. Diante deste cenário, as famílias e as pessoas de um modo geral, precisam rapidamente de encontrar formas para minimizar esse estado de ociosidade em consequência do isolamento social. Assim, podemos preencher o tempo, realizando actividades lúdicas na companhia da família, caminhar em grupo, porém, respeitando o distanciamento recomendável, trabalhar em home office, fazer alguns cursos, tais como de línguas estrangeiras disponíveis em várias plataformas, culinária, compor poemas, leituras diversas, escrever memórias, assistir filmes, actividades teatrais, ou seja, precisamos realizar outras actividades que possam ocupar o tempo de forma alegre, devendo para tal, elaborar um plano de actividades com a participação dos demais membros da família.

Todavia, o surgimento da COVID-19 está também a trazer coisas positivas, uma vez que pode-se observar o surgimento de uma nova ordem social, estamos a verificar alterações profundas nos programas políticos dos governos, a solidariedade entre os povos parece ser mais notória entre as pessoas, mais realista. Está a fazer-nos perceber que somos todos iguais (ricos e pobres), aquilo que nos separa ou nos diferencia, não é mais importante daquilo que nos unifica, a vida humana, e um modo diferente de nos relacionarmos e ocuparmos melhor o tempo disponível.

Novas rotinas e competências estão a ser adquiridas e se irão cristalizar a curto e médio prazo, a opção de trabalhar em home office, implicará também alteração nos processos de gestão e naturalmente, a introdução e domínio das novas tecnologias nas organizações e por parte dos seus colaboradores. Esta é também uma oportunidade de irmos corrigindo alguns maus hábitos, como, o excesso de trabalho, a falta de convivência familiar. Acredito que as regras ou rituais de higienização actualmente exigidos que parecem excessivas, tais como lavar as mãos diversas vezes, higienizar os objectos pessoais e colectivos, as embalagens de alimentos, maçanetas e celulares, o melhoramento do saneamento básico das cidades, estou em crer que irão se tornar como novos padrões comportamentais.

Logo, as consequências desse isolamento social, se não forem cuidadas, podem ser catastróficas, do ponto de vista psicológico. Porque de um modo, geral, o pós-COVID-19 desencadeará na  maior parte das pessoas, o stress pós-traumático. Assim, aconselhamos, que sejam consultados, os profissionais de saúde, nomeadamente, os psiquiatras, psicólogos e sociólogos, para darem o devido tratamento de possíveis transtornos que as pessoas possam desencadear, como consequência do isolamento social.

Domingos Vicente Ferreira Neto

Mestre em Psicologia Clínica