Problemas nutricionais poderão agravar-se no pós-Covid

Problemas nutricionais poderão agravar-se no pós-Covid

Nesta altura de Covid, fala-se muito em limitações alimentares, pelo que o jornal OPAÍS ouviu Maria Futi Tati, como especialista em nutrição, depois de já ter estado a liderar o programa nacional de nutrição e de campanhas de aleitamento materno. 

Maria Futi Tati disse que as coisas irão piorar, no que a nutrição diz respeito, no nosso país, com esta situação de Covid-19. Se antes da Covid já éramos um país com uns indicadores de desnutrição muito altos, com estas restrições resultantes da pandemia, as coisas vão piorar. “Nós vamos ter problemas nutricionais muito sério no pós-Covid, agravamento de outras patologias, como a tuberculose e VIH, por exemplo, por terem a imunidade reduzida”, disse. 

Aconselhar as famílias a se alimentarem, mesmo sabendo que nada têm para comer, torna a tarefa da nutricionista impossível. Reconhece que neste momento as famílias não têm comida, pelo que fica difícil dizer “comam três ou quatro frutas por dia, comam arroz, feijão, etc”, pois estes alimentos não existem no seu cardápio (quando há). 

Há muita gente sem dinheiro, que perdeu o poder económico, segundo a entrevistada, factor que irá concorrer para que a situação de desnutrição piore. Distribuir cestas básicas não irá resolver o problema, para além de não chegar para todos e para todos os dias. 

“Alguns de nós, neste momento, estão numa luta pela a sobrevivência. E como estão os idosos, as mulheres que têm crianças desnutridas ou doentes com malária, vão conseguir fazer esta luta pela sobrevivência?”, questiona Maria Futi Tati, sem saber se estas mães irão olhar para as crianças, para si ou para os idosos. 

No âmbito do Decreto Presidencial sobre o Estado de Emergência, que agora passou para Estado de Calamidade, a especialista em nutrição, atendendo o facto de que os idosos com 70 a 90 anos apresentam algumas dificuldades, principalmente aqueles que precisam de vender algum produto (como petróleo, por exemplo) para garantir a sua alimentação, adaptaram uma cozinha para acudir estas pessoas. 

Muitos desses idosos já não têm os filhos, outros foram abandonados, e por isso, num pequeno espaço, no Morro Bento, distribuem comida a mais de 35 beneficiários, entre idosos, doentes de AVC, tuberculose e crianças desnutridas que o projecto está a recuperar.  

Dúvidas sobre cozinhas comunitárias 

Na sua opinião, a resolução passa por um trabalho conjunto entre a área da saúde e a área social, ao invés de ficarem apenas nos gabinetes. Nesta fase de Covid, por existir muita mão-de-obra ou muitos voluntários, deve-se unir estas pessoas, fazer um estudo aprofundado e trabalhar em torno das comunidades. 

Deve-se aproveitar os estudantes universitários para se cadastrar as pessoas vulneráveis, as pessoas com limitações extremas, com desnutrição, e ver que tipo de resposta para cada problema.  

Maria Tati lembra-se com alguma nostalgia da forma como um grupo de estudantes (de que fez parte) se mostrou disponível a trabalhar aquando de um surto de cólera. 

“Temos tantos estudantes de medicina, mas estão em casa. São estes que nós devíamos pegar para nos ajudar a fazer este trabalho”, reforçou. O grande problema é que se sabe quem é o vulnerável, segundo Maria Tati, não se tem estes dados e todo e qualquer um quer receber comida. 

Sobre a criação de cozinhas comunitárias como forma de reduzir o impacto da Covid-19 na capacidade nutricional das famílias, a especialista disse não saber se isso ajuda. “Quantas cozinhas comunitárias, por exemplo, teríamos que implementar só em Luanda? E depois, quando se trata de comida, todos querem, eu também sou vulnerável quando se trata de comida. Quando se trata de comida, não há honestidade”, sublinhou. 

 É uma questão de se experimentar, pois não se sabe se pode funcionar. A capacidade de abastecimento das cozinhas e outros aspectos devem ser vistos, com a Associação dos Nutricionistas, o Ministério da Agricultura, entre outros.