“Vamos fazer a ponte entre os produtores e a agroindústria”

“Vamos fazer a ponte entre os produtores e a agroindústria”

Como avalia o Estado da agroindústria no país?  

Temos fábricas já montadas em quase todas as províncias, mas a maior parte paralisadas ou a trabalhar muito abaixo das suas capacidades.  

De modo geral acusam falta de matéria-prima. Fábricas de ração sem milho nem soja, fábricas de cerveja sem gritz de milho, fábricas de têxteis sem algodão, fábricas de açúcar sem cana-de-açúcar, fábrica de concentrado sem tomate. E assim por diante. 

Essas fábricas não funcionam em pleno porque foram pagas pelos excedentes do dinheiro do petróleo. Ou seja, porque o país não precisava realmente de as ter. Tudo o que elas podiam fazer o país prefere importar. 

É como se alguém me tivesse oferecido um boeing 777. Como tenho os voos da TAAG… é mais fácil comprar uma passagem do que aprender a pilotar. Consequência: agradeço a oferta, mas o avião fica estacionado na placa do aeroporto… até acabar por apodrecer.   

Que projectos a Rede Camponesa tem para evitar ou reduzir as importações de produtos agrícolas?  

Nós criamos a Uíza Agro-Logística precisamente para fazer a ponte entre produtores de matéria-prima e agroindústrias. Parece-nos ser a única coisa que ainda não existe em Angola e que todos os países africanos exportadores de agricultura têm.  

O que falta para que o país atinja a auto-suficiência em termos de produção agrícola?  

Que as fábricas acreditem na compra de matéria-prima aos produtores nacionais e que os produtores tenham a certeza da venda das suas colheitas às fábricas angolanas. Ou seja, que a ponte entre compradores e produtores seja sólida, regular e programada para funcionar a cada ano melhor, por muitos anos de relacionamento mutuamente benéfico.  

Qual é o papel que a agroindústria pode jogar na redução da fome e garantia da empregabilidade no país?  

Existem três tipos de agricultura: o primeiro, em que os produtores cultivam apenas o necessário para se autoalimentarem (subsistência). O segundo, em que os produtores rurais se alimentam a si próprios e aos demais cidadãos que vivem e trabalham nas cidades, finalmente o terceiro tipo, em que os produtores se alimentam, fornecem ao consumo das populações urbanas e sustentam também a matéria-prima das agroindústrias. 

O nosso país só pratica o primeiro e o segundo tipo de agricultura. Como a população é maioritariamente rural, (+de 60%), a cidade absorve da capacidade produtiva rural, logo, são diminutas as oportunidades de vender produção agrícola. Quando as fábricas de Angola começarem a comprar dos produtores rurais, vamos ver o rendimento dos produtores crescer com consequente diminuição do desemprego rural, baixa dos preços dos bens agrários dada a alta disponibilidade, redução do custo de vida nas cidades e, finalmente, o desaparecimento da fome nas famílias.  

Em termos de prioridades para investimentos, que regiões vocês têm como as mais viáveis para produção, sobretudo de frutas? 

 Não nos focamos em produtos. Persistimos na ponte entre indústrias absorventes e populações produtoras. De um modo geral, havendo terra e água quase tudo se produz em qualquer região. Se os europeus conseguem produzir quiabo e manga em terras frias, porquê que não havemos de conseguir produzir morango e uva nas nossas que são mais amenas?  

Há um projecto de produção de laranjas no município do Bembe, província do Uíge. O escoamento está assegurado? 

 Esta é uma das pontes que a Uíza Agro-Logística está a desenvolver. Assinamos um contrato para a formação da cadeia produtiva de frutas 27-INDUSTRIAL, que inclui manga, ananás, múcua, laranja e goiaba. Fomos alertados pelo eng. Jorge Leitão, proprietário daquela fábrica de sumos, de que havia laranja a apodrecer no Bembe, em função de uma notícia veiculada pela TPA. Fizemos o nosso trabalho, fomos ao local, reunimo-nos com a Administração do Bembe e os produtores e está neste momento em preparação a primeira recolha dessa laranja para as próximas semanas.     

Em termos de produção de laranjas e frutas, no geral, há capacidade para se abastecer as principais cadeias lojistas do país? 

Em qualquer país com água e terras aráveis, basta 20% de população rural para conseguir alimentar os restantes 80% de cidadãos urbanos. Nós temos 3 vezes essa capacidade.  

Angola aparece nas estatísticas da FAO como o 5º maior produtor mundial de mandioca (depois da Nigéria, Brasil, Tailândia e Indonésia) com 16.500.000 ton/ano. Se houvesse uma lei que obrigasse que os 32 milhões de angolanos consumissem toda essa mandioca num só ano, cada cidadão teria de comer 1 quilo e meio de mandioca todos dias 365 dias do ano. Não haveria barrigas suficientes para a batata-doce, o milho, a batata-rena, arroz etc. A dificuldade não está na capacidade de produzir quantidades, mas sim na capacidade de vender quantidades. Para quê produzir se ninguém vai comprar? Cabe à agroindústria comprar essa enorme capacidade de produção agrária, transformá-la e exportá-la com lucros bilionários conforme outros muitos países africanos. 

No caso concreto do Bembe, quanto é que foi investido na produção de laranja?  

Aqueles produtores são do perfil camponês, com estrutura de produção limitada à força braçal, tendo como únicos equipamentos a catana e a enxada. A sua bênção está na qualidade superior da terra e abundância de água. Não usam químicos, (adubos, pesticidas etc.) e mesmo assim, as suas árvores têm uma produtividade em kg acima da média mundial. Este perfil de produtor é maioritário em Angola e na generalidade dos países africanos. O seu investimento é baixo e dificilmente, com essa limitação de recursos, conseguem trabalhar lavras com mais de 2 hectares por família.  

Sabemos que foram colhidas 2000 mil toneladas. Quantos hectares é que foram cultivados? 

 Até ao momento não temos números definitivos, mas sim estimativas. O trabalho da Uíza Agro-Logística é precisamente cadastrar ao detalhe todos os produtores, as suas terras e árvores plantadas que se distribuem por 108 aldeias, para permitir que nas próximas safras se possam organizar colheitas sem perdas de produção, preparar a logística com antecedência de seis meses e melhorar as técnicas de produção para diminuir as agressões por insectos, pragas e outras, aumentando a qualidade do produto final, por via de uma extensão rural privada especializada em citrinos. Este é o contrato que liga a Rede Camponesa à F27-Industrial e que tem por objectivo garantir as quantidades adequadas à capacidade de processamento das suas fábricas, na qualidade e nos prazos desejados, ao mesmo tempo que propicia a maximização do rendimento dos agricultores, pela melhoria organizacional, máxima segurança na venda e optimização dos seus esforços produtivos.  

Os produtores nacionais que fazem parte da Rede Camponesa estão protegidos do impacto da Covid-19? 

Acreditamos que sim, em função do excelente trabalho do Ministério da Saúde de Angola, bem patente nas estatísticas de evolução da doença publicadas pela Organização Mundial da Saúde.  

Quanto é que Angola pouparia se apostasse na agroindústria nacional? 

A contribuição da Rede Camponesa é ajudar as Indústrias nacionais a formatar cadeias camponesas fornecedoras de matéria-prima agrária.