Funcionários do BANC sem salários há 16 meses e correndo o risco de serem despejados

Funcionários do BANC sem salários há 16 meses e correndo o risco de serem despejados

Bernarda, nome fictício, há dez anos na instituição, está há 16 meses a aguardar pelo seu salário. No entanto, recorda que quando foi anunciada a dispensa dos trabalhadores receberam garantia de que os salários estavam salvaguardados.

Em defesa do património do banco foi constituída uma comissão de trabalho que integra especialistas do Banco Nacional de Angola (BNA) e do tribunal para dirigir o processo da “massa falida”, ou seja, da dívida contraída pelo BANC ao banco central.

Esta comissão ficou incumbida de fazer também o inventário de todo o seu património e, posteriormente, efectuar vendas por via de leilões para obter o dinheiro necessário para liquidar não só a dívida com o BNA e os fornecedores de serviços, mas também os honorários dos trabalhadores.

Bernarda diz que, passados um ano e quatro meses, as viaturas do banco estão a ser utilizadas por indivíduos que pertencem à referida comissão.

“Temos recebido ameaças para devolvermos as viaturas que nos foram atribuídas pelo banco em 2016. Os mesmos veículos estão a ser leiloados a um valor cima do preço a que foram adquiridas e dizem que seremos chamados pela PGR”, desabafou, optando pelo anonimato por temer represálias.

Disse ainda que a referida comissão garantiu aos trabalhadores que vão receber uma compensação (forma de extinguir uma obrigação em que os sujeitos da relação obrigacional são ao mesmo tempo credores e devedores) e não os salários em atraso.

Foram ainda informados de que posteriormente serão chamados para discussão da questão das indemnizações, o que considera um absurdo, pois têm famílias para sustentar.

De acordo com a nossa interlocutora, muitos funcionários que dependiam unicamente do salário estão a enfrentar inúmeras dificuldades, alguns deles até de assistência médica, por se encontrarem adoentados.

Para atenderem tais situações, os próprios trabalhadores criaram um grupo de solidariedade, em que cada um pode contribuir com dois mil Kwanzas para os ajudar.

Obrigados a devolver viaturas e residências adquiridas a crédito

Uma outra funcionária, a que passaremos a chamar de Manuela, disse que as pessoas que estão a contactar os trabalhadores para devolverem as viaturas do banco e abordarem sobre as casas adquiridas com créditos contraídos na instituição não são as mesmas que integraram a comissão que lhes informou sobre a suspensão das actividades laborais em Março de 2019.

Em seu entender, a prioridade da comissão é simplesmente recuperar os bens do banco e não assegurar a garantia do cumprimento dos direitos dos funcionários.

“Não conseguimos perceber qual é o verdadeiro papel da comissão, pelo facto de defenderem simplesmente o banco e não os trabalhadores”, explicou. Um outro funcionário ouvido por OPAÍS também comunga desta ideia.

Disse que, para se prevenirem, contrataram um advogado para os defender, mas nem sempre têm sido bem-sucedidos, porque a comissão dificilmente aborda o assunto com os advogados.

“Temos informações de que a comissão está preocupada com o crédito habitacional que foi feito para a concessão de residências aos funcionários com o apoio do empresário Tomasz Dowbor, promotor do condomínio Boa Vida”, disse.

Manuel, nome fictício, considera que não será possível devolverem as casas por terem uma declaração irrevogável e que não foi constituída na altura do processo em que se fez a hipoteca a favor do banco.

Disse, por outro lado, que a garantia nunca foi a devolução da residência, mas sim o salário.

“Continuamos a ser colaboradores do banco, porém, sem salário, não houve a entrega de certificado de trabalho e nada tem sido feito para resolver o problema”, explicou.

Comissão garante estar a cumprir a lei para recuperar o património do banco

Contactada pelo OPAÍS, uma fonte da comissão do processo de “massa falida” declarou que as medidas que estão a ser tomada com os funcionários do banco têm respaldo legal no artigo 1213º do Código do Processo Civil.

Explicou que o referido artigo aborda os deveres do administrador e estabelece que os créditos do falido devem ser solicitamente cobrados pelo administrador à medida do seu vencimento e até verificação do passivo, podendo, para este efeito, propor-se as acções ou execuções necessárias.

Sem adiantar data prevista para a resolução da indemnização, o responsável sublinhou que o processo tem várias fases, porém, neste momento, estão a ser ouvidos os directores e administradores do banco em tribunal e, posteriormente, será abordado o problema da liquidação.

“Estamos a solicitar o património do banco que está na posse nos funcionários para liquidar as dívidas e pagar a indemnização, mas muitos não querem colaborar”, explicou. Segundo a nossa fonte, a maioria dos funcionários obteve crédito no valor de até USD 500 mil e têm em sua posse viaturas da instituição, o património que deve ser recuperado.

“Queremos que os funcionários indiquem um representante para negociar com a equipa, não a comissão, de modo a chegar num acordo”, explicou.

De recordar que o BANC cessou definitivamente a sua actividade bancária no dia 06 de Fevereiro de 2019 por apresentar deficiência no seu modelo de gestão e pelo facto de os seus accionistas não cumprirem os requisitos legais mínimos vigentes no sistema financeiro angolano.

Após a intervenção efectuada pelo Banco Nacional de Angola, no dia 26 de Junho de 2018, que constatou uma “degradação” significativa dos indicadores financeiros e a incapacidade do banco BANC de fazer face às suas responsabilidades no sistema de pagamento nacional e a existência de um modelo de governação inadequado.

Em 2018, o capital social realizado era de kz quatro mil milhões e 346 milhões e os fundos próprios regulamentares eram negativos em kz 19 mil milhões e 639 milhões, exigindo um aumento de capitais não inferior a 24 mil milhões de kwanzas.

Considerando a normalização da situação de liquidez do BANC, o reforço de capitais estaria na ordem dos 41 mil milhões de kwanzas, referiu.