“Aumento do financiamento do Banco Mundial depende das reformas em Angola”

“Aumento do financiamento do Banco Mundial depende das reformas em Angola”

O Banco Mundial previu que a economia angolana será uma das mais atingidas devido à pandemia de Covid-19. Quais as razões destas previsões?

A economia angolana será uma das mais atingidas pela Covid-19 devido ao reduzido grau de diversificação económica, dada a forte dependência do sector petrolífero. A pandemia da Covid-19 afetou significativamente a economia mundial, tendo-se refletido num choque negativo sobre a procura por petróleo. Este choque teve um impacto adverso no sector petrolífero angolano, que representa cerca de 96% das exportações e 60% das receitas fiscais, através do efeito combinado da redução do preço do petróleo e da diminuição da produção petrolífera. Adicionalmente, a queda da actividade petrolífera terá impactos no sector não-petrolífero sobretudo por via da redução das receitas fiscais, e menor disponibilidade de cambiais.

Perante esses dados, quais serão, no imediato, as oportunidades de comércio e mercado de Angola com o exterior?

A Covid-19 veio reforçar a necessidade de Angola acelerar a implementação de reformas estruturais com o objectivo de melhorar o ambiente de negócio, e assim a aumentar a captação de investimentos necessários para dinamizar o processo de diversificação económica. Por outro lado, o Banco Mundial estima que a pandemia da Covid-19 e as medidas de contenção irão ter um impacto enorme na economia mundial, espera-se uma redução de 5,2%. A crise tem impactado a procura e a demanda, o comércio, e as finanças para a maioria dos países. Isto tem um impacto negativo nas oportunidades de mercado de Angola com o exterior. Espera-se que a economia comece a recuperar na segunda metade do ano, à medida que as restrições são diminuídas. No entanto, há ainda bastante incerteza, por exemplo, uma pandemia prolongada teria efeitos muito adversos na recuperação da economia mundial.

Há muito tempo que o Banco Mundial trabalha com Angola, pelo que, mais que ninguém, poderá antever o futuro a curto prazo no que a uma crise pós-Covid 19 diz respeito. Pensa que terá de haver necessariamente uma nova e diferente estratégia de parceria depois dos efeitos desta pandemia?

O Escritório Local de Angola foi aberto em 1989 e as operações de empréstimo começaram em 1991. Desde então, até hoje, foram financiados USD $3.785,6 mil milhões para 35 projetos. Desde a cessação das hostilidades em 2002, o nosso engajamento intensificou-se e foram aprovados 24 projectos desde então, 11 dos quais já encerrados. Mas é importante dizer que a implementação naquela primeira geração de operações, amplamente multissetoriais (construção e reabilitação de infraestrutura básica), que foram fundamentais para a reconstrução pós-guerra do país, foram amplamente satisfatórias considerando as graves limitações nas capacidades institucionais no país. A Covid-19 será uma limitação, mas este período que mencionámos também teve graves limitações. Mas o forte desempenho dos projectos foi em grande parte devido à boa liderança do Ministério do Planeamento (que era então governador do Banco Mundial) e que orientou a implementação das operações.

Que projetos estão preparados no imediato, mesmo levando em conta o panorama atual?

O portfólio atual é composto por nove projetos nacionais num total de USD $1.768,7 milhões nos sectores de (saúde, educação, agricultura, água, estatísticas, proteção social e Apoio ao Orçamento), sendo que há outros dois projetos regionais nos sectores da saúde e agricultura no valor de USD $85 milhões. De referir também que na sequência da solicitação do Presidente João Lourenço ao Presidente do Banco Mundial, de apoio financeiro para ajudar o Governo de Angola a responder ao Plano Nacional de Contingência para o controlo da Pandemia do Covid-19, em Março 2020, várias ações têm sido levadas a cabo tendo em conta três pilares principais, tais como: proteger vidas, proteger os meios de subsistência e proteger o futuro.

Em 2019 o Banco Mundial duplicou o apoio financeiro ao país, com mais de 2,5 mil milhões de euros para diversos projetos. Agora, confirma que já em 2020 houve outra ajuda financeira para fazer ao Covid-19. Perante as perspectivas económicas que traçou no início da entrevista, será de prever um aumento destes mesmos fundos?

O Grupo BM tem procurado adequar o seu apoio em conformidade ao programa de reformas que o governo tem procurado imprimir no país. Portanto, o aumento do financiamento tem muito a ver com isso. Porém, é bom que não se perca de vista que o apoio do Banco Mundial vai muito além do financeiro. O BM tem procurado partilhar conhecimentos e boas práticas para ajudar Angola nesta fase importante, bem como apoiar o Governo em buscar maneiras de tornar os projectos autossustentáveis. Há fortes perspectivas que o apoio do BM aos esforços do Governo possa ser aumentado.

Quais as verbas já disponibilizadas para ajudar no combate à pandemia em Angola?

Até ao momento, o BM já disponibilizou USD$ 15 milhões para a resposta imediata à emergência da pandemia da Covid-19 e pretende alocar mais recursos para apoiar o Plano Nacional de Contingência por via dos projectos existentes no sector da saúde, sendo que há também outros, em diferentes setores, que poderão também prestar apoio indirecto para o combate à pandemia. O montante do financiamento ainda está por determinar. Porém, o que posso dizer é que deverá enquadrar-se no apoio a três pilares, que são proteger vidas (plano de saúde), proteger os meios de subsistência (uma resposta socioeconómica multissetorial) e preparar o futuro (Recuperação económica após a crise da Covid-19).

Referiu que a disponibilização de mais fundos dependerá, sobretudo, das reformas que o governo angolano terá necessariamente de implementar para reestruturar a economia do país. O Banco Mundial está satisfeito com o que foi implementado até ao momento?

O governo acometeu um programa de reformas muito abrangente num contexto económico complicado. Há avanços importantes, por exemplo, na melhoria do ambiente de negócios, concorrência, privatização, e boa governação. Há reformas em curso na maioria dos setores, incluindo energia, telecomunicações, agua, etc. Ao mesmo tempo, a implementação de reformas deste tipo leva tempo porque é necessário reforçar a base regulamentar e institucional para o bom funcionamento dos sectores. O importante é manter o foco nos resultados esperados: melhor acesso ao serviços públicos, uma economia mais competitiva e monitorizar o progresso para identificar entraves durante a implementação.

Também em 2019 o Banco Mundial instalou um escritório em Luanda de forma a poder financiar o setor empresarial privado. Ao fim de quase um ano, pode dizer-se que esta aposta foi positiva?

Atualmente, a Corporação Financeira Internacional (IFC) possui uma carteira de investimentos de cerca de US $ 100 milhões em Angola. A abertura de um escritório aumentou substancialmente a nossa capacidade de atender melhor o sector privado angolano.

Que áreas, deste setor, têm tido mais apoio?

A IFC está focada na implementação de uma estratégia a cinco anos e neste momento o trabalho envolve áreas de agronegócios, serviços financeiros, telecomunicações, energia, saúde e educação e transporte. Além dos ditos negócios normais, a IFC está na fase inicial de estruturar possíveis estruturas sistêmicas para apoiar o setor privado angolano na atual crise, em parceria com outras instituições financeiras.

Revelou recentemente que Angola tem muitos desafios, um dos quais seria poder vir a vencer a pobreza. Que outros identifica e acredita que poderão ser superados?

Angola tem de facto vários desafios para vencer a pobreza. Porém, os mais graves resumem-se ao capital humano. A riqueza do país não está no petróleo ou no diamante, mas nas pessoas. Portanto, acreditamos que as raízes estruturais da pobreza em Angola incluem um sub-investimento em serviços sociais e no capital humano; mecanismos inadequados de procura e oferta na saúde, educação, serviços de água e saneamento e ausência de intervenções de inclusão produtiva. Outros três grandes desafios relacionados ao capital humano em Angola são a subnutrição infantil,  baixa qualidade educacional e gravidez na adolescência.

Perante todas as adversidades e desafios que refere, o papel do governo também tem de ser determinante para um futuro mais positivo. Como avalia o trabalho e a relação do Banco Mundial com João Lourenço, presidente de Angola?

Como sabe, o apoio do BM para Angola aumentou de forma significativa nos últimos três anos. Esta é uma demonstração clara que a relação entre o Presidente João Lourenço e o BM é muita boa. A abertura do escritório do IFC para apoiar o sector privado, por exemplo, foi também uma solicitação explicita do governo para a direcção do BM. O papel do governo é fundamental. Aliás, é o governo quem desenha e implementa todas as políticas económicas e sociais do país. Instituições como o BM estão aqui apenas para apoiar e aconselhar onde for solicitado.

Angola trabalha bastante com os PALOP e outros de língua oficial portuguesa. Acha que estes poderão continuar a ser uma grande ajuda ou pensa que Angola deverá olhar mais para outros países financeiramente mais fortes?

As relações históricas de Angola com o Brasil, Portugal e outros países dos PALOP não podem ser ignoradas de jeito nenhum. Apesar do momento de grandes apertos que o país atravessa, Angola continua a ser um país com enormes potencialidades e há, com toda a certeza, espaço para cooperação com benefícios mútuos com os seus pares da CPLP.  O domínio da língua inglesa continua a ser um desafio para muitos angolanos e isso em si limita a abertura efectiva e sistemática do país para além de países da CPLP.  Como sabe, a confiança é um elemento essencial nas relações e entre os países da CPLP existe este elemento de confiança. Porém, na fase actual o país precisa de redirecionar as suas estratégias em áreas que de facto tragam mudanças significativas na vida dos cidadãos a curto, médio e longo prazo. Portanto, qualquer cooperação com os seus pares da CPLP ou fora dela, que ajude a debelar a crise actual, deve ser encorajada.

Que mensagem gostaria de deixar ao povo angolano?

Eu conheço Angola desde 1984, quando vim para uma missão de um ano. Depois deste período, já no Banco Mundial, entre 1999 e 2002 acompanhei a gestão de projectos de Angola a partir de Washington; Em 2004 vim por uma missão de três anos e, finalmente regressei em 2018 para ocupar o cargo actual. Portanto, como pode ver, há muitos anos que tenho ligações a Angola. Uma das coisas que mais me chamou atenção neste meu acompanhamento de Angola ao longos dos anos tem sido a forma positiva com a qual os angolanos têm enfrentado as suas adversidades. Quero acreditar que, com o mesmo espírito, o país irá sair desta crise. Agora, é necessário que o país reforce os seus mecanismo de resiliência através da aposta no seu capital humano. É importante que o processo de reformas em curso prossiga para que no futuro se possam colher melhores frutos. As crises são próprias de qualquer país no mundo. O importante é sair delas mais fortes do que quando nelas se entrou.