Igreja Católica quer património confiscado pelo Estado

Igreja Católica quer património confiscado pelo Estado

O evangelista João Guerra considera uma “missão impossível” a recuperação de alguns imóveis, a julgar pela natureza dos mesmos, que hoje acolhem muitas instituições estratégicas do Estado, com destaque para governo provinciais, departamentos ministeriais e unidades policiais.

Entretanto, o Governo de Angola, por via da secretária do Presidente da República para os assuntos sociais, Fátima Viegas, manifesta abertura para ceder e cita como exemplo o acordo-quadro celebrado entre a Angola e a Santa- Sé, sujeito do direito internacional, rubricado em 2019.

Céptico quanto a uma abertura do Governo, João Guerra refere que este não tem condições para cumprir o desiderato, uma vez que estaria “enforcar” a si mesmo pelo número incalculável do património, sugerindo que o Estado se limite apenas a cumprir fielmente a letra do acordo celebrado, relativamente à reabilitação de missões e outras instalações que albergavam centros de formação destruídas em sede do conflito armado.

Para se ter uma ideia, esclarece o evangelista, grande parte de palácios que os governadores, um pouco pelo país, ocupam, pertencia à igreja, e, por isso, não está a ver tanta abertura do Governo a ponto de “desalojar” alguns titulares de órgãos da Administração Central e Local do Estado.

Em Benguela, por exemplo, segundo fontes deste jornal, o Palácio cor-de-rosa, à praia Morena, onde vive o governador, pertencia a igreja católica, era a antiga sede episcopal. A sede administrativa do Governo de Benguela era onde actualmente funciona a Diocese de Benguela e, portanto, a residência oficial do bispo, na rua Governador Coutinho.

O mesmo se dá em relação à sede da Delegação Provincial do Ministério do Interior, no recinto da praia, na lateral esquerda do Gabinete do Círculo Provincial dos Deputados. As nossas fontes sustentam que era pertença das irmãs Saletinas. Sobre o imóvel, há manifesta intenção da igreja de o recuperar. As várias tentativas da Diocese, justificam alguns sacerdotes, se têm redundado em fracasso.

Segundo fontes consultadas por este jornal, o confisco de alguns bens deu-se por via do Decreto Presidencial nº 5/78, de 24 de Janeiro. Em determinadas circunstâncias, esclarece o porta-voz da Diocese de Benguela, padre Zeferino Capoco, tais confiscos terão sido motivados pela extinção de algumas ordens religiosas.

O também professor de direito constitucional sustenta que o confisco continuou até 1979. Zeferino Capoco não tem dados que sustentem o confisco do actual Palácio do Governador, à praia Morena, à igreja, em Benguela, que já teve como inquilino, entre outros políticos, Kundi Pahama (1981 a 1986), João Lourenço (1986 a 1989), Paulo Jorge (1989 a 1995), lembrando, porém, que quando Dom Óscar Braga foi nomeado bispo, em 1975, “não tinha casa” e teve de ser acolhido pelas irmãs Doroteias.

Durante os mais de 30 anos de consulado, de acordo com sacerdotes, Dom Óscar Braga batia-se para que parte considerável do património da igreja em posse do Estado regressasse à esfera jurídica dos católicos.

Governo e o acordo-quadro com a Santa-Sé

Alguns bispos da CEAST dizem que, para homenagear Dom Óscar Braga, vão continuar a dialogar com o Governo para ver se recuperam o património imobiliário em posse do Estado.

A secretária do Presidente da República para os assuntos sociais, Fátima Viegas, lembra que no dia 29 de Setembro 2019 se celebrou o acordo-quadro com a Santa- Sé a pensar justamente nesta possibilidade.

Questionada pelos jornalistas a respeito da preocupação manifestada pela igreja, Fátima Viegas, sem titubear, respondeu que o acordo, neste particular, “diz tudo”.

Dom José Nambi, ordenado padre e bispo por Dom Óscar Braga, afirmou que o diálogo será necessário para recuperar aquilo a que chama de bens eclesiásticos. Responsável pela diocese do Bié, Dom José Nambi considera haver um longo caminho pela frente, o qual a igreja terá de percorrer para se alcançar tal desiderato.

Para o vigário judicial da Diocese de Benguela, padre José Inácio, resgatar-se-á todo o património imobiliário, esperançado de que, com a morte do principal defensor haja mais sensibilidade de quem de direito. “Muitas vezes acontece que, depois de morto, as pessoas têm mais consciência e dão mais importância aos que já se foram”.

Constantino Eduardo, em Benguela