“Remendos” nos OGE condicionam execução das políticas públicas e atrasam desenvolvimento do país

A poucos dias de ser discutido na Assembleia Nacional, depois de ter sido apreciado e aprovado em Conselho de Ministros, o relatório de revisão do OGE 2020 continua a ser visto, por alguns especialistas, como uma medida bastante imprevisível em função das constantes oscilações do preço do barril de petróleo no mercado internacional. 

Na actual proposta, o OGE revisto para o exercício económico de 2020 prevê receitas estimadas em kwanzas 10. 407. 065. 675. 060,00 (dez biliões, quatrocentos e sete mil milhões, sessenta e cinco milhões, seiscentos e setenta e cinco mil e sessenta kwanzas). 

O documento estipula para o presente período o preço de referência de 33 dólares americanos por barril de petróleo, contra os 55 definidos no documento anterior, aprovado em Dezembro, e que previa despesas e receitas no valor de 15.875.610.485.070,00 de kwanzas (quinze biliões, oitocentos e setenta e cinco mil milhões e seiscentos e dez milhões, quatrocentos e oitenta e cinco mil e setenta kwanzas). 

Nos últimos anos, com a contínua queda do preço do petróleo o país tem imposto “constantes” emendas aos OGE anuais, o que, no entender de várias especialistas, demonstra o desequilíbrio da economia nacional. 

Porém, a escassos dias do relatório de revisão do Orçamento merecer o martelo da casa das leis, sob o crivo dos deputados, a especialista em políticas públicas Cecília Kitombe diz que as constantes emendas que (em vários anos) o OGE sofre, forçado pela baixa do preço do petróleo, remete o país numa situação vulnerável com efeitos negativos na execução das políticas públicas. De acordo com a também directora da Unidade de Comunicação e Advocacia Social da Acção de Desenvolvimento Rural e Ambiental (ADRA), não é satisfatório que as projecções económicas do país continuem dependentes da oscilação do preço do petróleo. É preciso, frisou, a criação de alguma independência em termos de fontes de receitas e aposta rigorosa na produção interna. 

No entanto, apesar de a legislação sobre o OGE prever que o Estado possa fazer revisões do Orçamento sempre que o contexto demandar para que o mesmo seja ajustado à realidade económica e social, ainda assim, a especialistas entende que as constantes revisões podem ser travadas com mecanismos que venham a criar melhor robustez na economia nacional. 

“Se quisermos crescer economicamente, não é satisfatório que as nossas projecções económicas continuem dependentes da oscilação do preço do petróleo. É preciso criarmos alguma independência em termos de fontes de receitas e aposta rigorosa na produção interna”, defendeu. 

Relativamente ao preço de referência do barril de petróleo, estabelecido na ordem dos USD 33, Cecília Kitombe disse que é um valor que está aquém das projecções, planos e compromissos políticos e sociais que o país determinou para este ano. 

Para ela, é uma previsão nefasta para o que Angola tem para implementar em termos de desafios. Ainda de acordo com a técnica sénior da ADRA, este valor coloca em cheque uma outra discussão que deve ser colocada no centro, que, esclareceu, é a questão da dívida pública. 

Conforme explicou, os orçamentos dos últimos três anos têm sido consumidos pela dívida e a previsão para este ano é de que o OGE absorva cerca de 60 por cento para o pagamento da divida pública. 

 Porém, com estas projecções, notou, será fundamental o Executivo renegociar a dívida pública para que o seu peso seja equilibrado no OGE em relação a outras funções e não haja um colapso económico e social, mais do que já se está a viver. 

Mudanças e consequências  

Por outro lado, Cecília Kitombe afirmou que a revisão do OGE poderá ter consequências nefastas na vida dos angolanos, com o índice de pobreza em Angola a atingir cerca de 41 por cento da população e agravando-se cada vez mais, sobretudo pela fase da Covid-19 em que o país se encontra. 

Para a Cecília, o país ainda se debate com problemas no acesso aos serviços sociais básicos como a saúde, educação, água e outros, pelo que nem sempre as revisões se reflectem na melhoria das condições dos cidadãos. 

“Normalmente, ela ocorre para fazer-se ajustes e cortes nas despesas públicas. E a experiência mostra que a área social tem sofrido bastante com estes cortes. E é nesta área onde estão os cidadãos comuns e onde as necessidades de resposta da parte do Estado se impõem. 

Portanto, uma revisão do OGE acaba sendo mais um instrumento de ajuste governativo, apontou. Ainda segundo Cecília Kitombe, o valor de 35 dólares deverá agravar as condições precárias em que se encontram muitos angolanos. Haverá, referiu, redução dos bens e serviços à população e, por outro lado, vai exigir, do cidadão, um esforço maior para adquirir o mínimo para viver. 

“Sem esquecer a inflação, os preços dos produtos tenderão a aumentar cada vez mais. Por isso, sem querer ser pessimista, as mu danças tenderão a ser mais negativas do que positivas para os angolanos, o que quer dizer que continuaremos a apertar o cinto”, lamentou, tendo acrescentado ainda que .”Agora, é fundamental gerar uma base de informação para que os cidadãos possam estar por dentro dessas mudanças e possam compreender profundamente as razões”. 

Outrossim, a fonte disse ser preciso que se gere mais processos de participação e auscultação aos cidadãos. Para ela, não se pode continuar a tomar decisões políticas com incidência na vida pública sem que as pessoas participem. 

“Políticas alternativas e de grande escala e abrangência se impõem; a valorização do campo e da agricultura familiar deve ser massificada e adequada ao contexto”, sugeriu. 

Na proposta de revisão há uma redução das despesas públicas avaliadas em mais de Kz 6 biliões. 

Para Cecilia Kitombe, reduzir despesas públicas é fundamental, sobretudo num contexto onde se apreciou, ao longo dos últimos três, anos um aparelho do Estado com recursos apenas para permitir o funcionamento da máquina. 

No seu entendimento, os OGE dos últimos anos têm servido fundamentalmente para pagar os serviços da dívida e manter o sistema estatal funcional (despesas com pessoal, despesas correntes). 

Ante a situação, Cecília Kitombe defende uma mudança no sentido de as rubricas serem cortadas ou sofrerem reduções, sobretudo numa fase como esta, em que é fundamental garantir os recursos para os programas de investimentos públicos e para os programas de combate à pobreza de uma forma mais abrangente e sistemática. 

“Esta é uma redução de quase significativa que deve permitir uma abordagem que nos leve a continuar a reflexão sobre os mecanismos de garantia da eficiência dos recursos do Estado, permitindo a continua transparência orçamental, participação dos cidadãos e fiscalização do orçamento”, concluiu.