O Sanatório, uma instituição obsoleta no controlo da tuberculose

O Sanatório, uma instituição obsoleta no controlo da tuberculose

O conceito de sanatório surge em meados do século XIX, e tem um apogeu entre 1880 e 1930 como a resposta que os tempos permitiam, a Tuberculose uma temível doença, que atingia todas as classes sociais e era conhecida como “a peste branca”. 

A doença estava então bem identificada, a grande escola Parisiense de Medicina, Bichat, Pierre Louis e sobretudo René Laennec (o inventar do estetoscópio) tinham, em meados do século XIX, estabelecido os métodos do diagnóstico clínico, que vieram a ser reforçados com a invenção dos exames por RX por Wilhelm Roentgen em 1895, na Alemanha.  

Aqui tinha Robert Koch, em 1882 identificado o agente da doença, o Bacilo de Koch ou Mycobacterium tuberculosis. Mas faltava o que era praticamente o mais importante: um tratamento para destruir o bacilo e curar a doença. Perante esta impotência jogava-se no conceito de Medicina Natural, a ideia de que um ar puro, boa alimentação e repouso podiam curar, e isto materializou-se na construção dos Sanatórios, de preferência fora das cidades em “bons climas e bons ares”, no campo e nas montanhas. 

Em Angola, a administração colonial construiu nos anos 50 dois sanatórios, um em Luanda e outro no Huambo. 

Contudo, a partir de 1940 os sucessos da indústria química alemã iniciaram a grande revolução terapêutica anti-infecciosa, com a invenção das Sulfamidas e depois dá-se a descoberta da Penicilina por Alexandre Fleming em Londres. Logo a seguir, a Estreptomicina aparece como o primeiro grande medicamento contra o bacilo de Koch, a que se seguiram novas descobertas. 

A Tuberculose passou a tratar-se activamente e com sucesso nos hospitais, como as outras doenças infecciosas, até porque o seu diagnóstico e as suas várias intercorrências e complicações implicavam a cooperação com outras especialidades dum Hospital Geral (Anatomia Patológica, Cirurgia, Ortopedia). 

Voltemos a Angola dos primeiros anos do século XXI: perante a degradação física do Sanatório de Luanda surge um projecto de requalificação, e a Vice-Ministra de então, Dra. Natália do Espirito Santo, encarregou-me de coordenar um grupo de trabalho com um objectivo: converter o Sanatório em Hospital Geral e reestruturar os serviços de tratamento da Tuberculose. 

Este objectivo enquadrava-se nas ideias gerais acima referidas e tinha dois pontos fortes: 

  • Um Hospital Geral naquela zona da cidade, de forte expansão demográfica e pouco servida de estabelecimento de Saúde, impunha-se;
  • O tratamento da Tuberculose tem de fazer-se por um período mínimo de 6 meses (em geral as primeiras semanas em regime de internamento e os restantes meses nodomicílio).

Ora, o cumprimento da terapêutica nesta segunda fase, em que o doente já se sente bem, é muito desrespeitado. Há abandonos, tratamento incompletos e os bacilos tornam-se resistentes aos medicamentos tuberculostáticos. 

Por isso, a Federação Mundial da Tuberculose e a OMS têm advogado a metodologia “dot” (directed observed treatment”) quer dizer, em vez de o doente vir receber o tratamento para um mês, a instituição fá-lo vir diariamente buscar e consumir os medicamentos à vista do pessoal de Saúde (observado directamente). 

Era, portanto, importante descentralizar, e o plano apresentado consistia em: 

  • Sugerir as modificações físicas na planta do edifício e o necessário equipamento para o adaptar a um hospital polivalente;

Propor a criação de enfermarias para Tuberculose nos hospitais Gerais, incluindo no hospital que resultaria da conversão do Sanatório de Luanda, 

  • Criar/reforçar a rede de monitorização e distribuição de medicamento ao nível dos Centros e Postos de Saúde, de forma a prestar cuidados de proximidade e praticar-se o mais possível o “dot”, como forma de garantir tratamentos completos e diminuição da circulação dos bacilos resistentes nacomunidade Infelizmente, nem a reabilitação do edifico se fez, nem a reestruturação racional do tratamento nacional da Tuberculose teve lugar.

A decisão de encerrar o Dispensário Antituberculoso que funcionou durante vários anos junto à Maternidade Lucrécia Paim enfraqueceu ainda mais a rede periférica de tratamento da doença. 

Passado 15 anos, encontramos um ministério sem ideias gerais, nem uma visão de Saúde Pública, a influir o Governo em abordagens obsoletas, com a agravante de dar lugar a projectos de construção e extremamente pesados para o orçamentado, de Estado e de que as obras do Sanatório, que já deram lugar a actos de inauguração publicitados como grandes acções de saúde, são um bom exemplo, na série em que a presente te titular nos surpreende todos os dias , e na qual tem, em contraste com os seus antecessores, um papel muito activo. 

Na reportagem sobre o Sanatório de Luanda inserida em “O País” de 30 de Junho do corrente, ressaltam as ajustadas declarações do respectivo Director Clínico: (1) Aumentou muito o número de doentes (porque o grande investimento no Hospital está, perversamente, a centralizar, em vez da desejada descentralização); 

(b) Há muitos doentes resistentes aos tuberculostáticos por deficiente tratamento (incumprimento e por vezes abandono sem acabar o tratamento, porque faltou a monitorização e distribuição de medicamentos nos postos e centros próximos do domicílio dos doentes. Não há uma rede organizada para tal). 

E voltamos sempres ao grande lapso das políticas de Saúde em Angola: a negligência da activida- de persistente, anónima, mas visionária de reforço da rede que garante os Cuidados Primários de Saúde, sacrificados à prática de construir grande, caro, visível, amplamente publicitado, e implicando grandes verbas e grandes negócios. 

E como fica a Tuberculose em Angola? 

“…Os casos de tuberculose estimados aumentaram 19% desde 2010 e as mortes 17%, tendo-se registado uma subida também no número de casos desaparecidos…” 

(Relatório sobre as subvenções do Fundo Global na República de Angola, elaborado pelo Gabinete do Inspector Geral em 12.02.2020). 

Luís Bernardino