Reabrir as escolas de cegos em tempo de Covid será um “genocídio”

Reabrir as escolas de cegos em tempo de Covid será um “genocídio”

O presidente da Associação Nacional dos Cegos e Amblíopes de Angola (ANCAA), Venceslau Francisco, disse ao jornal OPAÍS que caso se retome às aulas, as escolas de ensino especial, bem como as de inclusão não devem ser reabertas, pois para os deficientes visuais, que dependem do tacto, será um genocídio, em tempo de Covid-19

Embora o reinício das aulas, anteriormente, previsto para 13 de Julho, tenha sido adiado, o entrevistado do OPAÍS, não deixou de chamar atenção, caso se retome às aulas, sobre a necessidade de se prestar uma atenção redobrada às escolas de ensino especial, principalmente de alunos com deficiência visual estes que particularmente vivem apalpando as coisas ou têm o tacto como a sua visão.

“Ao nosso ver, as escolas do ensino especial não devem reabrir. Porque senão seria um autêntico genocídio, já que estas pessoas estão no grupo de risco (embora o Estado não os trate como tal), pois é só nos perguntarmos como é que elas andam. Os nossos olhos são as nossas mãos e, com isso, temos contacto com tudo e todos”, reforçou.

Dado a este aspecto, o presidente da ANCAA diz que não tem como a pessoa com deficiência não ser um alvo da Covid-19, e muito frágil, pelo que, pede as ministras da Educação e Saúde que acautelem a situação dos deficientes visuais. “Se as aulas arrancarem, as escolas especiais e de inclusão devem ficar paradas”, defende.

O entrevistado foi mais longe, dizendo que mesmo nas empresas que têm empregados com deficiência visual, bem como nas instituições públicas com funcionário nesta condição, devem ser acautelados estes aspectos, porque estão no grupo de risco.

Têm acompanhado com alguma tristeza os decretos já publicados, tanto sobre o Estado de Emergência, quanto o de Situação de Calamidade, onde protege-se determinadas pessoas, como os hipertensos, os diabetes, idosos, etc., mas coloca-se de lado os deficientes visuais.

Venceslau Francisco acha gravíssimo que não se proteja, numa situação como esta, as pessoas com deficiência, quando o nosso país ratificou a Convenção da ONU dos Direitos das Pessoas com Deficiência. No artigo 11º da referida convenção consta que os Estados devem adoptar medidas, em caso de Emergência e Calamidade, que visam proteger as pessoas com deficiência.

“Parece que o nosso Estado está alheio, quanto as pessoas com deficiência, nesta situação de Covid. Estas pessoas também são do grupo de risco, devem ficar em casa e merecem a protecção do Estado. Espero que com esta entrevista, o Estado reconheça este grande erro e venha a acautelar, nos próximos tempos, os direitos das pessoas com deficiência”, sublinhou.

No caso de um cego ser diagnosticado com Covid?

Outrossim, o presidente da ANCAA mostrou-se ainda preocupado com a forma como estão a ser tratadas as questões relacionadas as pessoas com deficiência, no que concerne a Covid-19, dando como segundo exemplo os hospitais para tratamento de cidadãos com este tipo de diagnóstico, que não reúnem condições para receberem deficientes visuais.

A afirmação do entrevistado vem pelo facto de tomar conhecimento que nestes centros de tratamento, dada a perigosidade do vírus, a distribuição da refeição é feita colocando o alimento no chão (à porta do quarto) e o doente dirigir-se para retirá-lo. Nestas condições, disse Venceslau, é extremamente difícil para um deficiente visual, que precisa de ajuda de um não visual, por exemplo.

Devem-se criar condições para receber estas pessoas, segundo ele, uma vez que o vírus não escolhe ninguém, todos estão propensos a apanhar, e o risco dos deficientes visuais é ainda maior.

Papel para máquina braile em escassez no mercado

Por outro lado, ainda dentro do ensino especial, o presidente da ANCAA falou sobre as dificuldades que as escolas de ensino especial têm enfrentado para conseguir materiais de ensino para este tipo de estudante. A dificuldade para conseguir papel para as máquinas braile, bem como de se conseguir este tipo de máquina é aqui alistada.

“Antes já era difícil, agora, com a situação da Covid-19, piorou, dada as limitações de entrada de materiais no país. O papel para as máquinas braile continua cada vez mais raro. Nós antes comprávamos em determinadas livrarias e quando falta adaptamos algumas folhas de cartolina”, disse.

A ANCAA tem um stock que está praticamente a terminar, já que serve para os alunos internos da associação, na sede, em Luanda, que estudam alfabetização em braile; algumas vezes socorrem determinadas escolas e também distribuem para as outras províncias onde o grupo associativo está representado.

A folha específica de que falamos, bem como a máquina braile, é como se fosse a lapiseira e o caderno dos estudantes deficientes visuais, e está cada vez mais escasso conseguir estes materiais. As máquinas, segundo Venceslau, são importadas a partir de Portugal, África do Sul ou Noruega, já as folhas, algumas vinham de Portugal e outras eram adquiridas nas livrarias angolanas.

Uma resma de 100 folhas, disse, costumavam a comprar três a quatro mil Kwanzas, “imagine que o aluno, por dia, pode precisar de 30 a 40 folhas”, descreveu o quanto é difícil conseguir.