Um Presidente que escuta é sempre melhor…

A longevidade do Presidente José Eduardo dos Santos, que acabou por permanecer no poder 38 anos, a maior parte do tempo na sequência das circunstâncias político-militar da altura, fizeram com que nascesse, naturalmente, no seio dos angolanos, o desejo de um dia verem um outro Presidente da República. 

Durante algum período, houve quem manifestasse durante entrevistas, convívios familiares ou até mesmo encontro com amigos que um dos maiores desejos era não deixar este mundo dos vivos sem que testemunhassem a transição em Angola. Nem que ela passasse por elementos da mesma família política. 

O mais importante, para estes, era poder ter um novo Presidente e com isso mergulhar numa nova dinâmica de governação. Houve ocasiões em que nem sequer se colocava à mesa os hipotéticos erros cometidos em quase quatro décadas, mas tão somente o ‘prazo de validade’ que já excedia para muitos, embora o antigo estadista tivesse o mérito de ter comandado a vitória do MPLA nos dois primeiros pleitos. 

Mais do que as promessas eleitorais, algumas manifestamente impossíveis de serem concretizadas no actual quadro político e económico, como os 500 mil empregos, a mudança de liderança traduziu-se, sobretudo, num renovar de esperanças. Não somente a passagem para estágio novo por causa do factor novidade em si, mas na introdução de um novo modelo de governação, assente também em novos players, que se esperava com um novo formato de casting para a escolha dos jogadores. 

O discurso do Mausoléu, aí juntinho ao sarcófago do malogrado Presidente Agostinho Neto, foi simultaneamente o indício de uma alteração de paradigmas e de prioridades. Não só dos parceiros internacionais. A nível interno era a escolha do bom em detrimento do mau e do essencial em relação ao supérfluo. Era o nascer da preferência por aquilo que é realmente necessário para os angolanos e das decisões que iriam incidir verdadeiramente na vida daqueles que durante muitos anos até andaram esquecidos nos relatórios do Instituto Nacional de Estatística, por não terem sequer o mínimo para sobreviver. 

É neste sentido que, não obstante as críticas que foram e continuam sendo feitas, nos manifestamos favoráveis a decisão de se buscar algum do Fundo Soberano para se tentar restituir alguma dignidade aos angolanos, através da construção de escolas, reabilitação de centros e postos de saúde, estradas, pontes e outros imóveis. A forma como se retirou o dinheiro é assunto para os políticos. Mas os frutos destas aplicações agora, através do Programa de Intervenção Integrada nos Municípios (PIIM), não deixarão de incidir sobre as gerações vindouras, até porque muita da actual geração a malbaratava e aplicava sem certeza de que um dia víssemos os lucros fruto das negociatas que acabaram mais por enriquecer os mesmos. E prejudicar a mesma maioria de sempre. 

Mas ainda assim, existem prioridades e prioridades entre os vários projectos em carteira. Algumas são pela força da necessidade da sua implementação e outras pela excentricidade que carregam. 

É por algumas não estarem entre as verdadeiras prioridades que se rejeitou o nascimento do famoso Bairro dos Ministérios. E é assim que a sociedade, uma vez mais, rejeita o surgimento de um centro odontológico que custa mais do que muitos projectos que iriam beneficiar uma maioria. 

Do mesmo modo que não havia condições políticas, morais e financeiras para se avançar com os sumptuosos edifícios que iriam ornamentar partes da Chicala, acreditamos também não existirem para que se avance com a excentricidade de um centro odontológico com os dígitos mencionados. O mesmo diríamos em relação à construção de um edifício da Comissão Nacional Eleitoral, agora com os activos que vão sendo recuperados. 

Um discurso contrário e perigoso foi, nos últimos dias, vendido. Diziam tratar-se apenas de projecções, uma vez que o facto de estar inscrito no Orçamento Geral do Estado não quer dizer que se vá efectivar, o que parece ser um absurdo quando era preferível também sonhar com ideias menos megalómanas, cujas incidências no futuro seriam mais benéficas para o país e para os angolanos. 

Há quase três anos no poder, o novo inquilino da Cidade Alta já deu mostras de ser um bom ouvinte. Pelo menos é o que transparece das reuniões que vai fazendo com os seus oponentes da UNITA, integrantes de outras forças políticas e até membros da sociedade civil. É consensual que em pouco tempo recebeu mais do que o seu antecessor. 

Mas, escreveu um dia Josef Thesing, um estudioso e politólogo alemão, citado no livro A Boa Governação e o Poder Executivo na Constituição de Angola, da autoria do professor angolano Leandro Ferreira, que ‘quer hoje, na época da globalidade, como no futuro, as elites políticas terão que se legitimar através do seu desempenho, através da boa governação’. E no mesmo livro prossegue: ‘será o povo, pelo seu próprio critério, que definirá a concordância com certo governante e até onde lhe convém mantê-lo no exercício do poder’. 

Durante largos anos, optou-se pela premissa de que o ideal a ser entregue ao contribuinte são os projectos “chave na mão” independentemente das especificidades e daquilo que se pensa. Foi assim que foram construídos autênticos elefantes brancos, alguns dos quais nem readaptados Irão funcionar. Os tempos são outros e as acções devem ser também em sentido oposto. 

Dizia o filósofo político Pierre Joseph Prodhoun que ‘a fecundidade do inesperado excede de longe a prudência do estadista. E que a fecundidade do inesperado excede ainda mais manifestamente os cálculos dos especialistas’. 

Quem quer que tenha sido o especialista de tal necessidade imperiosa da implantação do centro odontológico, não terá feito muito bem os cálculos. Nem económicos e muito menos políticos. Por isso, não é em vão que muitos ainda acreditam que existam algumas ‘ervas daninhas’ nos corredores do Palácio.