Anciã clama por ajuda para recuperar terreno na posse de invasores

Anciã clama por ajuda para recuperar terreno na posse de invasores

Marta Chissola considera que em 2018 teve início “a desgraça da minha vida”, pois, enquanto choravam, pessoas desconhecidas invadiam o seu espaço onde foram colocados três contentores. O terreno, de cerca de 370 metros de cumprimento e 170m de largura, situado no distrito urbano do Ramiro, foi cedido ao esposo, Gaspar Pereira (também antigo combatente), pela instituição Executiva M’bindy Emílio (Ex-Ramiro) sob o processo n°190/2015 e assinado pelo antigo administrador dos antigos combatentes, Almeida Lopes José Maria, para a prática de agricultura.

Segundo consta no documento, a área foi consignada para projectos dos antigos combatentes e veteranos da Pátria, tendo o título de cedência sido actualizado sucessivamente até 2015. Gaspar Pereira terá investido valores avultados de dois créditos bancários para a desmatação, pagamento dos trabalhadores e cultivo do espaço, segundo contam os familiares. “Foi a administração quem cedeu”. De 2018 para cá que Marta Chissola e os filhos tentam recuperar o terreno, mas, segundo contam, o ocupante que se identifica apenas por Calvino profere ameaças, alegando que o espaço pertence a determinados generais e ministros, cujo título de cedência foi emitido pela administração local do Estado.

“A última vez que falou connosco, no dia 11 de Julho do corrente ano, respondeu-nos de forma arrogante para não voltarmos a lhe contactar, porque foi a administração do distrito do Ramiro que deu o espaço” contou Elsa Pereira, uma das filhas. O suposto invasor alega que no local será construído um projecto social para o benefício da comunidade, segundo contam os familiares da velha Chissola. No entanto, não está afixada nenhuma placa informativa sobre o alegado projecto. Face a esta situação, a anciã procurou o antigo administrador dos antigos combatentes, Almeida Maria, para expor o caso, tendo este afirmado que, na verdade, o espaço pertence ao seu excolega de gatilho Gaspar Pereira e que foi ele quem assinou o documento.

Foi então que decidiram fazer uma exposição, por escrito, e endereçaram ao gabinete do administrador distrital do Ramiro, Tomás Muanza, cujo protocolo está datado de 30 de Julho do corrente, conforme atesta a cópia em posse deste jornal, mas até ao momento não lhes foi dada nenhuma solução prática. Além dos contentores, os supostos invasores já começaram a fazer os alicerces, o que aumenta a preocupação da família face ao suposto silêncio das autoridades do distrito. “Toda a gente sabe que aquele terreno nos pertence, principalmente os antigos combatentes que foram os primeiros habitantes do Ramiro. Mesmo antes de mandarmos o documento, fomos falar com o senhor administrador, mas até hoje só nos pede calma dizendo que vai resolver”, explicou Marta Chissola.

Combatente afastada por morteiro 60

Marta Chissola foi atingida por um morteiro 60 no longínquo ano de 1980, a 14 de Dezembro, na comuna do Cazombo, na província do Moxico, uma das áreas em que passou como antiga combatente das extintas Forças Armadas Popular de Libertação de Angola (FAPLA). Em consequência dos estilhaços que a atingiram, Marta Chissola ficou diminuída fisicamente, sendo que um dos membros inferiores se locomove com a ajuda de muletas.

Chegou ao Ramiro em Junho de 1983, na companhia de outros antigos combatentes e depois da proclamação da paz foram orientados a tratar documentos para beneficiarem de uma pensão, mas até ao momento a velha Marta nunca viu legalizado o seu processo. “Sempre solicitam documentos. Ainda este ano, pediram-me que levasse alguns, mas não se resolveu nada”, contou.

“O espaço pertence à viúva do nosso antigo associado”

O antigo administrador dos antigos combatentes, Almeida Maria, confirmou que o espaço foi cedido ao malogrado Gaspar Pereira e que a assinatura do título de concessão é sua, rubricada por altura que exerceu a função acima citada. Almeida Maria disse que foi ver o espaço e advertiu ao suposto ocupante a parar com as obras, imediatamente, e a remover os contentores no prazo de 72 horas, o que não aconteceu, até ao momento. Almeida Maria disse que vive no Ramiro desde 1981 e, na altura, residiam neste distrito apenas 18 pessoas, mas que actualmente a zona tem sido visitada por várias pessoas que tentam se apropriar dos espaços de forma ilegal.

“Aqui não deve haver intimidação de general, ministros ou outros, porque quando eu cheguei aqui isso era mata e não apareceu general algum a reclamar que o terreno é seu. Se o general foi aldrabado ninguém é culpado e não podem meter contentores e arrancar os produtos da senhora sem usarem os trâmites legais”. O interlocutor não descartou a possibilidade de existência de funcionários da administração que colaboram com os invasores, tendo frisado que “há litígios que são causados pelas administrações para a obtenção de dividendos. Mas aquele que meteu o contentor, para mim, bateu na porta errada porque eu não sou desses”, realçou dizendo que está disponível a colaborar a favor da comunidade.

“Eu conheço a senhora Marta há muitos anos e temos que defender os seus direitos, porque ela é que tem prioridade. O terreno foi alocado para o projecto de agricultura de subsistência dos antigos combatentes e que só ao Estado compete retirá-los daí mediante uma negociação com os proprietários”, disse. O antigo responsável disse que há renitência por parte do suposto ocupante, pois até ao momento, os contentores continuam no local. Acrescentou que caso persista, os contentores serão removidos compulsivamente e o proprietário pagará pelas despesas relacionadas com esta operação, pelo facto de já lhe ter feito advertências.

Administração do Estado nega ter cedido o espaço

O administrador distrital do Ramiro, Tomás Muanza, disse que domina o assunto e que a primeira medida que tomou foi orientar a área técnica a mandar parar com as obras no local. Tomás Muanza, que falou para o Jornal OPAÍS, disse ainda que já teve contacto com a anciã Marta Chissola e que aguarda pela outra parte para apurar a veracidade dos comprovativos de cada um, tendo confirmado que o espaço pertence ao perímetro cedido aos antigos combatentes. Questionado se foi a administração distrital quem cedeu o espaço ao alegado ocupante, Tomás Muanza negou, tendo acrescentado que o cidadão em causa apresenta uma declaração de cedência passada a um suposto antigo combatente.

O responsável disse que no dia que recebeu Marta Chissola indicou um técnico da administração para acompanhar a anciã até ao espaço, mas que no regresso não recebeu nenhuma explicação do seu subordinado sobre o que constatou no local. “O que vamos fazer é ouvir as duas partes para depois encontrarmos uma saída para este problema”, acrescentando que no momento em que o jornal OPAÍS o abordou, esperava ainda que o suposto ocupante comparecesse na administração. Tomás Muanza disse que no distrito que dirige há várias situações de litígios e invasões de terras, mas que a administração tem procurado dar a melhor resposta.