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A indignação do governador Sérgio Luther Rescova, no Uíge, comoveu várias pessoas. Não poderia ser diferente: Angola vive um dos piores momentos da sua história económica e social, mas ainda assim há quem se aproveite desta fase para lucrar ilicitamente. O substituto de Pinda Simão constatou que uma das obras inscritas no Programa Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM) já tinha sido executada e apetrechada. Antes deste caso do Uíge, uma outra denúncia surgiu do Cuando Cubango, mas que acabou prontamente desmentida pelas autoridades locais. As obras públicas constituem o ‘filet mignon’ de muitos servidores públicos. É o prato mais apetecível.

Tanto como entrada, para uns, ou como principal, para outros, é a via mais rápida que muitos escolhem para saciar o desejo ardente de prejudicar o Estado. Um dos maiores receios em relação ao PIIM era de que, uma vez mais, houvesse quem tentasse, usando os expedientes mais ardilosos, colocar a mão no pote de mel. Não só inscrevendo obras inexistentes, como também contratando empresas cujas capacidades são duvidosas. O caso do Uíge faz reacender uma inquietação antiga. Muitos governadores prometiam levar a tribunal os empreiteiros supostamente incumpridores. Poucos tiveram coragem suficiente e muitos construtores até acabaram por sair do país com os bolsos cheios sem nunca terem sido questionados sobre projectos não executados. A lógica da palminha nas costas funcionou bem durante anos em determinadas localidades.

Foi assim na contratação de empresas de construção civil, saneamento básico, fornecimento de medicamentos e outros bens a determinados governos provinciais. A repulsa do governador Rescova deve ser complementada com uma queixa à Procuradoria-Geral da República. Quem quer que tenha gizado tal plano, no Uíge, facilmente pode ser acusado de que tinha uma intenção clara de ludibriar o próprio Estado caso tivesse acesso aos montantes da referida empreitada. Dificilmente se consegue perceber como se pode ter esquecido de um centro de saúde, uma infraestrutura visível sem recurso a um microscópio. Um engano ou esquecimento orçado em mais de 28 milhões de Kwanzas leva a muitas interpretações. Talvez, o uso de algum comprimido para a memória ajude a avivar a mente daqueles que, regularmente, ousam participar no festim.