MÚSICOS ENALTECEM CONTRIBUTO DE CARLOS BURITY PARA A CULTURA ANGOLANA

MÚSICOS ENALTECEM CONTRIBUTO DE CARLOS BURITY PARA A CULTURA ANGOLANA

Segundo o assessor do músico, Dj Malo Jaime, Carlos Burity foi levado, ontem, à Clinica Girassol, no período da manhã, a fim de ser atendido e internado, devido a uma fraqueza e dificuldade de locomoção, que começou a sentir há dois dias, mas acabou por não resistir e faleceu.

O assessor contou que o músico esteve doente há cerca de dois meses, devido a insuficiência cardíaca, e há sete anos foi submetido a uma intervenção cirúrgica ao coração, no país, mas que procedia às revisões frequentemente.

“Em Fevereiro deste ano, pretendia fazer a revisão,em Portugal, só que depois teve uma recaída que não conseguiu recuperar. Devido a esta situação da pandemia da Covid-19 não o fez. Nestes últimos dois dias voltou a sentirse mal, e, ontem, infelizmente, foi à clinica para ser consultado, mas acabou por falecer”, explicou o assessor com muita tristeza.

Desolado, Dj Malo Jaime disse que tinha uma relação fraterna com o músico, de mais de 30 anos de trabalho. “Perdi um pai, um amigo de longa data. Onde ele fosse eu também ía, o que eu dissesse ele ouvia. Fazia o agendamento das suas actividades, a programação. Era uma ligação muito forte. Por isso, estou muito abalado com o ocorrido”.

Consternado, o músico Dom Caetano, lamentou a perda e avançou que desde 1972 até estes anos, Burity sempre conseguiu defender as suas raízes e a sua integridade cultural.

Por isso, considera que a música angolana perdeu um dos seus grandes astros, que deixa um enorme vazio na galeria dos melhores músicos deste país. “Isso é muito duro. É trágico! É muito difícil a gente conter-se perante essa notícia muito trágica. Mas, de certo modo, temos de gerir essa situação, porque afinal é o destino de todos”, deplorou.

 Face ao acontecimento, Dom Caetano, como forma de consolo, diz aos amigos, aos fãs e aos familiares do músico que “Estamos num momento de profunda reflexão e muito difícil, mas devemos encorajarnos, manter a calma e descontracção, porquanto é uma doença que ele contraiu e, durante muito tempo, ‘lutou’ contra ela. Quis o destino não deixá-lo sofrer por mais tempo e colocá-lo ao lado de Deus”.

O também compositor disse ainda que Burity defendeu as matrizes dentro da sua verticalidade e princípios, um dos artistas que, de facto, não violava as suas origens e pela sua habilidade cimentou-se como um dos sembistas mais radicais da história da música nacional.

 “Nós temos de olhar para aqueles que marcaram a nossa identidade. Ele é daqueles músicos que teve uma postura vertical perante as suas próprias raízes, perante a música popular urbana e nacional, cantou em Umbundo e em Kimbundu várias vezes”.

MPLA lamenta partida de Burity

O Comité Central do MPLA, numa nota de condolências, afirmou que foi com incontido sentimento de tristeza que tomou conhecimento do falecimento do artista Carlos Burity, ocorrido em Luanda, uma verdadeira lenda do Semba, um dos esteios da nossa identidade nacional.

A nota acrescenta que Carlos Burity emprestou uma grande contribuição na renovação estética da música popular angolana, deixando para a posteridade álbuns dignos de registo como “Carolina”, “Uanga”, “Ginginda”, “Massemba”, “Zuela ó kidi” e “Paxi Iami”, ao longo de uma carreira artística ininterrupta, com actuações nos mais diversos palcos nacionais e internacionais.

 Pelo legado deixado e pelo contributo prestado à História da Música Popular Angolana, o desaparecimento físico de CARLOS BURITY constitui uma perda irreparável para a Cultura Nacional, de que foi um dos mais empenhados estandartes da sua preservação e valorização.

Neste momento de dor e luto, o Secretariado do Bureau Político do MPLA inclina-se perante a memória de CARLOS BURITY, endereçando à família enlutada e a toda classe artística angolana as mais sentidas condolências, lê-se na nota.

UNITA manifesta tristeza

Mensagens de pesar chegaram também do Presidente da Unita, Adalberto da Costa Júnior, manifestando tristeza e consternação pelo passamento físico do cantor.

Na nota de condolências, Adalberto da Costa Júnior destaca as qualidades de Carlos Burity, realçando que com as suas criações artísticas bastante populares e participações em diferentes grupos musicais, o músico elevou bem alto o nosso Semba, que marcou a cultura angolana em que se tornou intérprete das vivências das comunidades urbanas e rurais.

Sublinhou que o malogrado deixa um vasto e valioso legado musical que deve ser preservado pelas instâncias competentes do país.

Show em sua homenagem

A cantora Patrícia Faria, participou naquele que, por sinal, acabou por ser o último show do músico, que homenageou a sua obra, na 3ª Temporada do Projecto Duetos N’Avenida, na Casa 70, em Dezembro do ano passado.

 Patrícia disse, na ocasião, sentir-se feliz, lisonjeada e também honrada, pelo facto de ter podido subir ao palco com o músico.

Considerou a sua morte como uma perda irreparável para a música angolana, por ter sido um dos mais frequentes e regulares fazedores do Semba, e que revolucionou este estilo musical, em que conferiu modernidade, sem que se perdesse a essência, a sua matriz.

“Recebi essa notícia com muita tristeza. É com certeza uma perda irreparável, até porque nos dias que hoje correm, são cada vez mais visíveis os exíguos fazedores do Semba, aqueles que vão buscar as nossas raízes, as nossas tradições a serem interpretadas e, consequentemente, perpetuadas”, observou.

Patrícia enalteceu a homenagem feita naquele evento, um acto que observa que deve ser feito enquanto o homenageado estiver em vida.

 “Elas são sempre boas, mas são mais ricas ainda se os homenageados poderem desfrutar daquilo que é o fruto do seu labor, do seu percurso. Não é a mesma coisa, quando estamos de olhos fechados, se não podemos sentir, se não podemos manifestar o nosso regozijo pelo elogio do sacrifício”, observou.

 Valorização dos sembistas

 A cantora entende que ocorra a tão propalada elevação do Semba a Património Imaterial Nacional, é importante também, que os seus fazedores sejam valorizados. Referiu, igualmente, que a música tem a função de elevar a identidade cultural de um povo, as artes, de uma forma no geral, e Burity foi um mestre da música angolana.

 Defende ainda que o seu legado deve ser seguido pela nova geração de artistas, mas que, para isso, seja necessário reunir condições para que o Semba seja também motivo de estudo académico.

“As gerações vindouras, os jovens de hoje têm pouco acesso àquilo que nos identifica culturalmente. Uma das lacunas que nós temos é precisamente esta. Dai que nos dias de hoje não se saiba interpretar e perceber o que é o Semba, o que é a Kizomba e a Rumba”, constatou.

 Por esse motivo, acrescentou, tem-se obtido resultados flagrantes naqueles que são os concursos musicais, em que damos um título errado a um determinado ritmo musical por, simplesmente, estar a ser cantado em Línguas Nacionais”.

 Nova energia

Yuri Simão da produtora de eventos Nova Energia, que em 2016, na III Temporada do Show do Mês, teve como convidado o músico, lamentou a sua morte. “É um músico que muitas vezes trabalhou connosco. Deixa um vazio muito grande, por ser um dos ícones da música angolana”, lamentou.

“Este é o momento de reflectirmos e celebrarmos a obra que ele deixa e respeitar o sentimento de luto da família. Numa semana perdemos dois grandes músicos, isso nos entristece”.

Biografia

Carlos Fernandes Burity Gaspar nasceu em Luanda, a 14 de Novembro de 1952, e viveu parte da adolescência no Moxico onde integrou, em 1968, a formação Pop Rock “Cinco Mais Um”, com Catarino Bárber e José Agostinho, o último do Duo “Missosso, com Filipe Mukenga.

Próximo das turmas e da movimentação dos grupos de Carnaval luandenses, Carlos Burity já era, no princípio dos anos 70, uma figura de cartaz na Sede Social de S. Paulo, importante centro cultural e de recreação da cidade de Luanda, alinhando, como vocalista, em agrupamentos musicais consagrados como Os Kiezos, os Negoleiros do Ritmo, o África Show e os Águias Reais.

Discografia

Em 1974 gravou, com o Grupo Semba, uma selecção de músicos angolanos que ficou na História da Música Popular Angolana, o seu primeiro single, que inclui os temas “Ixi Iami” e “Recado”.

Neste mesmo ano, divide o palco com David Zé e Artur Nunes, num grande espectáculo realizado na Cidadela Desportiva de Luanda, promovido pelo empresário Palma Fernandes e Ambrósio de Lemos (ALPEGA).

O single “Inveja” e “Memória de Nelito” surge no mercado em 1975, enquanto o disco “Especulador”, um tema de pendor satírico que marca a entrada de Carlos Burity no universo da música de intervenção, e a canção “Desaparecimento de Moreno”, gravada com o agrupamento os Kiezos, surgem em 1976.

Em 1983, Burity junta-se ao “Canto Livre de Angola”, um projecto do cantor brasileiro Martinho da Vila e do empresário Fernando Faro, que levou ao Brasil nomes como Filipe Mukenga, André Mingas, Dina Santos, Pedrito, Elias dia Kimuezo, Rebita do Mestre Geraldo, Mamukueno e Joy Artur, acompanhados pelo agrupamento Semba Tropical e participa, integrado no mesmo projecto, na gravação do LP “Semba Tropical in London”, interpretando, com assinalável sucesso, os temas “Mon’ami” e “Tona kaxi”.

O álbum “Carolina” surge em 1991, com os temas “Uabite Boba”, “Maria Alukaze”, “Narciso” (de Mamukueno), “Carolina”, “Monami”, “Adeus” (Filipe Zau) e Kilundo (Filipe Mukenga). Em 1994, surge com “Angolaritmo “, que aparece sob a forma de CD em 1994, pela editora VIDISCO, com o título “Ilha de Luanda”. Carlos Burity tem ainda publicados os álbuns “Wanga”, “Ginginda”, “Massemba”, “Zuela o Kidi” , “Paxi Iami”, “Malalaza”.